sábado, junho 30, 2007

tempo demais

olha nos meus olhos, eles já não dizem mais nada.
faço esses desenhos poucos com os dedos na areia,
o mar às vezes bate nas nossas pernas.
se você diz alguma coisa eu até respondo,
embora tudo continue calado.
os gestos e as mágoas.
as nuvens e as marés.
os amores e os ódios.
o mar às vezes bate nas nossas pernas.

quinta-feira, junho 28, 2007

pathos

agora começo a entender. indecisa como uma caminhada, sujeita às veredas. cúmplice, e apenas isso, de um momento que se conjuga no cerne mais denso do presente. se foco os meus olhos para os passos passados, deixo de adivinhar a marca pesada dos meus pés na areia: o vento os apaga, o calor do sol os confunde. então não posso mais com isso, mantenho meus olhos sempre a altura do horizonte-futuro, sempre o porvir. não existo, se inerte morreria. assim continuo no meu exercício maldito, dos passos inesgotáveis, da meditação inesgotável. o sol extrai sem esforço o suor, a areia nele se difunde, renova-se pedra em meu rosto. meus sentidos tornam-se dispersos, entenda o ritmo a que me submeti como uma sucessão de tambores, mantras, preces. torno-me, no deserto, projeto vago de sinestesias. estado de dissolução - moldura. começo, meio e fim - nível d'água. vida seca, rarefeita. olhos embotados de sépia. assim me proclamo, como uma ordem fugaz no deserto.
as nuvens confundem a natureza da água salgada que toca o solo. não deixam de passar, em absoluto. tenho como exemplo as formas de suas curvas. idéias e mundos que passam por vezes despercebidos. a espécie de segurança da gratuidade que tem o afeto de um felino.
sou seca, rala, pouca. fecunda. não me diferencio do solo, da vegetação rara, ou então das nuvens. o ritmo da terra, batimento cardíaco lento, toma conta do meu ser. caminhada letárgica.
tais imagens sem nicho, flutuando por todos os ares, invadem-me o estar que torno como uma obsessão: repentinamente as linhas de um círculo que dele toma posse. círculos, retornos imersos nos caminhos. no meio do deserto sem fim encontro um cactus. forte, linha bruta do constraste. resistência agreste da vida que se cumpre. signo inteiro da fecundidade.
fluxos do tempo, e do meio, no outro áspero, desfaço-me da pedra, despojo-me da areia que formou-me, entrego-me. mato e morro. fim concluso da procissão, sem linhas retas. libero-me da minha carne, arrebento-me no meu ser. sou outra vez.

quinta-feira, junho 21, 2007

tereza

lente branca pra essa quarta feira,
a fuga da fuga
em doses homeopáticas:
cerveja a cada dia,
pedaço a cada esquina,
eco sem sujeito, óculos sem miopia.

não se procura e não se acha, enfim a sua resposta:
o nada.
no mais, só
as palavras
que nunca
se calaram no ar.

domingo, junho 17, 2007

desconstruindo werther

se eu pudesse escrever uma carta de amor agora, não seria para uma camila, nunca. tampouco uma bia, talvez uma lia. lua de lia. morena de samba. duas horas da manhã e me bastaria uma lia.
eu lembraria do seu sorriso,
e não é que quando me encanto sei transpor isso ao outro, no instante de uma palavra?
por trás de cada sílaba antes o ritmo do que o fatídico sentido,
sei sim,
e o sorriso de lia.
a faria um samba, se é que tu me entendes.
como uma ladeira iluminada de sol,
como uma saudade,
gato, gato. rato. triste saudade.
triste saudade de lia.

chá de romã

enlaço o chá nas mãos, até o ponto que ele permite (e ele não permite muito, vai logo queimando minhas mãos, minha língua. é um amor difícil). ele esfria, como tudo há de esfriar, todos somos iguais, é só esperar esfriar. entorno em vagos goles, mata a minha sede, e intermitente, me chega a boca o profundo cheiro do nada.
pois não é como se fosse cheiro algum, pois está lá. é o profundo cheiro do nada. enquanto isso volto a minha atenção ao filme que passa. que babaca, sem propósito algum. e eu penso no que penso. minha cara, sem propósito algum. como se nadasse e meus pensamentos fossem espuma do mar, não importa que não tenha nada além da espuma, o que importa é que eu sinto.. :que há algo, só não sei se já encontrei.
dou mais um gole no chá,
como um tapa na cara a verdade se revela:
o profundo cheiro do nada.

sexta-feira, junho 15, 2007

debaixo do pano

na verdade é apenas uma construção. uma equação talvez.
entre as suas expectativas, e o que o punho fechado guarda.
-não. eu não falo de pombas voando.
eu penso no que do tempo me aguarda.
este é o se perder: esperar.

o pôr do sol tem hora marcada. quase.
mas nada tem hora marcada.
-é que me perco.

poesia de cego.
mágica pra ninguém ver.
mudar as expectativas.

quarta-feira, junho 13, 2007

leão

acorda.
sabe que seus olhos estão vermelhos.
ângulo torto de si mesmo,
descobrindo o mundo que fez-se sozinho nas noites passadas.
levanta, olha.
o que mais desdobra da falta aguda do pensamento?
o mundo se arrepende,
sustentado na fraqueza ébria de seus joelhos.

quinta-feira, junho 07, 2007

feno

minha boca:
os fios de luz passam

instante de samba


só a vida
deixa ser

terça-feira, junho 05, 2007

quem sabe um dia

o que eu tenho?
procuro e acho que sei,
mas nunca sei.
fecho os olhos de desespero. abro os olhos e me tenho.

domingo, junho 03, 2007

desconstruir

eu vou demorar cinco segundos a mais
para escutar tudo o que você tem a dizer.
quem sabe assim eu ouça o que sempre quis ouvir:
os seus fins vão ser os meus começos,
a minha mentira vai ser a sua verdade.

viver

não é assim tão justo,
não há algum contrato
que de fato
nos proteja.

nascer sem petição,
morrer,
por ventura,
por acaso.

e entre isso e aquilo,
todas as pedras,
no meio do caminho,
no fundo do sapato.