sexta-feira, novembro 30, 2007

o velho e o mar

minha voz assume um tom cansado quando te distingue no vão dos dias.
minhas costas se curvam por anos de pesado fardo.
e o sol e a areia tomam minha pele magoada.

com cal e sem medo,
transformo toda dureza em ternura,
que é pra você deixar de ser boba.

velamento

as mulheres na cozinha de uma solidão, andando como gatos. a cada passo das pernas rijas, o assoalho frio a endurecer a vida. vendo-me nos seus olhos desconhecidos, aprofundo-me num leito úmido, dos mil desdobramentos entre o sono e o sonho. tateio-lhes os olhos como se procurasse a profusão de um tu: o duro entrevir das pernas, as sombras dos quartos e os fantasmas dos ausentes. assim nos se-mos com todos olhos, e então será porque o olhar resiste às sombras.

quarta-feira, novembro 28, 2007

cem anos de solidão

raspar com as unhas o fel das paredes caiadas,
e o doce gosto da terra.
os corpos cegos
procurando-se sós,
silenciosamente,
com medo de acordar.

histórias repetidas nos mesmos nomes de outrem,
como sombras extintas pela luz.
as páginas cessam,
o livro nunca.

terça-feira, novembro 27, 2007

assídia

há dores de outras vidas,
mal cicatrizadas.
andam todas em filas,
passivas e caladas.
quando chamam seus nomes de dor
angústia, assídia, agonia;
mal olham para o lado.
preferem seguir em passo reto,
sem esperar nada,
com os mesmos olhos quietos.

sábado, novembro 24, 2007

triste fim de uma essência.

as mãos criadas antes do medo,
repelem o escuro com o seu silencioso gesto,
embora absoluto.
não há obtuosidade alguma que persevere sob os quartos de luz acesa,
entre uma sala e outra.
chamam nenhum nome. a lista é curta,
e ninguém nos salvará.
seguem os desenhos tecidos desde o ventre,
os padrões escolhidos por seus próprios dedos,
que se repetem até o fim dos tempos.
todos os dias,
todos.
cheios deles mesmos.

quarta-feira, novembro 21, 2007

pensamento

Do lado de lá do mundo tem uma sala.
Não tem sol,
tampouco lua.

Atrás da porta tem um aviso,
que ninguém nunca escreveu.
Como é o pensamento sem idéia,
e a palavra sem tinta,
além do céu é infinito,
para quem tem os passos leves.

domingo, novembro 18, 2007

#

como a violência comprimida por dentro da artéria.

cascavel

o desespero como forma de alimentar o medo,
desmanchando ausências em atos.

estou a poucos palmos,
sei que sou vazio transfigurado
em forma.
um pouco de luz invade o quarto,
e ainda posso ver.
aproximo-me com pouca exatidão,
não sei exatamente sob que forma o medo me invade.
temo a perda, metamorfose do pó,
se a vigília se perde em estado.
a pergunta perde-se na falta do pensamento,
se o desejo faz diluir
ou somar.
e a resposta é sempre a mesma:
ouve-se um não em cada fato,
demarcado e transcorrido.
a noite torna-se dia,
o tempo fechado.
estou cheia de nomes,
dados sem perdão.

com o passo perco a razão,
há fogo em tudo,
assim começa a ruína dos homens.

sábado, novembro 17, 2007

perigos noturnos

abriu-me no peito com armas de cobre os buracos sem nome, de anos, de todos. foi chamando que aos poucos virou-me do avesso até que não tivesse mais sombra. até que da matéria restasse apenas o verbo. como uma carne oca as pernas tentavam seguir pairando na mesma antiga despretensão de possuir apenas medos. a falta de algum pensamento a refletir a vermelhidão do sangue brotando das entrelinhas. os passos queriam seguir, atingir com precisão a nudez destinada. inclinavam-se fundo no gozo intépido a que estavam dispostos. ser como uma palavra estalada na língua, nada mais do que uma face sem nome.

vírgula

suco de laranja na bancada meio dia de sol.
o corpo estirado na varanda,
não tem para onde olhar,
e fuma os cigarros cheios de silêncio.
nenhum olhar já se encontra
.
toda intenção se perde,
músculos involuntários
e sem razão. dar-se inteira,
e não pela metade
é guardar-se para todos outros dias.

mas não um eu,
e sim um ela,
que quando a noite é escura e fria
não chama meu nome.
embora o tenha
embaixo da língua,
e longe do peito.
.

sexta-feira, novembro 16, 2007

fígado

o som da palavra cravada no ar,
matéria inventada da farsa,
desnuda.
ser cruel é ter nos olhos desejo do sangue.

i tu

as vozes
veladas
por trás de um sorriso.

os poros
à beira
impregnados pelos sentidos.

do som
a soma
a reverberar por todos ouvidos.

és como no escuro o grito,
e a presença torna-se
sombra.

terça-feira, novembro 13, 2007

eu preciso te contar uma coisa

pensem comigo
na lógica que está prestes a mudar sua vida.
1 - o tempo futuro é infinito
2 - a probabilidade do homem controlar as possíveis intempéries letais é grande.
3 - mesmo se a humanidade fracassar em tal intento e for extinta, nesse tempo infinito é muito provável que uma espécie evolua de forma nunca antes vista.
4 - considerando os estudos de einstein, da física quântica, etc.. torna-se altamente provável que tal civilização crie uma máquina do tempo.
5 - logo, estatisticamente a possibilidade de voce olhar para direita e encontrar um ser do futuro é de 50%. metade para o caso de ter, e metade para o caso contrário.

esbugalhar

o medo é tanto que não há mais claridade alguma
para que se possa chorar.
cada carne morre,
em algum lugar que ninguém pensa.

domingo, novembro 11, 2007

canalhinha

amor,
a mando,
mando,
uma resposta,
uma pergunta,
uma viagem,
de raspão.
no chão,
que arde e coça,
não pergunte,
só me ame,
amor,
não reclame,
deixa eu deixo,
passar a mão.

terça-feira, novembro 06, 2007

como se cauterizar todo o sangue dos dentes

prender em portas nunca adentradas a fome
caóticas paredes
sempre quatro
olhando a si mesmas
.
o desejo amortalhado pelo medo,
a atenção perecendo em segredo.
cada janela te espia,
enorme cidade vazia.

as valas públicas,
e as vidas vadias,
quem finge de morto,
e todos os outros:

paciências

refém do tempo,
pelo peito
sempre as palavras fazem o mesmo som
em uma só boca
uma só náusea.
o tempo corre escondido
por debaixo das visceras.
nada se pensa
nada se apanha
.
nenhum fruto
discórdia do desconhecido.
todos os segundos atentam
para esse eterno inomiável.
no escuro resta opaca meia vida da transgressão.
trabalho dos veios das sombras,
trama de mãos delicadas,
inventar a vida que já nos basta.

segunda-feira, novembro 05, 2007

don juan

eu não aguento mais mentir.
estar só
até que realmente não o queira mais.

trama

a vida, essa desconhecida, te aposta os dentes nas coisas, te faz perder os medos. a rua ainda é úmida, e o céu não transparece nada, além do leitoso conjunto. os pés já não sabem para aonde ir, e mesmo que nunca o soubessem, agora o tem como certeza. não há nicho que não seja isso, da mesma matéria involuntária e fria seguem as veredas do dia. os carinhos muitas vezes mentem, erram de endereço. os olhares, patéticos resquícios, por oras quase que iludem, até perder o viço. resta apenas o silêncio, do oco dos seus passos. do eco da sua voz. a sombra da saudade.

sexta-feira, novembro 02, 2007

cafundó

quando eu te passo,
atrás de mim tem o sol e tem a terra,
e mesmo assim é embaixo dos meus olhos
que você escolhe estar.

o que temos a nos dizer
é quase nada.
as manhãs se parecem,
e é quieto o nosso ser.

para ouvir o silêncio
tem que ter apaziguamento.
tem que virar o barulho do silêncio,
pra começar a escutar.