domingo, julho 27, 2008

self

não sairei lá fora.
certamente a noite me engolira com sua boca inchada
- entumecida
além de provavelmente invisível.
fico aqui
com a luz.
os traços bem definidos de um rosto em decomposição.

1.
hoje a luz principal do banheiro estava apagada,
mas eu via os olhos e seus contornos com a luz que sobrava da sala.
escuras olheiras - eu lhe diria.
no entanto não lhe digo nada.

guardo segredo.

2.
o dia passou como uma mentira,
como um sonho que não se sabe exatamente se foi sonhado ou...
(o som do ar entrando nas costelas)
pressentido.
assim como lembro-me do passado
- e não do futuro.

3.
querida,
eu hoje te inventaria.
alguém que talvez merecesse essa carta,
engavetada no lúgubre sotão das minhas memórias.
(curvas alongadas, um soluço ausente, granito, estátuas de corujas)

não te invento.
pois tenho a você e a mim distantes dessa tão rala (e não esparsa) realidade.
realidade de rotos, cheia de detalhes, embora (apenas) vital quanto a poeira.

4.
escuta.
escuta bem.
mergulha no silêncio escondido por trás dessas palavras.

esse silêncio somos nós.

sábado, julho 19, 2008

substitui

pulsa a lua.
vem maré,
dá-me a mão.
o vento viaja sobre nossas cabeças.
tudo aquilo que nos liga sem nosso conhecimento.

a luz negra do breu,
a iluminar a disformidade,
ausência de limites,
internos excessos.

pulsa a lua,
pela janela aberta
converso com o mar.
lampejam ondas no vidro do meu olhar,
sei pois sinto o sal nas têmporas
e a escuridão de uma bem sucedida noite.

a terra se converte em espasmos,
viva, mulher, sob meus pés.
tua umidade explode dispare
por todos territórios.
a terra nos é,
quando, já,
não podemos nós ser.

quinta-feira, julho 17, 2008

peter

pra existir,
prescindo afirmar:
Sou.
Sei.

E então posso ter uma dor.

Embora saiba
- e sei
que dor tão calada,
tão sem nome,
tão sem dor,
só possa ser saudades.

odores frios

olhares perdidos no horizonte da mesa.
como a memória destituída de forma
- mas não de cor.
suspensos no ar,
em nenhum lugar,
odores frios.

unhas com cal,
dentes com terra.
o cheiro alcóolico do seu perfume sem odor.
rastros meus para apagar.

ser poeta

ser poeta
é saber as palavras exatas para cada coisa
- e não dize-las.

silêncio

tem tantos silêncios que ocupam minha alma.
silêncios densos,
úmidos.
são os poros de um dentro,
se dilatam conforme vem o vento,
me dizem,
todos os dias,
que útil mesmo é ver as coisas bonitas.

quinta-feira, julho 03, 2008

o frio de uma noite sem porquê.

como dois cãozinhos tristes,
seus olhos se sentaram ao meu lado.
a água que tinha certamente

(planificando as emoções em sede),

tentava possuir-me nesse enxame de abelhas.

e sua mão procurava a minha no escuro dessa indiferença,
e sua umidade muita ameaçava o meu calor derradeiro.

fostes embora num corcel dourado,
era eu que te mandava de volta para um passado,
noite fria, sem amor, sem ninguém a ser amado,
seus olhos ainda me olhando no escuro,
no fundo da noite,
com a ligeira imcompreensão de quem já entendeu,
- me dava medo.

nós pequenas, sombras apenas,
esmagadas contra um tempo suspenso.

peço perdão. verdadeiramente.
pois, tanta bobagem, e mesmo amor.
o frio de uma noite sem porquê.

saudades

como um corpo desfigurado
que a morte levou nos braços,
assim era o seu quarto vazio.

vagos traços familiares,
linhas - as mesmas
contornos - sem vida.

a calma de uma poeira antiga,
essa sim com vida própria,
a reclamar o quarto.

luzes passageiras,
brilhos sem lusco-fusco.
seu quarto também era como o passado.

pois de todas as vezes que estive lá,
dessa, lembrei a primeira.
lembrança como coisa viva,

mais viva que a vida,
mais viva que o dia,
mais viva que o quarto.