quinta-feira, setembro 25, 2008

quário

então era assim que eu te via dentro de mim.
no escuro de uma noite qualquer via-te andando de braços dados com o abismo, abrindo bem a boca, ver se dava pra beber água da chuva.
era assim, você decidia se entregar pra qualquer abismo, e eu bem não sei o quanto disso valia, o quanto disso era válido naquela equação esquizofrênica que eu desenhei pra vida.
sei que nela você não cabia.
não cabia mais.
um dia coube, mas então era eu quem não cabia.
aí eu parti pro mundo e você escapuliu.
saiu, era outra, nunca foi, nunca reconheci.
mas daí os abismos.
agora vem me explicar porque.
sabe o que (e grito com ódio bem em cima da sua cara,
com a raiva contida que você conhece, como mais uma das coisas que você conhece e que eu finjo que não, só pra te maltratar, pôr seu pé pra fora desse círculo que desenhei com giz, escorpião e fogo, alegria).
é que nessas horas eu posso ser você e você pode ser eu,
de tanto diferentes parecidas que somos.
de tanto que não nos pertencemos mesmo.
você perdeu o coração na guerra,
e eu perdi a guerra.
escuta, você me inspira,
muitas vezes na vida.
e eu gosto muito de você,
e talvez um dia, inclusive, admita.

quarta-feira, setembro 24, 2008

vírgula

abriu a porta pra deixar o mundo inteiro na porta.
sentiu nojo e como de costume cuspiu em cima de tudo aquilo.
vontade de comer pra matar o tempo,
nada de fome.
ou seria do tipo vampiro cheirado,
ou gordinha carinhosa.
ou um ou não.
carinhos pontapés.
queria alguém que a equivalesse.
difícil, ou cheiram mal ou pensam mal.
isso quando não é você fazendo os dois.

boa noite boa sorte,

terça-feira, setembro 23, 2008

bonobo

lá em casa todos temos carro. gostamos bastante de o ter, pois um dos nossos passatempos favoritos consiste em atropelar pássaros. quando andamos preocupados com qualquer coisa pela cidade, nos alegramos bastante quando os avistamos no asfalto. então com um sorriso no rosto e os olhos concentrados aceleramos o carro e esperamos ter sorte. se o acertamos a alegria é garantida pelo resto do dia, e ao voltar para casa contamos para toda família reunida em volta da mesa. porém, se erramos ficamos sérios, e esperamos consertar o erro antes de chegar nas redondezas da nossa casa. quando estou junto de mamãe nessa exata circustância, às vezes imagino que ela poderia dizer algo parecido com "como será que pássaros, tão verdadeiramente animais, conseguem viver em uma cidade como essa?", e que então eu poderia tristemente pensar "não são eles os únicos animais a viverem esse absurdo". porém, ela nada diz, e eu, portanto, nada penso. acostumadas que estamos em, tendo carros, atropelar pássaros.

sábado, setembro 20, 2008

úmido inverno dos trópicos

Abriu os olhos,
na boca palavra alguma,
nada palpitava.

No frio que não fazia
seus ossos estalavam úmidos.

O sol (leitosa matéria)
era tudo o que eles não eram.
Preenchia por completo,
solidez que ninguém anteviu.

Posta em liberdade por outro tempo,
assim,
a tristeza voltou.

úmido inverno dos trópicos.

2° tempo

um caos desordenado com vagas morais planando. então me coloco no mundo com toda a ambiguidade que me é justa. meu quinhão de bondade, meu quinhão de maldade, e toda sacanagem.

o mundo

Quando fico nesses estados uma porção de coisas acontecem.
Normalmente vejo as luzes da noite em tons de verde,
mas imagino que isso não interesse a ninguém.
O que talvez interesse mais sejam esses fatos banais,
de o viver com raiva, ou comiseração.
Imagino que culpando-os de qualquer forma.

Mas dessa vez não (não).
Dessa vez parece que com os mesmos olhos embotados
de mundo,
possa os ver como qualquer coisa como justa.

elizabeth

elizabeth pedia para nascer dentro de mim.
o dia inteiro
(ou o mês, a semana, não me lembro bem)
ignorava esses impulsos que julgava tolos.

porque, afinal, para mim escrever sempre foi o abrir de uma torneira sob pressão.
(inútil torneira,
consolando uma represa inteira).

então eu sentia elizabeth chamando seu próprio nome,
num fundo, bem fundo, de mim.

talvez durante o banho,
ou no trânsito,
em qualquer momento em que,
julgo,
elizabeth gostaria de estar.
(em qualquer banalidade própria da poesia).

a ignorei,
a ignorava,
pois sentia essa nova tristeza
(densa úmida e branca),
abraçando-me os músculos,
apertando-me os braços,
tesa - me chamando para dançar.

confundia elizabeth com essa outra de quem falava.
e para outra não achava lugar em vida tão vaga.
mal sabendo eu, que apenas comprava-lhe tempo
para nutrir-se do meu fígado,
espalhando-se como coisa contraída.

então um dia eu ouvi algo.
não tão longinquo quanto elizabeth.
fato certo,
me tomava imóvel,
puro ato.

era o silêncio.

no coração de uma cidade eu tinha os olhos abertos
e ouvia o silêncio.
era tudo o que escutava
e tão denso
que abria os olhos para o tudo mais.
ventava nessa ausência
e o frio apertava.

decidi-me por um pouco de solidão.
tirei minhas roupas
e talvez tenha cantado
(não me lembro bem, eram meados de setembro).

e assim,
nua, fria,
conheci elizabeth.
ela veio sem nada dizer
e olhava para um invés de mim,
resto roto
(ficou com o que a chuva não levou).

tinha-me segura entre as mãos transformadas em colcha,
absorta,
chamando um nome de eu.
elizabeth me cercava com seu calor,
embora não me aquecesse,
e dessa forma fui aprendendo seu nome.

assim a conheci.
tão doce quanto o pode a chuva.
assim que conheci eliza.

terça-feira, setembro 16, 2008

poesia

E foi-se o tempo em que, para ser bom poeta, era necessário cuspir sangue. Para ser bom médico, bastava a poesia de cortar a pele acessa, e dela ver brotar o mesmo sangue. Bom era o tempo em que vivia-se a lama grossa, e dela não se falava. Agora a lama do poeta maldito é não ter pro aluguel, agora a lama é levar corno (e quase achar bom).
Muito mais poetas as crianças viciadas em crack, equlibrando a boca entre a chupeta e o cigarro, náusea aguda, mas agora sem flor. Muito mais poetas.
Agora mal se escreve, surgem no horizonte apenas esses esquemas todos (tolos) da palavra. Ou de engenheiros, ou de desertores. Porque poetas não, apenas mal poetas.
E mesmo sabendo da hipocrisia de um cigarro acesso, mesmo sabendo da possível alegria de um poeta melancólico. Sabe-se que agora não há poesia, apenas má poesia.
Dos poetas de hoje, os sóbrios se entopem de história (ler escrever para se esquecer de ser), e os ébrios... ah, os ébrios.. contam o tempo em miligramas de prozac.

aforismo

não há resquício que se salve
sem que haja no olhar alguma perda.

que na água do balde eu vou-me embora

somos mais que sonho
sei percevejo o teu alcance
frango deslavado de uma dor
fino aceso desordenada mente
ruido deslavado
lavanderia
ladrilhos
luz lavada
na máquina de lavar
conexões rudes
concessões
porque eu, logo, sou rude.
primata
idade neo medieval
qual o seu nome
levar para a cama
e acordar com outra outra outra mulher.
três vezes mulher e outra.
acordar vendo a mulher da máquina de lavar
da lavanderia de ladrilhos lavados
do sol branco.
essa é a mulher.
foi dormir com o gosto de vinho azedo e o vestido.
foi dormir com o decote recortando o mar dos seios.
acordou com o sol lavando as ilusões.
acordou com vontade de coçar o cu.

samba sobre o infinito

cores sem cor
violinos.
ladrilhos furta-cor.
te espero abraço.
te quero leitoso fruto desenganado
ladainhas no compasso de uma mentira
(dançar essa mentira a dois).
quero-te quero-te
natural como um suspiro.
a imensidão do breu
em comparação aos seus olhos
nadademais.
o mistério das coisas que não sei o nome,
deixo de lado pra te procurar.
escuto o som do mundo.
deixo ele, massa impermeável, entrar em mim.
úmida da agua que escorre de outros olhos.
o céu está completamente cinza.
mas a praia abarca mil segredos
- ainda.
ando nesse espaço
entre o mar e o vento.
desenho nessa linha mil desejos,
de fundir-me mais e mais a esses contornos.
afogar-me na paisagem
e morrer para se igualar,
ao por do sol
nascer da lua.

sim

Sobre o que procuro
talvez encontre
talvez não.

Enquanto isso espero dizer muito sim.

quinta-feira, setembro 11, 2008

deus

eu não consigo mais escrever.
vai ver é porque parei de acreditar em deus.
não em deus-deus, esse velho barbudo que aparece a cada esquina.
outro deus...
o meu deus.

e na verdade ainda acredito nele,
acredito piamente.
o problema é que não acredito mais nele dentro de mim.
não imagino a mão dele no meu ombro como eu costumava.

mas deixa eu te falar um pouco do meu deus.
o meu deus é o silêncio.
o meu deus é a intuição,
o pressentimento.
o meu deus é o abismo entre a vida,
e a vida vazia.
o meu deus é a música,
é o amor que não sabe que é o amor.
ninguém pode (consegue, ou quer) falar do meu deus.
(nem eu).
o meu deus é a surpreendente alegria,
de quando tudo está suspenso,
funcionando bem, e sem peso,
na mais completa harmonia.
esse deus também é a escuridão,
(pois logo que se vê que é um deus sem culpa).
ele não pensa, porque não precisa pensar.
ele não tem metafísica, porque é metafísica.
e se esse deus tivesse forma,
então ele seria uma pedra.
não teria compaixão, taopouco piedade,
(com essa raça tão gasta que é a raça dos homens).
seria apenas uma pedra.

e se ele fosse uma palavra,
ele seria é.
seria é.
seria.

mas é.

mentira

o barulho da escada rolante do metro enchia de alguma coisa o que dentro mim eu chamava de peito. você, linda como sempre, relance do vento que levou minhas coisas embora, amarrava o tenis sem nenhuma alegria.
foi então que a mulher mais bonita do mundo venho na minha direção. ela deixava a escuridão da rua, com tanta certeza, e sorrindo pra mim, que eu implorava com o olhar para que ela parasse, ao invés do mundo.
ela atravessou-me. com a mesma pressa que olhara-me, mais preciso furara-me, antes. cuspida da escuridão, engulida pelo mundo mecânico do metro.
foi aí que você levantou. e não soube, não sabia, de tudo aquilo que era então o meu segredo. (não houvessem as câmeras de vigilância).
talvez então tenha procurado algo estranho dentro, fundo, dos meus olhos. e talvez tenha encontrado o rabo do vestido vermelho, saindo tão tarde de quadro.
ou talvez não, pois você mesma disse que ocupava-se a mais, olhando a si própria refletida no meu olhar. tentando se ver como eu te via, e falhando vez após vez.
vem e me dá sua mão, vamo embora desse saguão frio do metro, se você não tiver frio podemos virar naquelas esquinas. vem, e me dá sua mão. o mundo inteiro parou pra podermos ir embora, e eu ainda escuto o ruído da escada rolante.