quinta-feira, novembro 27, 2008

odor

a noite com seus ombros lilás,
cai sob mim.
as janelas tão pouco me dizem,
e escuto o seu telefone tocando do outro lado da cidade.
- sou eu quem te liga.
os seus sonhos escorregam da cama com gentileza.
alcançam o chão, massa porosa,
abandonam-te no meio do breu.
os meus sonhos te enxergam,
és de outros,
e não me pertence,
como nunca pertenceu.
chamo teu nome, grito teu nome,
essas vozes não deixam meu corpo,
no entanto percorrem cada nervo, cada pelo.
enquanto você se perde na sua noite,
eu te procuro na minha.
nesta guerra de trincheiras ninguém ganha,
ninguém sente o teu cheiro.

domingo, novembro 23, 2008

filosofia

não.

ela dizia não como se a noite não estivesse fria e os pingos de uma chuva imaginária não nos alcançasse nas vértebras.
ela sempre se declarava baseada em inverdades, e
conforme os dias passavam, ele começava a duvidar.

então será que não era realmente ruiva
e talvez não gostasse da hora da noite em que apareciam os morcegos?
ou talvez mãe não tivesse,
nem medo de barata.

enquanto olhava fundo nos olhos dela se sentia bem ausente.
tinha seus peitos sob o queixo,
as mãos nas mãos nas mãos:
ausente.

sentia-se como um pedaço de carne mal carpida,
aninhado nos braços de uma desconhecida.

sentia como ela o via,
como uma porção qualquer de cabelo em que pudesse exercer seu cafuné.

contava segredos e sabia que não seria ouvido,
ouvia tudo o que dizia e não sabia se acreditava.

ia dormir intranquilo e enquanto sonhava a via de fato:
ela sorria e era verão.

sexta-feira, novembro 21, 2008

ilusão

quando ouço sua voz queria desligar a luz dentro de mim,
e ouvir-te plena e nua.
sem interferência.

saberás

uma coisa atrás da outra.
o método do que aconteceu.
perguntaram quem eu era.
e eu respondi.

eu era o que fora de mim me repetia.
os discos os livros, os conhecidos.
e que fora de mim não me era,
isso era o desconhecido.

e de repente o que de mim o que mais eu gostava.

um ano vazio se passou.
livros lidos,
logo apagados pela velha amnésia.
o que será feito nesse antigo ano?
coisas feitas por alguém que não jurei lembrar.

eu escuto sua voz e quantas barreiras ela vence na noite.
é frio e a paisagem mais verdadeira do que nunca consegue chegar a esses olhos caducos.
a vida é bonita e sempre é.
basta os olhos bonitos.

não quero me restringer a fazer algo bonito,
até porque quanto mais o penso mais me afasto,
da sinceridade dura, seca, dentro de mim.

seus lábios estão úmidos, seus seios permanecem distantes.
todos seus traços confundo com melodias,
infames, infames.
morro na praia da sede de te enxergar.

um dia me olharás de um porta retrato.
e esse olhar obliquo,
agudo.
é o que restará de um amor morno como uma quentinha esquecida frente a porta.
e meu amor viajará com o mesmo vento do filho pródigo.

não sei te explicar minha independência.
mal sei te amar.

quinta-feira, novembro 13, 2008

pictórico

os braços nus recortados sob o fundo absolutamente negro
paralisados em pleno movimento
terminavam os pulsos em bocas
abertas e falantes
"carmim, carnudas, vermelhas".
os dentes amarelos de tanto fumar
tanto falar com as mãos.
os olhos feito pedra
de tanto observarem de seu loginquo desespero.

ela tinha a habilidade de deixar-se falar por horas sem ser,
postava-se no alto daqueles fárois boquiabertos e observava o mundo em silêncio.
o mundo em movimento.

terça-feira, novembro 11, 2008

manga rosa

as luzes avermelhadas que atravessam nossos corpos.
é eternamente manhã e suspiro,
porque não sei seu nome.
tenho embaixo da língua guardado um segredo.
mas ao contrário,
não tenho medo.
as luzes vermelhas que atravessam nossos corpos.
não existe tempo.

pois liberdade

no começo era o nada.

então surgiu uma caneta bic e dividiu a folha branca ao meio.

nesse dia Ele tinha Raiva,
e com Ela criou um sulco fundo na folha sulfite.

sulco fundo,

fundo e azul como o mar,
filho d'Ele com Raiva.


e então,
fez-se a luz.

e todo um mundo enorme e vasto fez-se para além dos limites do sulfite.



esse mundo tinha montanhas e cabras,

insetos e alcoolatras,

sodomitas e unhas encravadas.

tinha também coisas mais estranhas ainda.


e além disso tudo, nesse mundo também vivia Ele.

e Ele,
caro leitor,
estava bravo como se a semana tivesse terminado,
rabugento como se nada tivesse sobrado,
triste como se todos os seus filhos fossem macacos,
e acabado como quem acabou de ser chifrado.

segunda-feira, novembro 10, 2008

meta tédio

que merda
não é nada disso que eu queria falar
eu queria falar desse tédio imenso que ocupa tudo,
dessa coisa de não pertencer a nada.
dias e dias e o mesmo saco cheio.
as mesmas pessoas chatas.
os mesmos livros
os mesmos discos.
a mesma falta de paixão.
eu não queria dizer de nada disso,
porque escrever disso tudo daria um texto tão mediocre quanto essa vida.

quarta-feira, novembro 05, 2008

esmiuçar

não sei bem dizer porque quando sinto não é imaginando.
talvez um pouco,
mas é tão fora de mim que tudo se passa,
que talvez não esteja no direito.

talvez seja como uma praia amanhecendo,
amanhecendo sempre, sem nunca aparecer o sol,
só aquela luz atrás do morro,
tão forte que deixa tudo branco.

e o mar vem mansinho,
como que domesticado,
lamber os meus pés com sal.
aqueles sons do mar,
inclusive o silêncio,
indo e vindo e me dizendo da vida,
desse ritmo indeciso de termos de ir cumprindo.

nessa praia meio claro meio escura não tenho rosto.
nem rosto nem eu,
ainda só aquele antigo hábito de continuar existindo.
nem forma
nem conteúdo.

acho que em todos os lugares onde eu to,
eu to muito mais vezes nessa praia.
têm o silêncio e tem a solidão,
e tem tudo muito bem explicado sem palavras,
só amplidão.
essas coisas nos dizem tão bem.

então eu mergulho numa escuridão profunda,
e isso é abrir os olhos e ver que continua ali,
esse dejeto que sabe muito pouco,
com tantas pessoas acostumadas a calar a vontade,
e de aceitar como natural a convenção,
e como excessão a natureza.

novamente eu acordo,
me sinto mais triste e mais só.
me sinto mais cega e mais sã.
em mim quase tudo me repete.
minha alegria é ter um corpo.

terça-feira, novembro 04, 2008

breu como carvão

apague essa luz fora de nós.
expulse das nossas mãos todo o ruído,
todo suspiro.
porque sempre úmida a sua boca.

apagar a luz e ouvir a sua voz,
perto longe de mim.
era outra pessoa,
você era
e eu passava a ser.
vontade de ver,
chá de tarde,
vinho de madrugada.
eu ouvia eu ouvia,
repetidas vezes até me embriagar.
eu escrevia e escrevia,
nunca escrevi tão mal.
queria ter pra mim esse abismo que você inventou pra você.

platão

sábado de manhã e eu passo na sua rua de carro.
ainda não tenho a coragem de usar os meus pés.
vou de carro,
passo rápido,
dói meu pescoço de tanto dobrar.
não encontro ninguém
e não vejo nada.
só uma janela, um lustre, uma luz esmaecida.
livros que nunca lerei.

terça feira às 7:00 passo de bicicleta,
mudo meu caminho,
procuro uma resposta.
uma janela fechada.
persiana azul.

outras tardes da mesma infância persisto.
quantas janelas encontro
fechadas.
quantos segredos guardados
por trás de quantas portas.
todo o mistério melhor desconhecido.
e tudo o que melhora com o tempo.

a mesma infância no peito,
fios brancos no cabelo.
paredes,
ângulos principalmente retos,
alegrias, dissabores,
jantares e folias.
dentro das casas ainda segredos,
que agora também a mim guardar.

passam os anos.
às vezes ainda volto à mesma janela.
você às vezes tá em casa,
abre a janela para acenar uma saudade.
prefiro que não,
corro enquanto é tempo.
durmo e não deixo de pensar,
persiana azul..
durmo bem.
sou pura à tarde e à noite.
amo em segredo,
e só para mim.

segunda-feira, novembro 03, 2008

cinema

Tudo no cinema a repetia em seus hábitos.
Preferia a vida assim,
vendo-a passar pelos olhos,
sem nenhum esforço para que as emoções a tomassem por inteiro.

Vendo agora com as luzes ainda acessas
podia ver o mau estado das paredes,
descascadas,
ou enegrecidas.
Também sabe na vida as porções rotas,
e esperaria da escuridão nada menos que o total encobrimento.

Pronto.
Apagaram as luzes.
Agora nos aprumamos nos assentos,
paramos de olhar para os lados.

Pronto.
Agora começa a vida.

domingo, novembro 02, 2008

azular

disseram certa vez que o azul era derivado do preto.
o preto tão sem cor preto.
tão só preto de ser bom fazer um par,
só com o branco.
esse preto.
era dele que o azul derivava.
tão color azul,
tão explícito cor.
direito da grama vida: verde
direito do céu do mar: azul.
então abria meus braços e segurava o ar dentro dos pulmões,
mergulhar nesse azul era eu,
da cor do ar.
azul não se focava,
azul amplo mistério da coisa.
azul todo mistério.
azul que é a cor exata
do mistério.