segunda-feira, dezembro 22, 2008

ébria

dentro de mim metade vivia na completa escuridão
metade no resplandecente e luminoso caos.

gaia com suas tetas enormes no começo de tudo me pegava no colo e enquanto eu sugava a cerveja espumosa que saia de seus mamilos me contava:
caos era a escuridão indeterminada.
o par perfeito da desilusão e do breu,
nenhum traço conhecido.
e então gaia nasceu,
pois já vivia, latente, dentro da escuridão,
dentro do seu pai caos.

assim como ambos vivem dentro de mim,
assim como a única condição para que esses mitos fossem criados é o de que eles existissem dentro de cada um, dentro de todos, dentro de um só.

a morte e o desejo,
a petulância e a sabedoria.
deuses intrinsecos,
arquétipos em estado puro.

e era assim que eu voltava pra casa ébria e não sabia as contramãos do pensamento.
eu vislumbrava seu rosto,
luzes intermitentes a escuridão
pois minha retórica pode ser muito justa,
e até mesmo dialética,
mas o meu ciúmes, meu rancor,
minha animalidade...
não encontrarás exemplo maior de maniqueísmo.

então eu olhava pra cima, procurando os estandartes desses deuses,
procurando sequer uma resposta única.
e minha retórica esvaziava-se de rotina,
olhando a si própria com desdém.

você era tudo isso,
uma mistura inexata de baratos e afins,
e eu amando te odiava,
querendo por nisso tudo um fim.

teus desejos que te faziam puta,
a meu ver também eram o carinho,
que te consolavam no amor-meu-bem.

não sabia como te via,
nem sabia sentir saudades.
tinha medo, era isso,
o resto todo deixava pra mais tarde.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

sim

a,b,c,d,e;
1,2,3,4,5;
combinações fatoriais dum mesmo ser.
as mais óbvias
e as menos evidentes.
dou-te um buquê de flores pra te comer.
não te como,
tal pouco te desejo.
tenho o amor puro dos mais sinceros.
amor de ser perder pelas ruas de minas gerais,
em tantos balcões, sacadas,
em que marílias se perdiam.
meu amor é pouco.
meu amor é ralo.
meu texto é livre,
mas não meu amor.
nem minha vida.
taopouco o meu ódio.

a vida vai amarrando suas mãos grossas sob mim e eu ainda não peço pinico,
pois cócegas tem dentro delas prazer.

terça-feira, dezembro 16, 2008

sem título

"Te vi na esquina outro dia...você me pareceu uma pessoa que vale a pena. Queria saber se você não queria vir comigo. Quem sabe tomar alguma coisa naquele boteco ali, ou mesmo sair por aí nessa chuva. Você se importa em se molhar? Bom, eu ainda não sei seu nome e acho que isso não vai ser necessário. Vem comigo. Ando precisando de alguem como você. Só alguem que não tenha rosto e para quem eu possa criar um. Espero que você não ligue pra essa sinceridade. Você gosta de coca-cola. Coca cola é sempre um bom começo. Se quiser sair correndo pode. Aviso que é melhor sair agora e bem rápido. Prometo não te seguir, mas não sei se aguento te ver fugir. Aqui por perto estão meus amigos e não quero que eles lembrem de mim. Talvez até queira, mas quero estar bem longe quando isso acontecer. Vou aprender a gostar de café se você me ensinar. Pra enganar o cansaço. A uma certa altura não tem como não se estar cansado, né? Você está arregalando os olhos. Por que será? Arregale mais e vou conseguir ver o que você anda pensando. Só não me olhe como se eu fosse incompreensivel. Não quero que as pessoas notem isso. Tem muita gente por aí que também é. Olhe um pouco para elas. Não! Olhe para mim. Gosto quando olham para mim. Se eu desviar o olhar não ligue. Eu não quero ver. Você bem que podia pensar assim um pouco como eu. Não gosto de ser tocada. É sempre tão agressivo. Você não me parece uma pessoa agressiva. Deve ser louco ou passivo demais, pois ainda está aqui e não abriu a boca. Continue assim. É como eu queria. Você parece tão perfeito. Até me assusta. Sabe que eu sonhei demais. Com pessoas que eu nem conhecia. Meu corpo tá formigando. Eu inventei isso. Consigo ouvir uma música. Não deve ser a mesma que você está ouvindo. Sua cara está diferente. O que será que está acontecendo lá? Tenho medo de descobrir. Fique aqui para me distrair. Não me deixe pensar naquilo que eu não consigo parar de pensar. Estou um pouco nervosa. Daqui alguns minutos acho que vou te pedir um abraço. Daqui a dois dias já poderia te pedir um beijo. Bonitos esses olhos no seu rosto. Me empresta algum dia? Os meus já estão meio usados. Não. Não se afaste tão lentamente. Eu vou me virar. Corra o mais rápido que você puder. Vá para bem longe. Não venha mais para cá. Quando me voltar para esse lado não quero saber o que houve. Vou esquecer isso."


n.a.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

sandman

filhos,
os conjuro.
os chamo do final da curva do mundo.
de onde a terra é seca
e a fome é tanta,
os conjuro.

venham andando meus filhos,
os mais rápidos,
uns mais devagar.
a mulher que deixou tudo para trás,
e o bom homem para quem tanto faz.

as rãs pesticidas do egito,
os chineses e seus murais,
os conjuro,
para vir de onde vier,
do final da curva do mundo.

que venham as criaturas vis,
perdidas em tantos mausoléis,
os pasteleiros de assis,
e o pastoteiro com não sei quantos rés.

espero pacientemente amordaçados de magritte,
com a cabeça nunca por descobrir,
as virgens reconstruídas da áfrica,
e as que defloradas foram
em outros tantos lugares.

com a cabeça baixa vou esperando,
brotarem da curva como água da terra,
as mais doces tenebrosas criaturas,
imagino paisagens pastéis,
e as espero,
enquanto o mundo desaba aos meus pés.

incontida

não sei porque toda a fiação estava a mostra,
o importante é que fazia sentido.
as pessoas estavam esquecidas por trás daquele muro,
uma ligavam, outras não,
a maioria não.

mas alguna choravam bem baixinho a noite,
quando nenhum feitor olhava.
a fiação estava a mostra e tocava no rádio uma música que poderia ser mexicana.

a luz branca da garagem criava espectros absurdos em todos os ângulos:
passageiros esquecidos em cada carro.

a solidão era aguda,
e nada mais fazia sentido de ser.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

os outros

fecha os olhos meu bem.
o ar que entra agora demora anos pra sair.

abre os olhos
não há luz.
há somente constelações imaginadas,
de quando perto da sua nuca.

tem sua mão e tem a minha,
solidão de não estar mais sozinha.
tem os outros,
é o que dizem.

mas somente constelações imaginadas,
de quando perto da sua nuca.

terça-feira, dezembro 09, 2008

anaugh

todos os dias se deitava no quintal e sabia que seu corpo ia coçar.
ela odiava se coçar todos os dias
e constantemente dizia a si mesma que nunca mais deitaria ali.

no entanto, no prenúncio da noite,
afogada pelos tons cruéis do crepúsculo,
suas costas voltavam-se para o leito da grama.
ela se deixava esvaziar das geadas de pensamento acumuladas pelo dia,
e as vezes sorria.

quando deixava seu corpo inerte,
ela perdia de vista as constelações,
e via escondida pela sebe do jardim,
uma menina pálida,
deitada na grama,
olhando as estrelas.

e as vezes sorria.

trem

era uma espécie de werther,
com os cabelos espesos negros,
olhando o mundo por sob os ombros.
angústia de lágrimas lavadas,
não conseguia levar o mundo no braço.
sentia o corpo dela próximo
e não sentia mais nada além.

se jogava no abismo de ama-la,
e esperava ser atropelado.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

beijo

um ela comia abertamente, como falando.
com as mandíbulas bem dispostas dilacerava os cereais emulsificados pela saliva. em movimentos redundantes desgastava a fera que dessa vez não a exterminara. o rebanho, por uma vez, era seu.
um ela que tinha no rosto semblante de vida e morte, a alma.
pois sentia nos olhos concentrada toda a atenção que tinha ao mundo.
sentia, por sua vez, os cheiros das esquinas. e sentia-se dor.
ouvia o corriqueiro,
esperava os fárois.
e as vezes falava demais.

e bem naquele buraco bem fundo dessa cara que um outro ela decidira se entregar,
quisera ela dizer o quanto precária a vida sem os buracos da cara.
quisera ela.
e bem gostada decidiu no buraco lancinado por o seu.

se mexiam.
por vezes mais,
por vezes menos.

ali naquele buraco da cara.

os anéis do imperador

entre os dedos os anéis do imperador,
passavam pelo castelo como segredos.
ninguém bem sabia onde estavam,
os anéis do imperador,
quando o dia começou a tardar.

a mulher que lavava o chão a panos quentes demorava,
caminhava seus passos sãos e seus embrenhada na escuridão.
o guardador de gansos dormia a sono forte,
embora não sonhasse.
no castelo nada acontecia,
como deveria de não o acontecer com toda história.
na câmera real o imperador tinha os olhos abertos,
fitava os horizontes escondidos nas paredes.
não pensava, pois nada era mais pensável do que se estar ali.
ele tinha as mãos dispostas ao lado do corpo,
nuas.

e nua também sua mulher,
e o encarregado das palhoças.

enquanto a noite eterna tomava o castelo,
passavam anéis no escuro,
os súditos do imperador.

mentira é um troço que inventaram

como você quer seu ovo?
eu adoro ovo mexido, mas não gosto quando fica borrachudo,
e eu amo ovo cozido, só que eu gosto só da clara, eu não gosto da gema do ovo cozido. da gema eu gosto no ovo frito.
pássaro, uma baleia, ou um macaco?
difícil.
pássaro, baleia, macaco.
queria ser um macaco,
que pudesse querer ser pássaro ou baleia.
então era você que você queria ser.
então canta pra mim.
foi uma ordem.
imperativos não concedem interrogações.
eu te amo imperativamente.

tnt

a menina loira estava na cidade,
e a morena do outro lado de tudo.
a outra ligou pra uma e disse,
voz azeda dos fios do telefone,
trovão, manga.
você gosta?
tenho medo e gosto,
quando sem fiapo.
achei tudo muito válido,
válido mesmo.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

aborto

era sábado.
o sétimo, e último dia.
levantando-se assim com pressa, com frio,
com as pernas moídas,
as juntas formigando,
os olhos cansados do sol.

era sábado,
embora fosse domingo e o apartamento cheirasse a mofo,
as coisas espalhadas pela sala,
jogadas no chão.
o sol que caminhava pela sala,
cada vez mais azul o domingo.

chorando dessa forma com as marcas de dedo presas a garganta,
sem forças nem coragem para chorar.
calado assim,
olhando os carros passando sombras pela sala.

era sábado a noite,
talvez fosse,
embora fosse um dia ensolarado.
e ele enrolasse as mãos nos pápeis higiênicos.
quando via o espelho sorria,
quando chegava carta tinha medo.

era sábado,
embora fosse um deserto.
e a sala vazia,
e o sol ausente.
e o seu corpo quase morto.

era tarde.

sem dor

se eu tivesse alguma coisa pra dizer, talvez eu dissese.
simplesmente assim,
como quem espontaneamente abre a boca e dela sai um sapo.

ou talvez eu risse,
porque teria em mim essa parte tão importante de você,
peça de um quebra cabeça maltrapilho,
coisas que nem se pensa.

tem eu.
e tem você.
em ordem nenhuma, eu e você.

te conheceria você?
e tu, o quanto de nós é teu?
pergunto-te sendo tua porque o amor é fácil,
e escorre dos meus lábios.

o amor meu bem,
está chamuscado.
fui abrir a porta e o sol pegou,
tomou pra si,
como um hélio contente.

o amor de carlos,
o amor.
sem lágrimas amargas,
nem beijos fel's.
o beijo minha cara,
chamuscou o amor.

e então você me beijou.