sexta-feira, julho 31, 2009

madruga

tinha uma época em que a hora que eu mais prezava era a madrugada.
a madrugada sozinha em casa.
como uma liberdade de cães dormindo.

nessa hora guarda nenhum me advertiria,
simplesmente me desejaria uma boa noite,
e iria derradeiro depositar suas coxas nas de alguma moça.

os ladrões também estariam dormindo,
e se me vissem seriamos amigos
nessa madrugada antiga.

apenas um ou dois gatos andando na rua,
deixando-me sobras dos seus carinhos
como olhares de relance.

houve uma época em que a madrugada era minha hora preferida.
não é mais,
hoje há algo que não dorme.

claustrofobia

acordo com o corpo moído. não entendo minhas partes, nem meu exterior. estou num quarto de vidro e chão de pedra. a transparência do vidro não revela nada, o que houver do outro lado não me é. no instante em que começo a entender minhas novas cores e formas, meu aquário começa a se encher. nas diferentes fases do preenchimento, tenho novos reflexos no peito.

agora vivo o desespero.

lapso

faz tanto tempo que não saio de casa,
que meus nervos comprimidos nessas paredes não tem desejos.
o pijama me cai muito bem,
minha cara sempre comportada.
meu avô sempre me disse que eu tenho um rosto de credibilidade,
que deveria ser médica.
talvez seja carisma, paixão,
ou esses cachos claros.
algo esconde minha verdadeira índole.
algo atrás desse pijama com uma força ancestral para a destruição.
vontade de sair as ruas e encher os ouvidos de onipotência,
com violência e alcool no sangue maltratar alguns com dor,
outros com carinho.
dormir com gargalhadas desesperadas
e acordar com culpa,
e um pescoço cheio de marcas.

amargor

eu conversava com ela num último impulso sem razão, com a longínqua esperança que as minhas certezas bastariam. mesmo sabendo que para aqueles frios olhos verdes não há nenhuma certeza exceto as que lhe pertencem. eu quis alcançar seu braço como forma de coragem que tenho dentro de mim de bancar achar as coisas que acho, e por isso saber que dói igual enfrentar ou fugir. nesse sentido sabia ser mais fria do que ela, que afastava-se do quente dos seus olhos castanhos fugindo a esses embates semi-abertos. ela disse não se importar mais, e eu não esperava que ela tivesse coragem de mentir pra mim. das coisas que falei e que fiz o seu equívoco, da inabilidade de ver as coisas por outros parâmetros, talvez por medo de machucar sua extrema sensibilidade.
acho que agora encontro por fim as palavras, encontro por fim o carinho, e tento reencontra-la. pois sei da sua frieza a ternura. reconheço do seu olhar imóvel e intransponível o desespero. e estendo meus olhos a sua vista não por um passado, pois não sou uma pessoa de passados. estendo meus ohos pois no momento e no espaço há razões que me secundam. pois tenho veias cheias de sangue, e elas sabem o seu nome.

relação

terá mágoa a flor do ciúme,
e sua memória.
terá matéria a raiva,
daquele que lembra e traduz.

pois dois somam confusão e atrito,
dispersos em lados opostos
criando o laço,
que na ilusão de os unir
os separa.

no entanto é imperativo o presente
para dois calores que se olham,
e o momento e a claridade os faz sorrir.

separa-se então a tensão do laço
e pelo abraço
o amor dissolve o poder.

o processo

não são ondas.
ondas de lugar nenhum para as costas de algum país.
dança do vento, do tempo, da lua.

não.
é um processo.

o processo pode ser uno,
se você abrir os braços e ficar sem ar.
mas se você queimar as etapas,
e fugir pro bar,
pode crer que o processo vai voltar.

quinta-feira, julho 30, 2009

clarice

mais uma vez separadas.
como se uma mão tivesse baixado nos olhos como castigo
e dito:
sem ela para você será impossível,
terá dor e saudades até parar de fazer sentido.

porém, quando tento ve-la há outra voz,
que castiga meu torso e não convém,
que trás doenças, viagens, batidas.

e a única coisa que acalma o desconsolo
é a lembrança do seu rosto
do seu corpo morno
do seu carinho silencioso.

somos um par do silêncio e do estar,
porque a felicidade não precisa de voz.

quarta-feira, julho 22, 2009

sol em gêmeos

passa os dedos pelos cabelos do fogo sem medo de se queimar.
vão descendo as cervejas em fluxo intenso sem medo de se queimar.
chegando no bar se senta com as pernas abertas, e um sorriso seguro.
o que falar não importa e tampouco importará,
seu coração não está ali e nem em lugar nenhum.
as meninas enfileiradas em sonhos nas barcaças dos bares esperam
o seu charme fácil.
pois não tem nada a perder suas palavras são muito interessantes.
apesar do frio da noite e dos seus olhos claros
suas mãos e seus braços ainda são quentes,
e aquecem bem as mulheres.
no entanto quando chega a manhã e seus músculos cansam do espetáculo
ele as devolve ao frio,
muito interessado em conhecer
os hábitos reprodutivos da lagarta asiática.

terça-feira, julho 21, 2009

la jeteé

misiótis na sua varanda. tortas de maça perdendo seu calor no beiral. telhas ruivas com marca do tempo, pássaros cagões. o sol oblíquo. a lua ausente. os parentes apenas nos portas retrato.
nessa tarde uma distante vontade de saber tocar o piano. de ter coragem de entrar nas águas frias e abundantes desse lago.
abrimos os ventos dessa visão com os dedos. os segundos do tempo se emaranham nas nossas mãos. no início estamos ofuscados. aos poucos nos encontramos sorrindo uns pros outros, num velho banco de madeira.
sorrindo de forma ingênua, sem saber que o futuro está sempre a espreita.

escatologia

o primeiro sintoma é a fome que sinto quando,
a fome e o desespero da fome.
a mesa farta da minha mãe aos domingos.
o exagero para uma fome que não chegamos a ver.

breu

um fio de náilon desce pelas vestes quentes de dentro do meu corpo.
faringe, laringe, diriam os médicos. um médico alto, judeu, satisfeito.
descerá por essa umidade morna tantas palavras tantos sons tantas imagens.
atravessará o cansaço mórbido do respiro essas idéias,
as sombras do que só sinto.

óbito

o sal pelo corpo acendendo os poros.
o rosto coça da vontade de abrir-se.
vozes chamam da alcova, do quarto.
um gosto imberbe na boca,
apesar do corpo fraco.

segunda-feira, julho 20, 2009

cantar

os mares que vi entrando no reino silencioso do teu cheiro.
o som das matas a me acompanhar o tejo,
olhar de caça, mão de correnteza.

assim foi o nosso dia perdido no tempo
como enxergar as escuras energias transitando entre nossos corpos,
imagens que se prendem à retina,
e vontades soltas sob a língua.

sem lembranças de passado ou planos de futuro
te olho assim
como o mar me olha
perfeito no seu tempo,
como um momento de grande amor.

sexta-feira, julho 17, 2009

hoy

faz tanto tempo que eu deixei de a amar.
tanto tempo que eu abri mão desse estado e passei a olhar para os cantos em busca de algum sossego. Porque seu coração sempre foi desassossegado, seus olhos sempre foram densos de brutalidade, e seus lapsos.
a tudo eu também suportava, apenas por amor. suas palavras difíceis e seus sorrisos fáceis, o seu cheiro forte, sua abstinência. Então o mundo transformado em outro pelas minhas palavras a esconde em outros lugares de difícil procura. ela some em dias de cego, em danças e enleios. ela se esconde embora eu a encontre sempre. e é por encontrar que dentro de mim peso. ela se dirige a mim violentamente, penso que talvez mereço, ela não me diz nada, ela diz que não dirá. ela se cala. e quando o meu peito bem leve se contrái, eu volto a pensar que faz tanto tempo que eu deixei de a amar.

cordão

cai uma gota densa no espelho desse novo dia.
cai já se infiltrando ócio no ódio que não quer calar.
lágrima clara emoção escura com a água lava.
desse dentro úmido e fundo em que eu deixei cair o meu cordão.

quarta-feira, julho 15, 2009

clarice

No começo eu não me importava muito. A vida fácil sem aquelas emoções de rasgar o peito, naquele dia eu era alguém que de bar em bar não criava vínculos, mas olhava fundo nos olhos pois na verdade cheia de desespero. Num dia de lua brava e muita cerveja, ouvia os cantos da minha voz limpidamente amplificada pelas atenções de quem queria escutar. Escondida atrás do violão eu me projetava, cravando os olhos viris, embora frios, no seu rosto que nunca ousei imaginar.
Naquele dia nada entrou em mim, embora no ar um elo tenha sido feito.
Um mês depois a vida sem alegria você voltava. Um pouco pela tristeza nos meus olhos, um pouco pela temperatura da sua pele, o flerte parecia uma boa armadilha para se cair numa noite de verão. Assim nos deixamos levar pelo rio caudaloso e sem medo de tanta bebida. Caímos nas nossas próprias desculpas, e eu lembro de sem direção abrir os olhos e sorrir da alegria mais pura, ainda sem entender o porque.
Você dormiu semi nua e sem os meus braços, a noite passou em outras aventuras, e eu amanheci sentindo pela primeira vez saudades. Como quando meu peito ainda não tinha sido talhado pelo amadurecimento e pelas desilusões, o dia seguinte de sobriedade travou uma disputa entre o corpo debilitado da ressaca e as imagens contínuas de uma bonita noite em que o seu corpo e a nossa luta tinham marcado minha retina.
Os compromissos sem razão feitos em dia de paz prevaleceram no meu interior. Por tempos idos de paixão o seu nome eu não deveria chamar, embora ele não saisse da minha língua. O mundo do lado de cá caia sob meus ombros, sem saber não gostar de quem eu pensava em casar. Havia uma espécie de paz nos meus dentes, paz de amor adquirido, pois eu sabia que aquela noite não morreria sozinha. Passaram meses, um ou dois, nos contatamos em discursos amigáveis e até mesmo sinceros, uma ou duas vezes insistimos no tejo, você se segurando eu me perdendo. Eu tinha o compromisso com quem amara, você tinha um moreno pra se perder em sexo e ternura, nós tínhamos os amigos, e a facilidade da amargura.
Então inventamos um de repente (embora não fosse de repente que ambas as nossas relações estivessem se deteriorando). Uma noite ingênua e sem futuro, como o são todas as noites da semana, uma cerveja ingênua e sem futuro, uma rua perigosa, uma rua próxima. Sinceramente bem intencionadas fomos até minha casa, te emprestei uma camiseta larga, escovamos os dentes, e nos preparamos para dormir. A luz se apagou, e o nosso elo deixado de lado por meses, fermentando na escuridão da censura, se acendeu. Duas horas de receios e calor, para mim aquele dia o nosso elo sangrou, tornando impossível, assim como ainda o é, a vida longe do seu corpo e dos seus olhos morenos. De repente adquirimos uma familiaridade antiga, tornamo-nos em um instante sangrado um par, mais forte que as amizades e que o outro amor poderia suportar. O que ainda acabou por nos aproximar.
Os outros dias não sei mais diferenciar, vem pra mim como um tufão, como um somar ventanoso e crescente do seu cheiro. Sei que aos poucos fui perdendo vergonhas, adquirindo carinhos, vendo nascer manias e jeitos, tateando suavemente e com respeito um amor que vi nascer da espontaneidade.

obsessão

aos poucos se tornou uma obsessão.
No início parecia simplesmente uma boa idéia, parecia condizer com aqueles momentos ríspidos pelos quais passava, com o simbolismo liquído e moroso de sua emoções. No início era apenas a fluidez da água que a encantava, o resguardo da civilização moderna pelo fluxo da vida e da água. Para tanto ela enchia sua imaginação com canos de pvc, com tintas escuras, caminhos intermináveis de lã e fibra ótica. A imaginação cobrindo os quilometros inúteis dos muros das cidades.

Tornou-se uma obsessão quando ela deixou de compreender que a água é fluxo, e portanto puro movimento. Com seus signos mutáveis esqueceu a lembrança de que tudo é mudança, e que isso quem faz é o tempo.

Hoje as tintas escuras dos seus canos evaporaram, transformadas pelo tempo e pela água em uma estranha formação escura e densa, chamada Nuvem Negra.

mandinga

duas jabuticabas a guardar os segredos da minha pele no fundo do seu rosto.
ao invés de dormir ela me tocava
reacendendo todos os cheiros que trocamos de vez
procurando uma espécie outra de alguma paz.

eu me movia silenciosamente por aqueles lugares que comecia a conhecer,
pretendia ser luz, embora um desejo escuro estivesse fundamente infiltrado nessas intenções.
ela intermediava o vento de sua índole com a escuridão de seus mistérios.

nos amamos sem subterfúgios nem iluminação,
na sala uma vela branca queimava por nós.

segunda-feira, julho 13, 2009

sol

o homem de gravata parecia me conhecer, ou simplesmente saber não conhecer ninguém, pois abriu o portão sem sinal visível de questionamento, embora eu não morasse em nenhuma daquelas casas amplas, deitadas sob o sol. o carro passou pela rua sem muitos objetivos, estendeu-se embaixo de uma janela a trinco, e desprezando toda a amizade recém feita com o porteiro pos se a buzinar sons do dessasossego.
o corpo negro e cinza em uma superfície lânguida e lisa nem sequer se mexia. estáticos os cabelos a sonhar. o ar parado de um quarto em que o sono não tem tempo de respirar.
no sol o carro movia-se em desespero. a menina ou o homem que dentro dele existiam puseram a tocar a campainha.
no cinza o corpo dormia,
resistindo aos apelos do sol.

quarta-feira, julho 08, 2009

tristeza

em algum lugar dentro de mim eu atravesso ruas sujas, escuras, úmidas.
vozes me chamam de dentro de quartos escusos, com lamparinas chinesas e pernas de fora. um gato, ou dois, cruzam meu caminho
- sei que são como eu, e que essas ruas para eles também são invisíveis. por vezes ouço rabichos de música que gostaria de continuar ouvindo, mas vejo astros na noite que me guiam.
por vezes me esqueço e entro num quarto branco. uma mão me anoitece os olhos e deito nua. sinto umas cócegas largas, mornas, no ventre. são minhas irmãs que me trazem notícias da ática, ninando um sono que não virá.
nesses dias lembro às vezes do teu rosto. a sua pele é delicada e me faz chorar. quando te lembro tenho uma vontade imensa de receber cartas.
mas sei que nessas ruas que ando não há endereço,
solidão e tristeza como casas sem número,
textos sem direção.

domingo, julho 05, 2009

conversa de aves

pálpebras fechadas, o sono acordado.
os sonhos não estavam dentro do corpo,
estavam no ar, rapidamente percorrendo milhas.
o mesmo barulho do mar a lembrar e esquecer,
pois ainda o era, embora consola-se.

sexta-feira, julho 03, 2009

solidão

as luzes dessa cidade escura me enchem os olhos.
passam os feixes vermelhos por trás da retina,
entorpecendo sensores cansados.
o sono talvez surja como alternativa a fome seca,
ou talvez o susto de olhar-se e não estar nua.

o mar é o único que me consola,
lambendo-me os pés infame,
mostrando-me os seus delicados músculos.

A noite durmo mal e pouco,
tateando os sonhos no escuro,
respirando o ar que você me deixou como lembrança.

acordo com as mil atmosferas a me absorver e levar embora
o sol dissolve tais emoções
e mais um dia passa assim
marcado a lápis
numa parede que não me pertence.

quinta-feira, julho 02, 2009

saudades

A cidade de areia contruída aos meus pés cheia de uma espécie de vida constante da água e da fome. Isso visto assim nas coxas morenas passando nas ruas, bicicletas magrinhas, restaurantes e comentários. Visto inclusive na lua que a tudo olha e julga muda.
A cidade com o moroso movimentar das coisas vivas e antigas, e você em outras pairagens. Pensei assim de repente em quanta cidade-todas sem você, todas vivas, a se movimentar.
E o movimento me pareceu vão.
E lembrei de qualquer cidade.

Assim senti uma mão cheia de gentiliza a tocar esse velho peito.
Me disse umas coisas mansas.
Me disse umas coisas boas.
Era você que vinha de outros tempos enquanto eu balbuciava uma língua nunca antes falada.
(Era o seu nome, cheio de vírgulas, que assim ousava pronunciar).

O dia então veio e me trouxe inteira.
Na mão e no olhar.
Eu ainda não te encontrando perdia-me nesse peito doido,
mas não importava.

O tempo
há de passar.