segunda-feira, março 29, 2010

vez

as palavras são
como sempre saem,
traiçoeiras
vulgares,
a procura de algo
que eu não sei dizer.

das suas palavras
prefiro escutar,
não as cores
dessa cidade,
mas o barulho discreto
e insistente do mar.

das coisas que digo,
a maioria você ouve,
e responde,
sem erro e embaraço.

mas nessas noites,
possivelmente banais,
eu prefiro
quando você não consegue escutar,
e eu olhando nos seus olhos,
entendo com o brilho mudo
do espanto.
que talvez seja por cor,
que o olhar escolha
o que do mar em ti há.

quinta-feira, março 25, 2010

inha

Eu sinto ainda as vozes na minha nuca.
E no canto dos olhos vejo a luz barata,
levemente amarela,
refletida no tampo das mesas de plástico.

Não escuto o que elas falam.
Algo que não compreendo,
outras línguas,
outros tempos.
Algo que não me diz respeito.

Com as tintas da ebriedade
desenho um sorriso na minha própria boca.
As pessoas riem pra mim,
talvez achem graça do rosto sem forças,
e da tinta sem malícia.
Talvez acreditem.
(Ou talvez também tenham se desenhado alegrias).

Alguém na mesa me conhece.
Eu sei.
Mas ela está em outras paisagens.
O olhar, mesmo que tente se encontrar,
encontra quinas, miragens, curvas.
Nunca passagens.

No olhar de outra pressinto a doçura inevitável do mar.
Isso eu também sei.
Mas ela cita nomes, e músicas, e gostos,
e o mar se atrofia no seu rosto.

Há ainda mais uma.
Intermitente nos dias.
Energia que confunde,
protege.
Expande e introverte.
Ela tem olhos que fogem,
olhos de tristeza.

Por meio da palavra,
mistério do significado,
lançamos uma corda.
O seu olhar triste puxou por um lado,
por outro o meu.

Nos olhamos denso enfim,
na noite díficil da dança das máscaras,
nos comunicamos em sílaba e gesto.
E eu pude sorrir sem tinta.

terça-feira, março 23, 2010

palavras duras

o dia passa sutilmente,
como todos os dias.
manhãs de tempo ameno,
palavras uniformizadas em assentos,
um ou outro corpo, carro, voz,
penetrando na iluminada escuridão do pensamento corriqueiro.

chega com gosto acre,
e um amarelo de espanto,
a lembrança de um passado.

prevejo em sonho vivo
um riso dado,
um olhar compreendido em rima,
um entender difícil e denso do corpo que se aninha.

quando lembro da doçura
parece que tem algo dentro de mim que cai de alturas
inimagináveis.
isso porque das suas palavras as que tenho,
quase todas são só duras.

e se vejo que te perdi olhando para os braços nus,
pouco me importa.
é pior ver o efeito da rudeza,
no que de você sobra,
ou sobrava,
no dentro de mim, única casa.

segunda-feira, março 22, 2010

ímpar

a linha tênue entre dois pares.
o tempo dançou com o vento,
deram-se as mãos,
os segredos e desejos.

o espanto tatuou os nossos rostos,
o difícil da vida
- inesperado.


com dor e dificuldade as mãos se romperam,
deixaram o corpo ir,
flutuando leve com o ar.

os equilibristas dessa dança
todos trocaram de lugar,
agora levanto os olhos
e um outro olhar encontro.
é assim que começo a gostar do desprendimento
da linha e do vento.

domingo, março 21, 2010

familia

Estamos separados.
O tempo,
o hábito que nos constrói,
é que nos separa.
Lembramo-nos por poucas vezes,
uma palavra ou outra em casa,
algo doce
facilmente engolido pelo corriqueiro.

Entretanto,
tão logo nos reunimos,
reconhemos imediatamente
em todas as faces,
o sorriso escancarado do encontro.

O habitar que nos separa,
é logo desprezado,
porque a casa dessa familia que sempre aguarda,
é dentro,
e não fora.

terça-feira, março 16, 2010

nada

saio da mulher
e chego a pessoa.

viagem de vales indecisos.
neve, sol
e pouca precisão.

o vento escurdece.
a música
que ninguém sabe da onde veio.

olho seus olhos
tristes.
se distanciam da estrada.

as mãos cobrem alturas,
ináptas.
conduzem-me numa dança
comoque mímica.

segunda-feira, março 15, 2010

logo agora

alegria é só uma chance pra tristeza.

domingo, março 14, 2010

h

inspira
expira
o grito antecede o diafragma
convulsa
tenta as paredes.
respira.

sexta-feira, março 12, 2010

amoras mofadas

algumas coisas são tristes.
como procurar numa gaveta por uma lembrança
e encontrar tudo mofado.

quarta-feira, março 10, 2010

parabem

A imagem persiste:
nadar contra a corrente.

O corpo presente clama mãos na borda,
a violência do rio,
a violência maior do leito do rio.

Nem o sol persiste,
chamo nomes do passado,
mãos, entre véus e incensos.

Ouço,
é o som do afastar,
é o grito,
é a ofensa.

Em casa o tempo passa de outra forma,
longe desse ou daquele pensamento.
No rosto um riso sincero,
porém de desespero.
É o mal que vem para bem.


restos

Últimas semanas intensas,
de nado contra corrente.
Agora o corpo que acorda se extingue,
a garganta dói com secura e tristeza.
Os olhos olhados pelo espelho,
restos negros de sonhos interrompidos.
Os esforços são vãos.
Ninguém olha esse corpo eco que perambula pela cidade 
como força contra-gravidade.
Os óculos escuros deixam seguir,
tapando as lágrimas que soam como ofensas.

Nadar contra a corrente deve dar fome, dor e cansaço.
Agora desses
só sinto a morte.
Cansaço inverosímil 
de vidas mal dormidas.

terça-feira, março 09, 2010

olhar

A beleza dos olhos,
raízes,
matas inteiras.
Poços escuros,
almas insones.

Os olhos que veem.
Cria uma linha obscura entre o sujeito e o verbo,
o movimento ruidoso do mundo,
e o anteparo.

Olhos mudos, surdos,
talvez burros.
Tímidos olhos,
que fitam a paisagem e pouco dizem,
mesmo que às vezes chorem.

Olho obrigado,
nascido e feito para ver,
o tempo todo
e o que tiver.
Olhos que nos sonhos viram para dentro,
fitando os filmes da memória.
Olhos que só descansam quando morrem.

Olho mudamente obrigado a ser,
fita o mundo que fala,
e não se cala.

domingo, março 07, 2010

meu deus

O som da sala diminui,
o menino-homem que joga serpentinas
anulado pela música triste que leva todas as coisas pro mesmo lugar.
Meus cabelos prendem os pedaços,
minha tristeza adormecida...
Ela longe e meu pensamento que sonha distâncias,
o tempo que passando não se aproxima de mim.
O sono como chave pra todas as portas.

sexta-feira, março 05, 2010

clá

O barulho do silêncio tem sido insuportável.
E as cores
densas escuras.
E o peso.
E a dor.
Trocamos mensagens de silêncio,
mas eu lembro da sensação da primeira mensagem que te mandei.
Meu peito ficou desatento pro resto das coisas do mundo.
E depois de um tempo cantou baixinho.
Eu lembro de querer te ver e procurar.
E de ser um monstro.
e de ser incorreta com quem eu amava
(inclusive comigo mesma).

Eu lembro das coisas boas,
da sensação de liberdade de quando a gente começou,
das festas malucas e das pessoas legais,
lembro de não sentir cíumes.

Lembro também do abandono dos nossos amigos
e da tristeza.
Lembro de estar do seu lado no sofá,
duas agonias ainda pouco íntimas.

Lembro das descobertas dos nossos corpos,
a comunicação mais densa,
energia e telepatia,
o mar e a cor roxa.

Eu lembro menos de quando você não sentia mais nada me beijando,
ou quando ficavamos entediadas cada uma fazendo uma coisa.
Eu lembro mais de fazer qualquer coisa e não importar,
de passar um ano inteiro todos os dias do seu lado,
e pensar que você era a melhor companhia sempre.

Eu lembro de quando você ria e das bobagens que eu falava,
eu lembro de você bêbada,
eu lembro de você brava.

Eu lembro que pouco importava tudo porque a gente era junto.
Eu lembro de sentir o agora,
essa cor,
branca, leitosa,
que invadiu todos os poros da minha cabeça.
A existência solitária,
e um rufar intranquilo do peito que ainda bate,
o gosto estranho,
antigo e novo,
da palavra solidão.

quarta-feira, março 03, 2010

lembrar

eu sabia de cor a sua beleza.
a beleza das outras coisas é que agora ousava aprender,
uma outra forma de leveza,
na qual tudo que era belo nela ainda era,
embora envelhecido e encantado pelo olho sem matéria da memória.

sépia

Tudo entre nós é grande silêncio,
não como o mar que respira,
como dois olhares em direções opostas.

Nenhuma matéria entre nós,
apenas a carne difícil da distância.
A tensa calma entre duas polaridades.

debar

a matéria do tempo
não é o ar.
é o vento.

terça-feira, março 02, 2010

pavor

quando ela me chamou eu acordei assustada e olhei pelo quarto.
quando ela me chamou eu sai do quarto procurando o seu nome nas paredes.
quando ela me chamou eu cheguei na cozinha e comi algo para aguentar o dia.
quando ela me chamou eu atravessei a cidade fazendo desenhos.
quando ela me chamou eu ouvi música e sorri com os olhos mudos.
quando eu percebi ela não tinha me chamado.
quando eu percebi eu continuei acordando,
e eu ouvi música e até sorri,
e comi e fiz desenhos.
quando no meio da noite eu acordei com você me chamando
era um sonho.
eu acordei suada e chorei de pavor,
por ainda ter o nome que você não mais chamou.