sexta-feira, outubro 29, 2010

caverna boca úmida

era ali, na boca da boca
que havia de se sentir tudo.
não era ponta,
porque profunda.
um vazio escuro
de ar e temperatura.
ali a língua descansava
como na gruta entra um braço d'água.
úmida saliva e escuridão,
mansidão do ar entrando e saindo.
ali onde os passos se dispersavam
e se reuniam:
em doce, azedo, amargo e salgado.
perdi o medo de sentir
ali,
entre as obviedades do sabor.

terça-feira, outubro 26, 2010

músculo

é estranho ter medo e de repente se encontrar nesse corpo forte.
continuação de um mundo ordenado de cimento armado,
asfalto e mangue.
mentira,
meu corpo não cede a malícia da cidade,
seus músculos mesmo exaustos cedem a uma força anterior,
interior.
brutal nudez.
meu corpo é forte como aquilo que não se inventa do nada.

segunda-feira, outubro 25, 2010

noite

a noite, esse bicho imenso e preguiçoso.
bicho negro,
do ventre de carnudos anéis acinzentados
que se arrasta lento.
sempre deixando rastro, elástico líquido, com cheiro de sexo usado.
a noite engole os homens com seus dentes verdes.
ninguém é jonas, mas ainda é um pacto.
verossímil,
inato.
entre o permitido
e o necessário.

vestido

mulher, o sol desponta sobre sua cabeça, são os deuses acordados pela falta de algo. o gosto das frutas vermelhas não é vermelho, nem salgado. existe algo que preenche a polpa, das palavras e das coisas. talvez eu pense em deus, no universo, nesse equilíbrio denso e muito maior. embora isso tudo pareça só uma desculpa para eu poder te olhar dançar com os olhos cheios de frutas, a boca cheia de flora, a mente cheia de peixes.

poucomuito

aonde a água encontra tudo que é seco,
ou quase.
reconhecer em silêncio
o gosto da palavra mar
não é oco.
como um instrumento vibrando o ar,
ou dançar
e ser-saber-se o mundo.

terça-feira, outubro 19, 2010

olhos

martela as teclas de madeira antiga. embora a luz amena, nada na sala te acalma. cada nota gritada, a falta de ritmo escandaliza
os vizinhos ausentes.
eleva
embora os pés tijolos no chão.
não há nada que se beba antes do fim.
o concerto se baseia em vapores mais sutis,
os olhos
mais claros pela mentira contada
coragem da verdade daquele momento.
enquadrada pela janela, a outra
vida.
fora
todo calor se dissipa.
o ódio tornando quase harmônico pelo esmurrar do piano,
crê em um deus da ira.
o fora lá é ensolarado,
a menina passa olhando para dentro e nada vê.
é como conversamos e você se detém nos meus olhos,
minhas janelas estão embaçadas.

domingo, outubro 17, 2010

agora

sua nudez perpetua
as marcas de sol
feitas ontem.
cicatrizes revelam
a marca salgada do sangue.
seu olhar para o céu é sincero
nele nada alcanço,
libra, ursa, escorpião,
os anos luz são só seus.

sábado, outubro 16, 2010

En

hoje fomos espinho.
gosto áspero na palma
das sobras descuidadas da doçura.

olhando você passar
meus bolsos se encheram de coisas
- moedas palavras pedras.
juntei todas elas na mão com calo e sangue
e quis te dar.

poderia escorrer seiva
entre um nós forte
(pele de árvore),
ou fruto ruivo selvagem.

era melhor que você se fosse.
e eu me calasse.

ainda destilo nas mãos
o silêncio denso do cheiro das flores.

quarta-feira, outubro 13, 2010

tempo e espaço, corpo

dentro do meu corpo percebo
o ritmo contínuo é tempo
repetido rito,
dia e noite percussão da vida.

dentro do meu corpo é praia,
maré tocando sino,
meu corpo é o espaço pro tempo passar.

domingo, outubro 10, 2010

to

os caminhos não tomados
tornados em pó
dos passos não dados.