segunda-feira, abril 30, 2012

A

a mão estica os músculos sutis alcançando
o que o estômago não pode mais suportar.
a mão contínua em cima da toalha cor de ocre.
o vinho se move abrupto dentro da taça
e os olhos riem em uma órbita impassível.

os olhos sabem da mentira,
e principalmente do desespero,
da mão
que não consegue ficar no lugar.

ao primeiro gole
a garganta desagradece
e o estômago recorda antigas mágoas.

as mãos se movem
deslimitadas
tingindo os dentes de púrpura
e a barriga de fome e sica.

os olhos já nem ligam
riem
riem envaidecidos
e ministram infinitas promessas.

trêmula,
a mão alcança o colo,
tenta o descanso,
descaso.

os olhos temem a fraude.
tentam te examinar
enquanto você também me olha.

os olhos
tentam substituir com brilho,
com o movimentar incessante das mãos
e das palavras,
a ausência sólida e abrupta
do olho,
e de outras taças.

sábado, abril 28, 2012

casa 12

a água me cobre os fios. nada me afoga, 
no território do dodecaedro eu sou peixe. respiro vacilantemente bem, esperando que os seres de outras naturezas possam me acompanhar. esse vidro riscado do lado de dentro da sombra brilha as luzes das frestas por onde podem sair para os olhos, onde digo coisas que aparentemente fazem sentido. 
carrego sem mantos um mar no peito, um ar na língua. 
sou, sem espanto, essa cachaça aguada, 
aprendendo a línguagem desses bichos estranhos e homens.

quarta-feira, abril 25, 2012

terra

a poesia lança a palavra
em potência tão extrema,
que quase podemos ouvir o seu silêncio.

domingo, abril 22, 2012

bobagem


e eu querendo rir,
rir imenso.

abrir um vinho que há de restar
na boa vontade
de fazer coisas outras.

vento

Eu lembro quando você olhava para mim com olhos famintos.
Sempre assim. Eu fingia que era essa outra pessoa que na verdade sou. Andava olhando fundo nos seus olhos, e mudava repentinamente de direção. Você era uma menina. Ou era assim que eu te imaginava. Para conseguir ser a mulher, ou o homem, que tudo entenderia. Você era pequena, e talvez achasse cachaça da minha loucura. Eu nunca realmente achei que era louca, embora, depois, quando você se tornou uma mulher,  tenha me dito tantas vezes, insistentemente.
Talvez você tenha achado isso por ser a menina que eu sempre suspeitei em você.
Ou Talvez eu seja a louca que você sempre imaginou de mim.

De longe bate o vento, te vejo entre dedos, longe longe,
tudo mudou,
eu a menina, você a louca.

terça-feira, abril 17, 2012

netuno

Volto às palavras um pouco,
para esse universo úmido e quente.
Volto como quem pede desculpas,
com as mãos embotadas de imagens,
de temperos e suores.
Volto como quem diz que daqui nunca saiu,
nunca deixou esse quarto escuro e acolhedor
uma certa melancolia.
Volto como quem vive
olhando o mundo da janela,
fotografias em movimento.
Volto para a água
como quem da água veio.
Submergindo no mar de netuno
como quem não tem medo,
como quem já não é homem ou mulher,
como já não ter mais desejo
só vontade.

noite

janela aberta
deixa o ar entrar
deixa a noite entrar
ronronando negra negra deitada no meu colo,
dengosa, porém indócil.


segunda-feira, abril 16, 2012

'

amor,
a mando,
mando,
uma resposta,
uma pergunta,
uma viagem,
de raspão.
no chão,
que arde e coça,
não pergunte,
só me ame,
amor,
não reclame,
deixa eu deixo,
passar a mão.

sábado, abril 14, 2012

K

as luzes fracas
ninguém suspeita
produzem mais calor.

maça

o que se encanta
é a possibilidade de ser ingênua.

Pura bem pura.
Como no começo ou da vida
ou no fim.

num beijo alcançar esse extremo
sem preconceito
como as crianças,
com imensidão,
como os velhinhos.

cachoeira

é estranho sentir o meu pé flutuando entre
a estranha água que agora invade
todo meu corpo e aguarda
a hora do movimento.

antes, na terra e no vento.
eu sentia cada vértebra entregue
a calma sabedoria de estar em pé.

tenho medo de cair
e temo esse contato.

mas em verdade flutuo,
como quem cansa de pensar
olhando tudo de uma certa distância.

há de ter mergulho
profundo
sem medo de respirar.


sexta-feira, abril 13, 2012

pintassilgo

Se eu fosse escolher qualquer coisa eu escolheria a cor azul.
Pra Essa falésia, esse luxo, esse abismo.

desejo mais sincero
chegar ao coração das coisas.
e não mentir.

eu quero sentir,
deitada deliciosamente sobre todos os momentos.
sentir a dor na hora da dor
e o prazer na hora do prazer.

eu quero sentir saudades menos na hora de ir embora
e mais
olhando os passarinhos comendo laranja.

lembrando da sua cara de passarinho.

eu quero o mais denso da fenomenologia.
o silêncio por tras das palavras.
a escuridão atras da retina.
a alma escondida nos seus dedos compridos.

sexta-feira, abril 06, 2012

estação consolação

e quando você não quer admitir que tem saudades,
saudades já,
logo depois que a pessoa deixou o vagão de metro
e te deixou lá, quase nua, boba, vagando sozinha rumo a estação vila madalena.
e tem algo que grita, talvez o braço, talvez o pelo,
que o mundo inteiro tá indo na direção errada.


é difícil admitir sentir.
sair dessa cara de fácil segurança,
e partir pros canyons partidos em parte por você mesma.

difícil as vezes mesmo sorrir,
sorrir bonito,
sorrir só dentes,
sorrir te convencer que se a vida é bonita
pode ser que seja ainda mais
aqui dentro.

acho que o difícil de sorrir não é te convencer não.
acho que é por isso que te acho tão bonita.
é que você se convence
facilmente
nem precisa sorrir.

é difícil sorrir por que vai ver que eu acredito.