sexta-feira, fevereiro 12, 2016

12 de fevereiro

E de repente com o milton nascimento no meu colo,
eu me senti em casa em Pamplona.


Vai entender.

terça-feira, fevereiro 09, 2016

sobre touros e outras moléstias

Levei as tesouras da cozinha, sujas, mas afiadas, para a habitação.
A falta de janela mirava com seriedade a minha tentativa patética de criar uma vida.
Todos os dias, a cama, desarrumava e depois eu arrumava.
Por que todos os dias voltar a fazer a ação que pedirá a ação contrária e assim por diante numa cadeia sem sentido?
No mínimo faço 3 refeições por dia. E durmo 8 horas, 10 se possível. Em alguns lugares meu apelido é marmota. Gasto um terço do meu dia nesse exercício exagerado, e muitas vezes, quando desperto, não chego a entender o que de mais importante teria a fazer.
Uma mistura de depressão, estupidez e normalidade, acho.

9 de febrero, mais um dia comum. Tirando o fato de que estou em Pamplona, onde parece que houve ou há alguma paixão em machucar animais, e eles falam uma lingua que não parece em nada com nenhuma outra. Tirando o fato de que não nos falamos. A partir disso surge uma espiral de imagens sem nenhum outro nexo que um certo aperto.

Trouxe as tesouras para o quarto. Ela é uma perfeita metonímia dessa casa de homens. Funciona, mas está sempre suja.  Fica ali do lado do secador de louça, numa área que parece feita de sobreposições de poeira arqueologica. Desde o século XIX. Trouxe as tesouras para o quarto, não sei se com coragem ou pura e dura burrice. Ali eu preparo a bolsa com os pequenos presentinhos para te mandar. Cartas de muitas datas, carinhos insignificantes em forma de chocolate, alcool e papel. Recordações já meio nebulosas de ingressos de cinema usados. Tudo feito com cuidado, como se o amor se transportasse não no significado de cada coisa, mas numa qualidade invisível, porém palpável, criada nesse ritual de preparação. Eu trouxe as tesouras. Quando você estava aqui tiramos uma foto juntas naquelas máquinas cafonas. Os flashs começaram a bater, e não sabiamos muito bem o que acontecia. Ao final nos beijamos, algo entre performance e documentário. Com as tesouras eu separei o nosso nós despistado, do nosso nós nos beijando. Coloquei a foto em que estavamos com cara de perdidas na sua bolsa. Você preferia essa, mas mesmo assim, me senti sugerindo algum tipo de coisa, que agora, 15 dias depois, sinto receber a fatura.
Ontem você recebeu meu pacote. Eu pedi para o meu pai, sem dizer palavra, que ele demorasse mais. Queria esperar um tempo em que você pudesse aproveitar o amor que tenho por você, com amor de você para mim. Ele não me ouviu, talvez por imaginar que na verdade eu tinha uma pressa que não estava ali.
Você me mandou algumas mensagens. Alguns emoticons. Emoticons são as sementes transgênicas dos amores modernos. Frases também. Não senti nenhuma pulsação em nada. Claro que te deixava feliz. Quem não ficaria feliz com um pacote desses recebido numa manhã de ressaca? Mas não foi uma alegria o suficiente forte para te mobilizar a me ligar, a demonstrar qualquer outra coisa, a transponer a linha opaca do bom senso. Eu aqui esperei. Esperei o inverno surpreender uma primavera, e me frustrei, contida, com o frio que continuava ali.
Não sei o que você achou das fotos. Não chegou a me dizer. Próxima coisa foi para um bloco de carnaval se perder, e depois numa viagem sem sinal, sem sinal. Fade out estupido de um amor que teria mais para dar.

Em pamplona não há carnaval. Aqui as coisas abrem do meio dia as duas. Depois das 7 as 9. E nos outros horários todos dormem. Cidade fantasma cheia de chuva, frio. De praças abertas onde o vento aproveita a corrida. Pintxos e corridas de touros. Hoje vi cinco filmes, li, editei videos, escrevi como há muito tempo. Talvez tenha sido um dia bom. Chorei escondida no escuro do festival de documentarios. Como um trabalho, de limpar o dentro da suciedade da tristeza. Os filmes acabam. Recomeçam. São como estrelinhas também, confundidas e fudidas nessa galaxia sem sentido que participamos. As vezes te busco em alguma alegria. Busco nas nossas mensagens algum amor. Não encontro nada no último mês, frases como "encarar o desejo por outras pessoas de frente" terminam de fustigar. Saio do cinema começa a chuviscar.
As vezes olho o celular. Antigamente ele não existia, e isso me acalma. Você nada diz todo o dia, e mesmo que eu saiba, teimo em olhar.

Eu tampoco digo nada, e a suspeita de que talvez pela primeira vez o amor tenha diminuido e não seja mais o hércules insensato que segura o meu despreparo e o seu egoismo, faz com que saltem gotas em todo meu rosto. Agora já não há escuridão, a coragem necessária do dia claro dá medo e coragem.