sábado, agosto 29, 2009

o sonho do sonho

se sono me espalho,
não há corpo que me seja
não há pele
não há rosto.

quando acordo apenas banho
que me organiza se há sol.
toco-me os poros,
chamo-me gente com algum nome que encontrar,
sinto-me e sei.
passo a conhecer o limite da pele
que é onde o mundo acaba.

a rotina secunda o mesmo,
os horários coincididos nos relógios das gentes,
linhas de ônibus coincididas nos mesmos espaços.

a noite tudo dorme se espalhando,
esquece o nome,
e perde a hora.

a noite tudo é sonho,
rua é sonho, cão é sonho.
tudo a mesma massa porosa.

de manhã por acidente,
tudo volta exato ao seu lugar de ontem,
sem suspeitar e sem sono.

sexta-feira, agosto 28, 2009

um dia

não era um dia frio,
não era um dia quente.
digo isso pois assim me situo,
como se relembrando as nuances de temperatura na pele
pudesse me sentir um pouco mais una,
como se não me espalhasse pelos tempos e espaços.

a princípio era um dia,
relevante que vinha logo depois de uma noite,
de bocas suadas de álcool e insônias mal situadas.

nesse dia que te falo ela chegou linda,
vinha com os lábios bem vermelhos da dor da tristeza do salgado da lágrima.
os cabelos molhados como se esbanjasse uma limpeza
que na verdade,
depois daquela noite,
não possuia.

não olhou para mim,
olhou para os cantos,
mentindo verdades,
como se não quisesse estar ali.

eu era um cadáver vivo,
fui depois saber.
tocando uma melodia crua no violão,
as olheiras fundas
como se dali nunca mais ousassem sair.
e a pele pálida.
de susto talvez,
por a ver e a gostar e ter medo.

algo nos rondava,
como um vaticínio -
sombra de rompimento.

eu mostrei meu poema
que ela modificou um pouco com sua própria poesia,
manchando as palavras dispostas logo abaixo do seu rosto.
eu tinha dor e a amparei.
ela tinha dor e se deixou levar.

os outros mais uma vez haviam doído em nós,
marcando o nosso céu com sua inveja e sua irresponsabilidade.

eu não precisava de muito para deixar esse momento passar,
a dor, a angústia, a insegurança, a vingança.
isso tudo havia de passar,
eu a amava,
e basta.

quarta-feira, agosto 26, 2009

produção

a improdutibilidade como fantasma,
fazendo me como que persiga tais sombras.
reconhece mistérios no coração da cidade,
em meio a lama urbana,
ônibus, e saturação.

listas numa folha real
o presente sendo o antes e o depois do já,
olho-me as rugas no espelho.
as rugas dela
as rugas dele.
em tais labirintos do espelho é que me perco.

o melhor de mim é o que dorme,
pois tem sono que é vida
e sonho
criação.

sexta-feira, agosto 21, 2009

quarta-feira, agosto 19, 2009

na saúde e na tristeza

hoje eu via ela por vezes
mas via porém como se não visse.
tocando como se não tocasse
como num sonho num passado,
sem estofo.
pra ela eu acolchoei todo o meu dentro,
pus uma luz bem boa e fraca de prazer
cores bonitas e uma alegria de simplicidade.
pra ela nesse dentro eu construí uma cidade,
ela vinha se acolchoava e ria das minhas caretas.
eu ria pra ela, o dia passava.
sentia sono e dor de tristeza no teto daquele lar.
as músicas da luz da lua incisiva no zinco,
pra nós não.
pra nós era só tristeza.
mas tristeza sorrindo.

espaço

se sinto faz que tem que pensar
se penso sinto só e pouco
se vou parte fica
se não na boca o que sobra é gosto ruim.
é mofo
é praga
coisa de coisa errada
de cidade maior do que o coração.

vai dia

carece de ter sorriso nesse dia mudo.
faltando dessa alegria barata do músculo num relaxo só.
tem dor nas vértebras e sombra no olho,
sem brilho esse,
só reflexo do dia que sobrou em escracho.
passa dia menos dia e só de ver
é o velho progresso,
coisa de positivista,
pra mim não há de servir.

carece dessa alegria barata.

segunda-feira, agosto 10, 2009

davião

visto das nuvens distantes o tempo se extingue e compreendo o mar não mais como pulso.
contemplo seu movimento estático e suas formulações físicas,
forma criada pela constância de seus atos.
as pedras então tornadas relação,
o sol discriminando o brilho,
o mar tornado força parada,
impenetrável mistério
energia.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Pedro

se você me dissesse que conhece a solidão, eu teria que te contar de Pedro. se você pensasse que sabe alguma coisa sobre o frio, eu teria que te mostrar a casa. e se então você não ficasse pálida, eu teria de te mostrar a porta.

piegas

soavam os minutos
toada dentro da melodia.

cubismos confortáveis
e o pulso no corpo.

janela de fusco,
chão de estrelas,
dentro de um verão
que se inventa,
o amor suava.

quinta-feira, agosto 06, 2009

pétala

ela entrou fazendo vento,
todo mundo se virou pra ver o exagero,
pros da direita era loira,
e pro resto toda morena.
vestido verde de mata,
o céu azul dos seus olhos,
a mulher crocodilo dos dentes de aço,
me acalma enquanto mergulha na minha carne.

quarta-feira, agosto 05, 2009

mar

Era uma vez um reino presente. Berço das cidades e dos espaços sem dono, terra de sol e sal e carne. Nele vivia a gente do ouro, a primeira geração dos homens, os primos dos deuses. O ar que respiravam era cheio, e o olhar que distribuíam era inteiro, por isso as terras não tinham nome, e todos eram igualmente ricos.

Certo dia, porém, um estranho forasteiro apareceu na vila das gentes. Ele tinha o andar moribundo e seus olhos outrora pertenceram a esguelhas. Uma noite apenas o forasteiro passou na cidade, e uma noite bastou para que dela ele levasse o reino.

Pois um feiticeiro novo lhe contara, que se ele roubasse a vida do menino mais velho da casa mais afastada da vila de ouro, ele lhe restituíria suas maneiras agéis, os movimentos precisos, e a claridade das idéias, perdidas nos anos em que trabalhara para os senhores daquelas terras escuras.

Quando a manhã nasceu, anunciando com seus fios crepusculares o triste desígnio, os pais levantaram-se e foram até o quarto do seu filho esperando o acordar com o olhar. Ao encontrar a cama nua, ambos saíram ao relento e clamaram aos céus, chamando os nomes de seus parentes.

As nuvens passaram em luto silencioso, o sol iluminou-os sem calor, era um dia sem cor e sem esperança.

Perante o silêncio, o pai sentiu-se cal por todos os seus dentros, e embaixo dos seixos do jardim pos-se a chorar as lágrimas contínuas e fundas do desconsolo. A mãe, entretanto, que sabia do tempo a mudança, calou-se em espera estática, e pos-se a trançar as lágrimas do marido.

Depois de dez mil dias e dez mil e uma noites o choro trançado se transformara enfim em mar, com seus pontos cintilantes sem abraços, com o mover do espaço e a sabedoria do tempo.

O mar muito grato, despos seus braços sobre as outras cidades, encontrando o jovem menino e o trazendo de volta para sua casa.

Ao retornar a vila o menino mais uma vez encontrara as riquezas do olhar inteiro e do peito cheio, e rico da maneira que se encontrava, tornou-se rei, com seu manto enorme e profundo chamado mar.

nós

eu te seguro no ar suspensa no olho.
há os outros,
pois sim - os outros.

eles trocam palavras duras entre si,
e tem nas mãos tiras de papel,
que sangram sem perceber
aqueles que cercam seus movimentos impensados.

ontem quando te segurei nas mãos
procurava a palidez morena,
encontrei os diversos traços da solidão dos outros,
ainda não cicatrizados.

no conjugar impreciso do diálogo
te afastaram esses olhos
deixando sambar apenas o batuque raso
dos erros a que persistem.

e quanto aos outros,
perguntas o que faço.

eu te amparo no ar suspensa no olho.
há os outros,
pois sim - os outros.

segunda-feira, agosto 03, 2009

cal

esse mundo de fora,
das paredes caiadas,
ordenam seu caráter desértico.
enchendo os olhos de branco,
velando a boca de pedra.

os vultos dos mortos anunciados no vento.
secas as mulheres e seus pés de barro.

ordena tal mundo externo
a composição de um hiato.

partida

seria dentro de mim um retrato frio,
meus dedos tingidos do pó que tiraria do seu rosto.
era um ser que olhava pela janela,
se contentando com as sobras
da sua presença indo embora pro trabalho.
você estava tão perto quando eu te olhava pela janela,
se eu gritasse você poderia ficar comigo mais um instante,
apenas um instante pelo olhar.
mas mesmo se eu tivesse voz não adiantaria nada,
eu não conseguiria conter os minutos,
e cedo ou tarde teria de apoiar o meu corpo contra o frio do vidro.

ar

respirar parece importante. parece muito mais importante do que a maioria das coisas, e deixa a gente meio frouxo por dentro.
quando a gente respira é mais fácil ser feliz e mais fácil ser triste.

sair de casa

andar imprime às emoções ritmo.
o sol bate no fundo da retina e não há reflexo:
ela o retêm.
se alguém cantasse só auxiliaria nessa questão do pulso,
a leveza de uma conversa amena
ou de um acontecimento banal
e por isso mais bonito.

sábado, agosto 01, 2009

lavanda

Havia uma semana que eu me preparava. Me olhava no espelho todos os dias procurando as imperfeições que ainda poderiam ser corrigidas, só para os seus olhos. Comprei talco e lavanda, para que no dia eu tivesse um aroma fresco, que em nada identificasse os meus termos frágeis e sem saúde. Escolhi meu vestido claro para que ela pudesse me olhar e lembrar do seu passado, de verões, e de tardes ensolaradas. Passei o mesmo vestido a mão na noite anterior, tomando muito cuidado com as pregas delicadas, para que se ela me chamasse para dançar eu pudesse rodar com leveza.
O sol nasceu conforme eu acordava, embora eu não tivesse essa noite visitado o breu. Acordei bem cedo para me lavar e para poder sorrir da alegria de ser, enquanto você não chegava. Os pássaros começavam a cantar e eram meus companheiros na imensidão da vida: ambos sabíamos o seu segredo. O sol caminhava rapidamente, mudando as cores das folhas. A vida improvável brotando da terra apenas pela menção do seu nome.

5 da manhã

liberdade é essa coisa frouxa.