sexta-feira, junho 29, 2012

guantanamera

sinto falta do meu violao. do toque da minha propria mao.
delicada e austera, nas cordas sujas e familiares.
gosto do som azul do lá,
do vermelho sol
da escala amarela fá fá sustenido.
o meu violao se adequa na minha barriga, nos meus peitos, nos meus braços,
e as vezes no meu queixo,
apoiado estranho pensando, ou as vezes nem pensando.
converso com ele, nunca percebi.
tímido, moreno lindo.
esquentando o ar a volta.
eu nao tive porquinho da india nao,
tive violao.

domingo, junho 24, 2012

saco cheio

(as palavras ditas na cabeça se encaixam sem concretez, cal das coisas reais.)
a dor de garganta não passa. por mais que a cachaça passe pelas amidalas, massageando, expulsando os bichos mais fracos, trazendo alegria. chega à garganta também a palavra. infelizmente a canção a faz desbotar. eu vi a voz sumindo de excesso. embora cantar seja compactuar com algo do tão bom. se cachaça e canção não funcionam, o que funcionará? pensamento e tempo? doenças são sempre esfinges, se não desvender a amidala cai. estou com vontade de arrancá-las com meus próprios dedos. beber substancialmente. apertar um torniquete só para fazer charme (na garganta?). enfiar as mãos fundo, e arrancar com ira. filmando. vai ser a bruxa de blair nacional.

sexta-feira, junho 22, 2012

francisca

O lugar fora reformado para se tornar menos estreito, para que a mulher, rainha do mar, pudesse passar ilesa por entre as fileiras de poltronas antigas. Os corredores ainda eram cerrados, dentes afilados de peixes violentos. O ar amarelo e pesado, preenchido de poeira, velas e objetos de antiquário, parecia flutuar verde, vermelhoveludo e ligeiramente dourado sob as cabeças. A musica que viria inundaria os porões de dentro. Até os ouvidos começarem a pingar de gosto.

quinta-feira, junho 21, 2012

metá

na consistência do toque,
insistente em minhas coxas.
o beijo aflito
escuro.
a mordida sussurrada
entre tantos sons alcólicos.
algo ultrapassa a cordilheira das coisas vivas,
ou o gemido, ou movimento.
Ou ainda nada disso.

é o prazer.
água de dentro
chamando maré
por seus dedos como lua.

quarta-feira, junho 13, 2012

pasmo

foi bom passear. foi importante. enquanto as pessoas contavam números que nunca acabavam, eu passeei. quando chegou a hora de se esconder, eu passeei. quando o errado era claro, eu errei de propósito. quando me chamaram, eu continuei lá. em busca de algo impalpável ("amar é o elo entre o azul e o amarelo" L.). minha memória é pouca, e não armazenei tanto passeio. não na consciência pelo menos. mas é isso que resulto. desses passos sem esmos resultam meus espasmos. 

ancanã

sua solidão batendo como um mar nos meus joelhos aquele dia que você parou o bar para chorar sentada no chão apoiada no que eu podia te dar, tão pouco. a sua cabeça tem o mesmo cheiro de sempre, e não seria discreto dizer que o resto também. suas lágrimas tem um sabor estranho, um salgado contaminado. suas mãos sempre tóxicas, seus dedos compridos, tortos. você me ofusca, perambula minhas certezas sem ferir. você grita, tenta atingir. você segue, e eu sigo, retas paralelas.

terça-feira, junho 12, 2012

humor

   O chão agasalhava-se em um tapete alérgico, as paredes geladas em branco,  úteis. No corredor tudo seguia seta, as portas entreabertas, os convites, o chão longilíneo, a falta de carinho. Te encontrei flutuando inconveniente entre a porta. Você ria insanidades sempre, balançava o corpo, as ancas suaves, os peitos, ria fechando os olhos, abrindo a boca. Nada importava frente aquele barulho alto e bom que saia do seu corpo todo. Quase sempre era assim, impossível de imaginar profundidades, calamidades, algo mais noturno que o humor, a derreter  todas as coisas. 
   O seu pé cruzava a soleira, os seus olhos perdidos entre esquerdas e direitas, e ali, qualquer pessoa poderia passar. Se você risse o momento ruiria. Olhei para suas coxas com medo de que o rumor pudesse começar por ali, tentei pressentir no seu rosto qualquer nota desse carnaval, olhei os seus cabelos escondendo qualquer coisa, talvez a nuca, e lancei no espaço oco do corredor algo.
   Deveria ir, e não voltar. Deveria ir para longe do meu corpo encontrar o seu, qualquer parte que fosse. Entraria como um veneno, irradiando-se lento dos dedos até a parte detrás da cabeça, até o pulmão, até o peito. Deveria partir desraigado, até virar uma cor delicada e constante, que persistisse sutil para além da sua risada radioativa.

quinta-feira, junho 07, 2012

kotama bouabane

lambe nas mãos o resto do cheiro. os dedos parecem quentes, ainda que mal afeitos à palma do rosto. enfia a língua por entre as falanges, remove para dentro de si o gosto de peixes vivos. os cigarros guardados nas gavetas, anêmicos. as torradas de três dias atrás ainda esperam algo. a areia nos pés lembra que tudo já foi melhor. falta na garganta o calor difícil da cachaça, as mãos entre os cabelos, no macio fino da nuca. a mão a arrumar a gola, incorporar a postura. falta o encaixe perfeito da nuca com o ombro. faltam as plantas maciças, muito vivas. a completude avessa a estar inteiro. poesias escritas com gelo, esperando que você possa ler antes que se apaguem em água.

quarta-feira, junho 06, 2012

haikai

sempre que decido te tirar da minha vida
você estende as mãos vazias de flores,
e eu vejo as cores.

terça-feira, junho 05, 2012

escorpião

acenda um vinho na garganta,
garanta.

lambe o suor dos meus dedos,
demore.

dê mordidas nas costelas,
provoque
a carne súbita do tejo,
escorrendo desamparado
por entre as nossas pernas.

sábado, junho 02, 2012

minas

passavam na minha janela aqueles montes verdes, derradeiros, os últimos e os primeiros, a noite a nascer por trás das curvas, a revelar mulheres imensas, morenas, densas, misteriosas mulheres.

em algum lugar

em algum lugar a tarde cai derretida por cima dos bancos de madeira que suportam até as chuvas. a grama respira alto o silêncio. as vozes esquentam. a comida posta na mesa, pela primeira vez. o olho por trás de algo que brilha. e o sono, lento, manso. gato a descansar na almofada azul.