quarta-feira, fevereiro 25, 2009

in vino veritas

silêncio:
nenhum som a não ser o do infinito.
escuro:
nenhuma voz a palpitar o pensamento.
solidão:
o calor embriagado da sua mão.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Ritinha

garganta pálida.
vinte e três graus de saúde.
poucos dias pra isso tudo.

punha o cal embaixo da língua e esperava a temperatura baixar:
mãe, vem que a sopa tá pronta!
gritavam da cozinha.

o contato da pele com os azulejos era frio,
no seu tempo não tinham automóveis nas ruas,
e o carvão era mais barato.

ritinha! vem ver o sol se pondo!
chamava a garotada toda da varanda.
sempre tivera medo de lagartixa.

agora tirava com zelo os nós dos cabelos,
passava os dedos pelas dobras da cama
inventando calma.

tinha uma aparência grave,
a palidez lhe caira bem,
assim como os cabelos brancos.

si

era quem mais cavava naquela terra escura e densa. as unhas sujadas até o grão de breu e cinza. a lua cravava os dedos também na noite, mexendo-se sob esses degrais.
se escondia embaixo das palmeiras tentando não ver a luz:
era poesia e embriagava.
sentia o corpo manso indo de encontro à arvore,
os pés sem ligar de estar sujos na areia,
os olhos embotados um pouco de tudo.

na verdade não fugia completamente,
via ainda a luz que refletia no mar,
e pouco a pouco,
instante a instante,
acabava se indo no ir e vir daquele som e luz.

aquela ligeira sensação de desconcerto consigo mesmo o impedia de qualquer coisa, e ele começara a enfiar os dedos o mais fundo que podia na areia.
nada chegava e o tempo passando nada se fazia.
ali, naquele lugar, naquela hora,
eram muitas coisas que ele podia sentir.

ele não sentia nada,
desconcentrado que estava o movimento das coisas.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

som

mão tédio pasto.
pega sua mão engordurada e imanta o meu peito.
suga todo defeito de querer agir sem medo.
deixo de ser
viro.
um litro de coisa seca e sussurro seu nome
em vão.
esqueço das cordas das pontes das dores.
machuco-me na amplidão
sequer a toco.
o branco entra dentro dos meus olhos e me tira
o ar que é água
suspiro.
rochas imensas afundam na praia.
deito-me as costas ardem da aspereza das pedras.
deito-me no sol com os olhos cerrados.
deito-me da solidão invertida de um corpo quase nu.

acaricio sem tocar essas belezas.
sem ver pouco imaginar.
só ser.

ouço o mar
o mar que me vem dar beijos
nas pontas dos dedos.

tenho medo do tamanho do mundo me engulir.
sou pequena e sou mundo.
sou energia suspensa em pausa no centro do mundo.

dessa vontade de chorar não durmo nem falo.
tento alcançar sua mão num silêncio
não basta.
não te digo nada.
pois não digo.
sou mundo.

aos cacos é esse exercício de se juntar.
separar-se juntando-se a paz que reina num caos reinante.
procuro tua mão.
tua mão sincera.

ela me dirá.
nada mais dirá.
eu não direi.
não sairá da minha boca som que não seja esse o da lua.

abraço o silêncio na fome de me encontrar.
e te perco.

foda-se

Vinha andando desde a arcada direita, sendo secundado pelos berros da platéia animada, (urra, urra). Tinha os passos firmes e o sorriso fácil de quem consegue agir sem pensar.
Enquanto acompanhava as arcadas da ala sul repassava mentalmente os prisioneiros presos no mês passado.
Os três etíopes já haviam sido devorados por leopardos sem fome, dois godos e um jônio perderam a cabeça num jogo de cartas e os israelenses fugiram com a comida.

rubens

passava os dedos sob a máquina de xerox e via saindo pela prancheta mundos inventados num toque.
para ele era tão importante decidir se queria lasanha congelada verde ou branca, quanto era para mulher do caixa fugir da angústia de não ter trocado.
para ele, de colarinho rente ao pescoço e cabelo alinhado, nada importava mais do que as fomes médias, o desejo de aceitação, as tribos primatas.
entrou no elevador e apertou o seu andar sem pensar em ser.
uma mulher que talvez chamasse roberta entrou no próximo andar.
ele se contorcia sem se mexer
e percebeu que queria trepar.
uma dessas tantas fomes baixas, a atrapalhar sua mediocridade.
saiu em seu andar e não era mais.
comeu debruçado sobre a cidade.
sobre a solidão de uma cidade iluminada.

a comida não descia direito e ele tinha vontade de querer chorar.
não chorava a anos.
não chorava a tempos.
não se lembrava de existir.
ele acabou seu prato e se resfolou na certeza de uma atividade.
terminou de lavar a louça,
preparou-se para dormir demoradamente,
habitualmente.
deitou no quarto escuro e não tinha culpa.

batia três horas da manhã e a leve subversão de ainda estar acordado o mantinha acordado.
eram três da manhã.

esquizo

respirar fundo.
fechar bem os olhos.
afastar-se, lançando mão do ódio,
dessa terra árida.

há uma voz que escuto baixo.
baixo, bem baixinho.
ela me desconcentra e me acalma.
gritos e sussurros.

tento a alcançar.
mas não consigo.
nunca acho uma sala silenciosa o bastante.

a essa voz preciso procurar,
pois se não mais a escutar,
não é ela que perco,
sou eu.

noite adentro

tristeza de apertar o peito e coçar os olhos.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

quero ver irene dar sua risada

acordei porque o vento canta pra mim
conta pra mim da chuva que vem
me manda uma notícia molhada
me dizendo pra não fugir
melhor ficar
melhor na água.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

V

logo ela viria busca-lo, e tudo deveria estar na mais perfeita ordem.

Sônia

ajeitou os óculos já acostumados a ponta do nariz, e virou a segunda a direita.
Hoje o dia estava excepcionalmente quente, e seria adorável gritar Beatles enquanto seguia pro trabalho.
Fechou alguns carros desacostumados com seu jeito brusco de levar a vida, e pensou em beber uísque.
Queria dirigir com os olhos fechados de quem mergulha,
mas de repente se lembrou que era de olhos abertos que se ignoravam as coisas.

Tantas coisas existindo ali diante de seus braços. Tantas coisas.
Coisas que excluíra por distração.
Quem sabe amanhã prestaria atenção naquele mesmo homem, baixo, feio, vendendo produtos escusos sempre no mesmo lugar da mesma estrada.
Quem sabe não te dirá, e na verdade nada disso importa.
não importa o que ignoramos, o que não vimos, o que não digo.
importa o que digo, verdadeiramente,
embora aqui minta.
uma vez que não digo nada.

tiro o cinto de segurança e abro os olhos.

Paulo

no mais triste do dia dele chegava ansiosamente a caixa de correios com sede de notícias. era uma forma de neurose que agia paralelamente ao mundo, fato que se comprovava pela ausência total de cartas nos últimos meses.
Paulo era o nome do sujeito. uns bem vividos 23 anos. uma barba mentirosa sendo cultivada nos maxilares.
tinha mania de dobrar as páginas dos livros que já tinha lido, e de usar a mesma faca para tudo, contrariava os hábitos que vinham da razão, e sobrevivia a seu tédio inventando obstáculos.
por exemplo,
toda manhã tinha que fazer uma xícara e meia exatas de café.
queimar as bordas do pão na torradeira,
e ler os horóscopos do jornal.
Quase nunca tinha bom humor o suficiente pra queimar alguma dessas etapas, economizando tempo e tédio.
Se eu tivesse que reduzir Paulo a uma frase, eu diria que ele é um daqueles sujeitos cuja maior diversão é se irritar com cada dobra mal passada desse mundo.

domingo, fevereiro 15, 2009

IV

deixando o olhar perder-se nas esquinas do quarto, lembrava-se de tudo sem dor.

cantar cantou

dançarás nessa escuridão este teu corpo escasso,
com febre,
e com dor?

tuas dobras tão leves,
macias,
dançarão por amor?

da brisa pouca,
anônima, sem cor,
achará a quem te leve?

me chames, me rogues,
irei sem defeitos,
serei só deleites,
serei teu amor.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

III

olhava o relógio pontualmente. em um paradoxo entre a necessidade e o hábito.

tudo perdido

vestidos sorrisos amarelos.
um corte desonesto,
um palpite.

madrugada

afastando-me do sono,
tudo vai inexistindo no exato momento.

tudo o que me prende a esse corpo surrado,
os latidos dos cachorros noite a fora,
os tantos e tantos insones assistindo inssossos programas de tv.
as luzes que se combinam formando a noite,
os ruídos do silêncio,
as vozes do passado.

lembranças maturadas que enchem a cara de tédio,
agitam as mãos em movimentos involuntários.

noite a fora, essa noite.
não direi palavra alguma.
corpo nenhum ouvira o meu nome.

presa a esse corpo por tais idéias,
perco o sono,
e para o dom,
a palavra.

sábado, fevereiro 07, 2009

II

com a mão esquerda lembrava-se de sua mãe, desenhando estranhos desenhos.

podia ser sábado

alisava com os dedos as dobras incômodas que se formavam quando o tecido enrrugava. um tecido grosso, espesso, rude. passava os dedos e o contato não era muito agradável.

em instantes assim, afundado no mofo do tédio, podia ouvir o latejar discreto da cidade. por trás de cada latido ou cada grunido motorizado. um breve e continuo pulsar, silêncio preenchido da cidade:

as pedras conversavam entre si
incólumes às nossas bobagens.
as plantas crescendo faziam estardalhaço, jurava.
a mãe talvez fosse alcoolatra, não nascesse tão quadrada,
e o pai tinha dor nas costas por causa do peso, além de roncar.
queria um dia conhecer os irmãos romenos que tivera nos seus sonhos infantis,
e falar para a tia o quanto era feia.

talvez só quisesse virar o lado do vinil e começar tudo de novo,
mas agora, deitado no tapete grosso e branco, tinha apenas preguiça.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

dia

as razões me fogem a quisa de justificação.
as coisas acontecem e não há perdão.
há desculpa,
mas não há perdão.
eu peço desculpas.
é tudo o que possa fazer.

peregrinos

eram de todos os lados que vinham aquelas vozes.
chamavam para danças dispersas,
acordavam de sonos antigos.

abriste o meu pulso aquela manhã.
nas horas inaugurais.
as gotas me esvaziam
e não cessam.

naquela manhã me mataste.
pelo resto da vida.

domingo, fevereiro 01, 2009

de chirico

ele vinha com os passos medidos, ecoando os sons fundados na amplitude. as sombras se acumpridando pelo chão, aumentando distantes saudades.
Talvez sentissem falta dele, e escrevessem absurdas cartas aos chefes das sessões. Talvez ainda fingissem lembra-lo, entre os intervalos das cólicas.

À princípio nada.
Ele continuava quieto.