domingo, outubro 28, 2012

tudo

foi assim. exatamente assim. a tarde derramada em cima da mesa enquanto não viamos, a noite se espalhando como leite, absorvida pelo poroso do tecido, discreta, cheia de estrelas nulas escondidas, mas ainda ali. foi exatamente assim. nós entramos no carro e nos olhamos. nós fomos para o cinema. nós compramos ingresso e nos olhamos. no meio do filme nós nos olhamos, denso, e o rosto revelou algo novo. foi exatamente assim. no seu rosto não existia nada. existia a luz trêmula da tela brincando na sua pele. existia um som distante falando de outros universos. e o seu olho me olhava em silêncio. e ali, exatamente assim, o seu rosto como era. um silêncio de rosto, a revelar todas as possíveis palavras.

terça-feira, outubro 16, 2012

behring

As duas pedras que prendem entre as pernas a imensidão do mar.
Te sinto como um estreito,
magnitude mineral a incendiar os olhos caso o pescoço insista em bascular para cima.
Ri de mim.
O vento desgasta a pedra, a leva em areia, ínfima.
O mar entra mar, sai mar, mas lá,
nem rio.
É um delicioso diminuir-se,
sentir as costelas cedendo
à pressão deliciosa das coxas.
Como duas pedras que prendem entre as pernas a imensidão do mar.

segunda-feira, outubro 08, 2012

matemática patética

a matemática dos bichos. o presente. a matemática dos espelhos. o presente. a matemática das flores. o presente. a matemática do som. o presente. a matemática da fome. o presente. a matemática das cores. o presente. a matemática do sentir. o presente.

ahora

Não quero a figura entregue, a frase inteira. Quero o retalho da tarde. O olho. Quero as imagens que só nós temos. Dedos que desaparecem, uma face exata, abrupta, um desenho redesenhado em pelo, o cansaço mudo, o motivo alto. Quero o gosto das coisas, saliva, palato. A sensação do desfalecer do corpo, uma coxa que cede, um olho que fecha. Quero a sombra do carinho - sua mão que continua na minha nuca, saudade.

poseidon

Ele vinha bater nos meus pés. Parecia uma criança insistindo por atenção. O que incomodava de gelo e areia entre os dedos, os olhos compensavam no fim da tarde.
Sempre tive um pouco de medo do mar. Justo. Antigo e enorme. O mar é como se a mitologia existisse. E não dá para ver o que há no fundo. Se as mãos enormes de Iemanjá, seus cabelos verdes de tanto mar. Tampinhas de cerveja, cacos de vidro, restos de animais.
Às vezes sinto que ele vem me buscar, com sua mão imensa. Melhor - me recolher.
E obedeço um pouco muda. Me embriago, embrenho, me implico. Me misturo profundamente a essas partes de água e sódio. Mistifico a água. Ela me aguarda, me carrega para o mesmo lugar.