quarta-feira, maio 30, 2012

desabafo generalizado sem literatura

eu conheço alguns homens legais,
alguns homens que não precisam se sentir machos,
os comedores, os fortões, os inquebráveis.
alguns poucos,
a maioria muito amigo.
mas aí pelo mundo,
a gente vai passeando,
e vai vendo cada cara fraco, tosco.
acho que as mulheres tiveram que fazer uma puta revolução
e os homens ficaram para trás,
confortáveis,
recebendo sanduiche da mamãe.
e daí a gente continua passeando pelo mundo
e conhece umas mulheres tão legais
e que nunca sequer viveram um caso bacana,
respeitoso, profundo, humano.
sorte a minha por um lado,
por outro,
azar dessas mulheres, tantas, mas tantas,
sem sexo bom, sem afeto que se banque, 
sem esse toque humano tão bom tão bom.

domingo, maio 27, 2012

martelo

Pegou um punhado de sal misturado com areia molhada, sentiu na língua o calor modorrento, esfregou o monte na pele pele, se desfazendo aos poucos. A pele morena, curtida, ficando mais forte, mais fraca, mais linda, com esse bruto contato. Passou a língua na pedra redonda e lisa do lado da arrebentação. Deixou o sol arder os olhos com uma resistência cã. Sentiu os cheiros dos cozidos que mulheres faziam protegidas na sombra molhada. Era todo agressivas sensações. Mordia o sal de todas as coisas. E sorria, sorria.

domingo, maio 20, 2012

gin

eu queria ter esse seu cheiro de  fumaça
no lugar exato onde se sente
entre a nuca, pescoço, ombros,
no ouvido sussurrar silêncios.

quinta-feira, maio 17, 2012

asco

eu tenho nojo da respiração de algumas pessoas.
eu tenho nojo delas comendo,
com ânsia,
os olhos esbugalhados,
as narinas infladas.
nojo dos sons guturais.
nojo do animal sincero e grotesco que vive dentro delas.
acho vulgar,
tenho vontade de gritar.
eu tenho nojo do jeito que elas não conseguem não respirar forte
denunciando a besta que são.

quarta-feira, maio 16, 2012

tzu

no começo era por educação.
por um senso estético do convívio social que eu deslizava pelas palavras.
esse animal peludo e úmido, escorrendo pela minha garganta, se confundindo entre os meus dedos,
se escondendo nos cabelos finos da nuca.
eu não queria fazer isso. mas eu precisei. para fazer eles felizes.
eu lembro como você se encaixou suave no osso difícil da omoplata quando não soube que mais uma vez eu havia corroído nossas bordas.
foi para tentar te alcançar nessa simplicidade que eu me inventei castanha, com olhos de jabuticaba.
o bicho me encarinhava com seus calos plásticos.
passava as falanges nos meus lábios quando era para silenciar,
soprava indecências constantes nos meus ouvidos.
eu passei a levá-lo para todos os lados.
escondido nas cavernas do meu corpo e do meu pensamento.
agora que o afasto com os dedos você há de entender e perdoar,
a ternura castanha, peluda e úmida
de toda mentira.

segunda-feira, maio 14, 2012

re

Eu acordei, 
porque todo dia eu acordava.
Disse bom dia, 
e mais nada.

Voltei para casa, 
nunca fui eu mesma.
Fui dormir, 
esqueci a dor acesa.

domingo, maio 13, 2012

alcatéia

no meio do olho do lobo que sou
a fome carnívora,
cravando os dentes
nas réstias de madeira.

no meio do olho do lobo que sou
vivo.
adorando presas
que não prendem.

domingo, maio 06, 2012

areia

Eu esperei que chamassem os meninos, enquanto o tempo passava por entre as pedras difíceis. Eu esperei alinhando os copos. Eu esperei alimentando-a pelos tubos que saiam da garganta. Eu esperei nomeando os cachorros que latiam sem parar onde não podiam ser vistos. Eu esperei separando com o labor delicado do agricultor os timbres de cada latido súbito que invadia a casa. Eu esperei observando o movimento contínuo e determinado da hera por sob o cal. Eu esperei em cada fundo de garrafa alcançado, e a cada copo. Eu esperei esquecendo o que eram nomes, o que eram números, e chamando a ela de catorze (infinita). Eu esperei sentindo fome, esquecendo o que era a fome, por dias, jogados no quarto como as folhas em branco e as folhas escritas. Eu esperei como o céu tocando o rosto dela e fazendo cores inesperadas e vulgares. Eu esperei que chamassem, mesmo que não acreditasse mais que houvessem vozes para o fazer. Eu esperei, sem acreditar que os meninos viriam. Eu esperei, sabendo que eles já eram velhos, gastos e puídos. Os meninos. Eu esperei por muito tempo já sem esperar. E quando terminei, vi a casa pronta. Cada grão no seu lugar. Nesse instante deitado no próprio tempo, pude partir, como quem sabe de cor as listras de um tigre.

leopardo

Sentou-se apressado no lugar de sempre. Sua nuca doia, tinha dores na bacia. O homem trouxe os dois copos opacos e a ampola. Engoliu suave o gosto do vento comprimido entre as janelas. Esperou o vôo.
Algo entre as costelas ficara preso, sentia. Sabia. Que dentro instantes, se a situação não se revertesse, ele se ausentaria da cadeira, do veludo suave e bem vermelho, da tranquilidade do piso de taco. Sentiu o gosto nauseado de talco nas virilhas. Repetiu as palavras costumeiras. O homem tocou suave os seus ombros, com os dedos em pinça. Ele sabia o que estava acontecendo. Ele abriu os olhos do outro. Os olhos iam saltando em verde. Amolecendo com a umidade e quentura espontânea da língua que invadia, serena. Aos poucos iam saltando pequenos veios, pintas, tintas-pele. Aos poucos  os seus olhos profundamente verdes, e o seu corpo leitoso, denso, bruto. Seu corpo de leopardo.

terça-feira, maio 01, 2012

fogueira das vaidades

parecia uma ideia fazer uma fogueira numa praça. estava frio e dificilmente o fogo no meio dos corpos das garrafas das vontades pareceria poder aquecer. a escada. a luz distanteperto flutuando as sombras de todos nós no semiúmido da grama. a menina pensada vagamente estava na praia, e ligava intermitente, bobagens como drinks, amigos, quiçá estrelas.
como se desenrolam preguiçosos os intuitos, a noite seguiu. o frio se aglomerando perto do nosso calor. cachaças bastando, violão, um pouco de aparência, bem pouco de amor. 
eu te vi ali. fui sentar do seu lado, ou você do meu. de longe nos olhávamos bruto. você era a menina louca, ninfomaníaca, marciana, amparada por coxas fortes prestes a abrir. eu era do violão, falante, eloquente, experiente, reluzindo pelos olhos virados. quando você sentou do meu lado nós não falamos nada. acho que já sabíamos que éramos uma fraude.
eu fui embora falando falando besteiras. você ficou extirada sobre os braços de um menino meninez.
na outra noite você me infiltrava com o olhar denso. eu ria ria falava. tocava, bebia. aquele dia com uma aura neblina. dias assim. de confiar em tudo. sentei do seu lado e aí a menina louca encontrou a eloquente da malandragem. e então a sua mulher delicada delicada encontrou a minha mulher delicada delicada.
acho que eu nunca mais consegui fingir pra mim mesma. quiçá você também não.