sexta-feira, janeiro 19, 2007

Olinda, 7 de janeiro de 2007.

tensiono nessa carta que te minto trazer-te um pouco viva nessa triste manhã de olinda. a verdade é que subjugada pelas entranhas da memória, e talvez por um leve apetite egocêntrico, tenho para mim nessas ocasiões que o mundo todo lá fora dorme.
é que foi uma noite longa, de suores e medos, e tive essa manhã de despojar-me das muitas horas de desespero na ducha fria do chuveiro.
agora que sento e te escrevo, e também o faço por medo, vou me sentindo invadida por um leve desapreço, dessasossego, esquecimento. ainda que equilibro a caneta aqui, bem embaixo de nossos narizes, para sucitar vozes de longe.
além disso sei que vivo, o estômago urge, e os cachos secando vão demoradamente se compondo.
sei que as coisas que aqui digo de fato nada falam. é só para reproduzir, no ligeiro estupor que tenciono produzir em suas têmporas quando receber essa carta, um abraço forte e vivo.

romeu e julieta

a harpa
e o halo
da serpente
o falo da maça
e o medo do desejo

"se você quer me seguir não é seguro"

quinta-feira, janeiro 18, 2007

ordinária

nesse dia 18 de janeiro, de 2007, me proclamo em primeira pessoa.

dedico

olho atentamente esses seus olhos cor de caju e vejo fome.
desesperadamente uma vontade de que a vida abra as pernas e proclame como ordem o esfolamento final. é coisa de se pedir dois segundos de folga, respirar bem, olhar pros dois lados, e mergulhar a cabeça como se estivesse pra morrer. arrancando com a boca os pedações do ócio (só porque eu queria falar ócio), comendo cru. se lambuzando em sangue antes casto.

como ei de partir

o que incomoda é essa distante vontade de talvez morrer.

frágil como galinha d'angola

dia esse agasalhado de nuvens, sinto contrações no peito, boto a dor como botam ovo. dirijo e o estado evidente me faz querer tacar o carro nas coisas, dou caronas e me arrependo, às vezes até da amizade que resta. quinta feira essa que é domingo, lagrimeja o que me resta como chuva rala, insignificante. esse dia que me arde as têmporas, eu só precisava conversar. e de um abraço, e de um sorriso, quiçá.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

gastrite

se chegar em casa te faz querer desaparecer atrás de um travesseiro é também porque sonhar é ignorar as condições (primárias) da vida. assim como as ilusões transformam os fluxos do tempo, mesmo que no fundo tudo aconteça simultaneamente. plano em tais limbos da consciência que só existe como um exagero para a metáfora que traduz. é que esse mundo é matéria prima, pro que der e vier, digo assim, que por um lado, o que é concedido só pode ser posto de lado por você, e tão somente que ignora todas as imensas possibilidades. ficamos então com a mediocridade.

sábado, janeiro 13, 2007

dois

há duas semanas os percebo invadindo lentamente as estruturas da razão. os síntomas são claros tanto quanto possível, há duas semanas que olhando seus olhos com uma pequena lanterna (os abrindo com esforço e apuro médico) não vejo nada. dois olhos verdes levemente umidecidos (e de fato saudáveis), residindo aí o único brilho que encontro. nenhum movimento por trás do cristalino. no breu da alma só vozes, que não dizem muito, e o convidam, e o confundem.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

essa noite eu não durmi bem, deve ser por isso.
o sono não tem sido como era, uma ordem apenas, dormir e então acordar no outro dia.
a noite tem sido cheia de fantasmas e medos e aflições.
a verdade é que eu procuro evitar o passar dos dias.
perde-los pra sempre,
sem nem, ao menos, uma lembrança na retina.
a memória que cessa.
os dias tem sido maus, por mais bons que tentam ser.
desgasto minha pele na areia, no sal, o mar e o sol.
desgasto minha alma deitada na areia.
e por vagos momentos não tenho mais medo,
nem essa incessante vontade de chorar.
até o instante em que tudo se figura errado,
e eu penso em ir pra bem longe,
aonde tenha só o vento, e o mar, e o som das folhas.
então eu lembro que eu estou bem longe,
aonde só tem o vento e o caramba a quatro.
enquanto isso minha alma morre envenenada