sábado, maio 28, 2011

aniversário

sempre achei que fazer aniversário era uma coisa meio boba,
outros desses marketings que vão colorindo datas ao longo do ano.
sempre atendi os telefonemas do dia 28 da minha tia avó bem velhinha
com aquele sorriso maroto de quem não compartilha a velhice.
fazia cara de tacho quando cantavam parabéns e me esbaldava de bolo.
nunca achei nada de mais
e no máximo aproveitava para ver as pessoas queridas,
para poder pedir pros pais aquele presente mais bacana.

mas esse ano não.
fui no supermercado comprar umas coisas para o almoço
e no meio de um turbilhão de coisas fiquei super feliz de estar viva.
parece um pouco patetice, ou comercial de margarina,
mas não é.
talvez seja sombra da operação do ano passado,
das tristezas vividas e contornadas,
desse ano tão estranho e cheio de novidades.
dessa sensação aguardente de aos poucos ir ficando mais velha.
é.
foi um ano cheio da solidão de ir adultecendo.
e de repente o sol voltou para o mesmo lugar que há 23 anos estava,
quando eu nasci.
e talvez eu tenha sentido que esse ano foi tão difícil quanto o parto,
com cordão umbilical no pescoço,
demora e medo.
mas daquela vez eu tava lá,
e hoje também estou aqui.
e isso é bom, é feliz.
e acho que é isso que é fazer aniversário.

sexta-feira, maio 27, 2011

pai,

eu sei
que é possível ter coração
numa cabeça em ordem.

é rio de água transparente,
correndo entre as pedras
cada uma em seu lugar.

a água não para de correr,
e no entanto, tudo se move,
enquanto alguns pedaços de erva se escondem.

na água transparente
também há dores, amores, quimeras.
há esperas e curvas feitas mansas.

já a minha água tem pressa,
às vezes é tempestade balançando as janelas,
as vezes refresca chuviscos de primavera.

às vezes é lago profundo e negro,
onde caem troncos, musgos e pedras,
e cada coisa lenta se decompõe na escuridão sincera.

às vezes minha água é preguiça
fazendo curvas e volteios indecentes
em sua falta de praticidade.

mas minha água vai,
minha água corre,
segue, sempre, o caminho tortuoso da vontade.

é belo, e sempre dá saudade,
quando a sua água prática
encontra e minha água amansa
e finalmente juntas,
pro mesmo mar elas correm.

mirko

uma vez eu conheci um menino cigano.

os seus olhos eram bestas-feras
e fugiam com asco do meu crivo forte.
o seu cheiro desprendia das pregas da roupa vermelha,
o seu perfume arisco
de suor e cerveja.

perguntei com voz grave dos seus pais,
e ele me fitou em silêncio.
eu passei as mãos em sua ferida aberta,
ele tomou o braço só para si.

eu quis passar meus dedos por seus cabelos negros e sujos.
dizer não se preocupe,
querido menino ébrio.
mas ele me olhou profundo olho
deixando-me quieta em toda minha tolice.

ele já se salvara da loucura,
agora deveria restar apenas solidão
música,
talvez azar,
talvez sorte.

quinta-feira, maio 26, 2011

muda

mudar foi o que pude,
o tempo -----------
e acabei ficando muda.
para ter tato
é preciso que a vida se apresente.
A vida - de frente,
que eu me apresente a vida.
Querida,
aqui estou de repente.

quarta-feira, maio 25, 2011

um pouco

eu queria mais
as palavras brotando como garranchos do meio da minha mão.

domingo, maio 22, 2011

pois é

tudo tão pequeno.
tudo tão mediocre.
eu lembro.
eu lembro - da manhã acesa
eu quase lembro
daquela casa pronta.
eu lembro
de uma carona
de fusca amarelo.
nem sei em que vida foi,
sei que foi
que foi até o fim.
eu lembro
do dia ser belo.
eu sei
do sol amarelo,
o gosto
daquela fruta seca.
nem sei em que vida foi,
mas na cachoeira
sereia ia, sereia vinda.
E era,
entre cervejas,
o gosto
acre da bebida
nos era
possível -e assim
éramos nós.
E hoje,
tudo impossível.
Os filhos,
e também o alcoól.
eu lembro daquela quadra.
daquela cor
e era eu
e era eu
e era quase um nós.
faz tempo e é impossível conter:
todo esse tempo num ser.
e era eu,
e era nós
e era o tremendo poder.
era o silêncio de ser,
e era belo.
e ainda é.

sinta.
e sentirá.

sexta-feira, maio 20, 2011

solidão parcial

era possível pedir um vinho, uma cerveja, um café.
era possível se sentar num sofá, numa cadeira,
se sentar no chão.
era possível conhecer alguém no mesmo dia,
ou um amigo de anos, ou um irmão.
era possível conversar a noite toda,
sobre todos os assuntos,
cantando qualquer alegria.
era possível algo no violão,
falar uma frase.
era possível ultrapassar o limite exato do ar,
deixar de falar de ontem, de antes de ontem, de antesantes de ontem,
e entrar na lógica estranha e sincera do agora.
era possível deixar a água se infiltrar nessas paredes,
inflando o tempo de um olho que olha o outro,
silenciosamente preparado
para o surpreendente isso.

terça-feira, maio 17, 2011

sábado, maio 14, 2011

folhas secas

às vezes paixão tem forma disso.
às vezes daquilo.
lagartixa subindo ligeira a parede.
gota descendo devagar a folha d'árvore.
às vezes é chuva no deserto, intempesto.
às vezes a tempestade só existe dentro do peito.
outras ainda é dia de sol.
às vezes dá certo,
às vezes não.
às vezes é gay, às vezes é hetero, às vezes escorpião.
paixão é dia de circo,
escolher bem o lugar com receio das bestas feras.
paixão é dedo na garganta,
é olhar inteiro,
é se perder na corrente do outro,
morrer um pouco,
e renascer
com sal e gosto.

quinta-feira, maio 12, 2011

plie

se eu fosse dizer que não, eu estaria mentindo. e mentir faz mais mal do que fumar. eu vejo o mundo entrededos, e às vezes, vejo ela dançando. não sei se ela sabe que a vejo, que roubo esses instantes de beleza clandestina, chuva no deserto. ou se ela sabe e dança ainda mais bonito. toda segunda feira ela está lá, e eu também. a minha função é outra, nós sabemos. escrever, fotografar, registrar. e ela ensaia ao lado, como se o mundo tivesse parado para ela dançar, ou o contrário. as meninas que tenho que fotografar fazem poses, querem se sentir bonitas, Mulheres. querem ser conscientes de cada passo dado, e ficam um pouco ridículas. ela não. não quer ser consciente de nada, acho. ela fica rodeada como se estivesse nua. às vezes os nossos olhos se encontram. e eu quero muito que ela saiba que assim digo: coisas azuis, aspereza da areia, longidão do céu, luanda, alcaçuz e breu. mas também: vermelho, maciez da pele, umidez do tejo, terra ardida, lama, lama perdida. ela me olha de volta e fico na dúvida. se ela soube tudo compreender, ou se diz outras coisas, outros silêncios. se ela escancara nos olhos o ser Outro, ou se ela também, me convida.

eupele

foi tão difícil começar a andar. a terra girando em volta do sol, corte infinita. e os músculos juntando os pedaços. eu lembro dos gritos dados a noite, quase os escuto. lembro das rodas do carro girando cada vez mais rápido, como se pudessem fazer rodar a água parada de dentro - a má água, a mágoa. se foi difícil parar de chorar, mais difícil foi recomeçar. tocar com as pontas dos dedos a ferida, olhar no espelho e falar em voz firme, embora doce - estou aqui. se o gosto amargo da bebida foi difícil, mais difícil ainda voltar a beber. ainda assim caminho junto de mim. depois de tantas rodadas inúteis, rostos vividos no anonimato. se pedir eu vou, aqui estou - de fato.

domingo, maio 08, 2011

tempesto

às vezes, quando o mundo se distrái e faz um pouco de silêncio,
eu percebo algo de sentir.
sinto o som salgado, e abro bem as mãos esperando ele sair.
agora estou aqui,
de olhos abertos,
em cima do meu mundo.
aqui eu me alimento das folhas das parreiras
e bebo sem reclamar da água salobra de rio e mar.
não é de chorar esse sentir, nem de rir.
é de ser só travessia,
ser o sabor
asfixiante,
a quase morte
de deixar a tempestade viver em mim
e nutrir-me do raio.

sábado, maio 07, 2011

pinga

vão os músculos, casa da vontade.
ligeiros, subindo paredes.
vertigens, bebendo coragens.
vão os homens,
passam mulheres, cachorros, gatos.
passam na madrugada as gentes.
despidas de qualquer verdade.
dançam na noite em carros,
alcoolizados.
em festas,
combinam passos de astronautas.
lixam as paredes com suas unhas.

a noite tudo é vontade,
tudo é ir e voltar,
encontro e desencontro.
matéria de sonho,
a escuridão aguardente.
presentifica o ante-desejo.

terça-feira, maio 03, 2011

madrugada

eu lembro de uma madrugada que eu passei na varanda do décimo segundo andar, ouvindo música, com um espelho na mão. na época quase tudo era composto da mesma solidão roxa das madrugadas. eu era criança e ninguém queria conversar comigo nada além do banal, do imediato. eu acho que as tardes eram assim também. como olhar o mundo mudando rápido em silêncio, do alto de um farol, esperando o sol aparecer. naquela madrugada eu precisei de um espelho pra me enxergar. hoje talvez eu precise de uma lanterna. naquela época eu sentia que ninguém sabia quem eu era. então eu inventei no espelho o outro que me olha e reconhece. hoje eu sinto que eu não sei quem eu sou. um espelho serviria apenas para adensar esse susto. talvez se eu tivesse tempo. se eu tivesse uma madrugada inteira para acordar. se eu tivesse tempo para abrir os olhos no cheio da solidão. talvez eu lembrasse o meu antigo nome.

segunda-feira, maio 02, 2011

espadas

quando você atravessar a grande água,
eu vou ter que ir embora.





talvez depois você pense que eu nunca existi.