quinta-feira, setembro 30, 2010

cheio de inferno e céu

Quando uma mulher sente a solidão
e é como adensar-se numa floresta de céu leitoso.
Quando uma mulher deitada na cama ouve o ruído da mata,
ou ainda mais denso, seu silêncio.
Quando uma mulher olha para o céu do seu quarto
e sorri sem motivo e sem temer.
Quando uma mulher ouve música e é como se fosse acariciada
pelas ondas maiores dos acordes menores.
Quando uma mulher sente a cidade do lado de fora da sua parede
batendo seu nome como o mar.
Quando uma mulher não pensa mais em ninguém.
Quando a mulher não é flor, perfeita intuição dos outros,
mas mata, esparsa, selvagem, melódica.
Quando uma mulher é toda escuridão,
e seu toque não é luz.
Quando uma mulher é você.
Quando uma mulher sou eu.

terça-feira, setembro 28, 2010

no ceiling

se aproximar,
não como a maré
enganadora com suas coxas de sal e água.
como a paz,
sobrevindo algo delicioso e delicado
dentro do olho, escuro do quarto.
entre motins
e gritos mudos
tem um estado em mim que não se cala
patético silêncio.
um sorriso quase estúpido,
passo ante passo
perseguindo.
mais perto.
mais perto.
escuto o seu eco naquilo que é sólido,
chão e paredes.
mais perto,
desconheço seu tempo,
forma, nome,
espaço.
pressinto,
e tola
sorrio.

domingo, setembro 26, 2010

exercício

O homem nu sonha na cama. Todos os homens que o precederam eram nus e sonharam inumeráveis sonhos. Ele sonha estático o improvável sonho que lhe coube, e não a todos os homens do passado, do futuro, ou, muito pior, do presente infinito de homens, mulheres, meninas, velhos, plantas todos nus sonhando os sonhos que lhes couberam. Esse homem, que não serei vulgar a ponto de nominar, sonhava que era outro homem. Ou então, ainda mais surpreendente, sonhava ser ele mesmo um homem que não era, talvez um menino reinando numa antiga fazenda de café - como dita o sonho, talvez um homem que sonhasse o mesmo sonho exato que lhe cabia naquele momento.
Dentro de um, ou infinitos, círculos de sonhos, algum homem sonhava que era um menino. Que andava na fazenda. Que a fazenda era de café. E que haviam negros dançando e cantando em volta de uma fogueira de luz vermelha. Os negros bradavam: olhe nos olhos do demônio e veja se ele te devora. O menino, ou o homem, olhava então para a máscara do demônio, e via apenas a máscara, para além das órbitas vazias apenas a máscara - materialização de quem sabe que a máscara não vela, mas sim revela; como um sonho que não tivesse por quem ser sonhado.
Aquele que olha a máscara, que já não ousarei saber se era menino, homem, se era aquele que me contou esse conto, se era você ou se era eu, se assustou perante a ausência do rosto, a ausência dos olhos, e subitamente pensou "talvez o demônio seja eu". Aquele que olha encarou profundamente a máscara, e com ela desenhou em passos círculos em volta da fogueira. A fogueira vermelha chilintava a umidade das madeiras, denunciando a imensa improbabilidade daquele momento. Não havia carne a se emprestar para esse instante, tudo ocorria no plano disperso onde ocorrem os sonhos, as memórias e os textos, não havia unidade a se retornar, senão o homem nu distante - em outra cidade, em outros tempos.
O menino do sonho, entretanto, continuava a dançar com a máscara, como o medo, o outro e o espelho. A máscara sem rosto, e o menino sem nome. Ele então começou a se distanciar, dando passos mais espassados - queria alcançar a porta. Antes de deixar para sempre o sonho, porém, alguma espécie de intuição mobilizou o menino, que deu um último olhar de soslaio para a máscara. Ele não viu o vazio recheando sem pudores os buracos dos olhos. Ele não viu. Por trás da máscara dois olhos reais o observavam.

sexta-feira, setembro 24, 2010

ótica

tartaruga de fogo é barriga.
umbigo da humanidade,
uísque com muito gelo, ou gim.
entre a cruz e a espada está o ar,
h do homem barulho na garganta
que jorra e seca da água.
música ordenação possível - caos ou dialética
ordinário na beleza, sem julgamento possível.
a melhor interpretação é a alegria
fico com essa
mentira pode ser verdade
só por hoje
ficção é fazer
outro em mim
fim.



texto semi ébrio da alegria da ana e lau

quinta-feira, setembro 23, 2010

vênus

falta o feminino
de saber que o vazio
sou eu.

autor

quando algo lindo assim embrenha forte no cheiro da gente,
vê que o que não tem autor
é a vida.

Fazedor

Faz tempo que não escrevo. Todos os meus textos tem sido silenciosos. Uma palavra ou frase puxa a encadeação vã. É na minha mente que projeto sua continuação. É na minha mente que dela me desfaço.
Se sou real ou não faz depender ser uma história ou uma estória.
Nas minhas ficções (caminhos) acabo chamando de acaso deus, de materialidade importância.
Nem deus, nem importância.
Antes percebo, a realidade das coisas que dão certo ou errado,
a inexistência de mérito ou ordem,
nem forças maiores ou menores.
Não há karma, destino,
muito menos materialismo-histórico.
Antes percebo,
dança de acasos, Loteria da Babilônia.

segunda-feira, setembro 20, 2010

carne

é na carne que cresce.
como flores carnudas cheias de cheiro
a vontade; com o gosto acre da cerveja
a poesia; com as palavras tortas
as cartas nunca enviadas;
e o gosto torpe da língua.
é na mansidão da carne que prospera.
o movimento como música
talvez sexo; o gesto sutil ou escancarado projeto
ou política; o amor como idéia ou como tempo,
subjeto.
é no corpo e na carne.
olhar, resto do passado
ou memória; vislumbre do futuro,
ou destino;
é na carne.
que o tempo cessa,
que tudo se encontra,
acaba e recomeça.
é na carne, corpo, olhar.
que o presente acontece,
vida imensa:

sábado, setembro 18, 2010

si

ela não me diz nada,
e dança.
olha como-que para um futuro
que não me cabe entrever.
às vezes lança o quadril em minha direção
ou um dos olhos
cubismo próprio do charme.

quando nos beijamos
a minha boca permanece na dela,
mas meus olhos se afastam.
se assustam.
sentem a altura inverossímel desse silêncio.

sal

areia da noite!
jogada para cima
com sorriso e gosto áspero na língua.
éramos nós as crianças
brincando com facas
os jogos dos adultos.
se sentávamos era nas cadeiras
flutuantes dos mares
bares, céus estrelados e ovos.
esbaldados de cachaça e amor
dormir como anjos
e acordar domingos.

quinta-feira, setembro 16, 2010

marinheiro das horas inteiras

antes não sabia se vinha a sensação - madeira escorrendo cheia de sulcos, cheiro de amora e fumaça. marrom e listrado azul e branco, ou se a emoção nostalgia como chá morno melancolia leve de dois cigarros alegria estúpida. por excesso de constrangimento dos outros decidira deixar o seu na porta de casa, usava azul listrado com branco na blusa e na calça, marinheiro das vagas, as horas, não as ondas. tinha uma estrela em cada olho e nas mãos um universo. tecia destinos com lã vermelha e previa as estações em copo d'gua.
era assim que sentia saudades, derradeiro e estúpido sentado na cozinha. abria e fechava os dedos e pensava, principalmente na estupidez que era pensar no sentir e ser. em volta dele tudo se modificava aos poucos, os olhos piscavam era dia ou era noite, os móveis dançavam como a provocar a exatidão da ciência.
ele não dava pelota para esse mundo outro. não era rei, mas também na barriga tinha mundo. e sabia que existiam os homens, as estrelas, a terra e o quarto último amigo, o acaso.
por isso ele usava listrado. por isso cada mar era uma surpresa, cada dia uma baleia.

segunda-feira, setembro 13, 2010

médio ex

foi quase. foi por um fio.
mas aí a noite veio e me trouxe de volta
bicho imenso
serpente dos olhos opacos
em fluxo debaixo dos pés.
o ônibus entrou no túnel
e as luzes laranjas batiam ritmadas
no olho do olho de tudo.
a lua não sorria nem chorava.
era nada imenso tudo aquilo.
sem vontade nem pensamento
nenhum espaço para babaquices:
tudo que fosse pequeno por favor que esperasse
a noite e a vida imensas
sorrindo em disparada.

domingo, setembro 12, 2010

sorriso maroto

Bate o sol delicado
ou é luz de dentro
baixa,
feminina.
Que esconde sua pele e mostra
ao mesmo tempo
o que eu achei que só meus olhos podiam achar no seu rosto.
Nas minhas mãos talvez carregue algum tipo de máquina,
metal frio, cor de cobre,
nesse tempo que invento
é com ela que te retrato.
Ao ve-la você sorri
escancarando por todas as vezes necessárias
a beleza intensa de um instante
que embora não exista
pudemos todos ver.

sábado, setembro 11, 2010

você

me pergunta o porque do silêncio.
Eu te respondo
olhando para eles sentados no chão
se olhando

calando fundo alguma coisa
que talvez venha da música
profunda e suave

talvez da lua
baixa e delicada
talvez do vinho
tingindo o dente
e a alma.

nada digo
e em silêncio espero
que você tudo entenda.

'je pense a toi'


Ciclos de pedra e areia entrando à beira do mar.
Como faze-los?
O sol ressente os músculos
brancos de urbanidade e tédio.
A nudez brilha contra o sol
os pés ariscos na areia.
As extremidades e os meios desse corpo sem nome
constroem o labirinto de pedra como um mantra.
A solidão da beira da praia é como o metal,
e o mesmo gosto na boca.
Esse país não tem nome,
mas tem música.
Movimentos concêntricos
quem antes é o labirinto
pedra, dança
ou mulher.

terça-feira, setembro 07, 2010

cinco minutos

eu quis te dizer uma palavra.
era uma palavra simples
e eu pedi cinco minutos
pra você olhasse no meu olho e ouvisse.

você não me ouviu.
por falta de interesse
ou concentração.

a palavra engastalhou no meu dentro
e virou silêncio.

domingo, setembro 05, 2010

sou

tudo o que eu tenho.
as palavras contidas na língua
prontas.
o corpo quente
jovem.
a curiosidade,
o gosto.
o sorriso
e o choro.
tudo
que chega inteiro a boca.

sexta-feira, setembro 03, 2010

cozinha

o corpo dela suava em cima da cama. o corpo dela
mesmo inadimplente
incorrigivelmente
necessariamente
vivo.
pulsando e suando em cima da cama.

ou estávamos paralisadas diante daquele momento cirúrgico,
ou ela tinha se endurecido por alguma coisa que eu dissera.
eu não me lembrava de nada que poderia ter dito.
eu não lembrava de nada que tivesse dito.
eu não lembrava de nada.
tinha esse momento na mão
gelo derretendo lentamente em contato com a pele.
e mais nada.

ela olhava pro teto
e pensava.
pensava por querer evitar estar
ou por tédio.
se agarrou com as duas mãos na coberta.
esperava.
eu sai do quarto para beber um destilado na sala
e para ouvir música olhando a cidade.
como uma mulher
suada
nua
sozinha
no quarto.
esperando.

surplus

algum tipo de lugar possível.
o outro tem gosto de nada.
o mar.......
que me vem inteiro a boca
é salgado.

talvez
minha incapacidade de compreensão.
possível.
mas antes o sim e o não.

e como garantia o sangue,
como quem topa morrer
pra não viver em submissão.