segunda-feira, dezembro 27, 2010

silêncio outro

medo
de algo como
um elefante no meio da sala.
ou
no meio da barriga.
razões pouco conhecidas,
sabotagem, fraqueza,
a morte se espalhando como praia
de águas negras
tóxicas.
com o risco de não mais gerar nada,
gero novamente dentro de mim a morte,
tamanho de fruto maduro a apertar os nervos.
procuro com pouca aptidão nesse dentro de mim
a mulher cinza,
sábia gorda antiga.
peço seus conselhos.
agora estou em seu altar olhando direto em seus olhos
e ela ainda está calada.
o tempo dura para que eu espere sua resposta,
o tempo que dura
talvez seja sua resposta.

sábado, dezembro 25, 2010

travesseiro

algo antigo
algo próximo
algo novo.
cheiro denso de mata.
o agora sempre pronto,
a voz dele que se perde.
a voz dele que perpetua
visão mundo,
só não faz se não quiser.

sexta-feira, dezembro 24, 2010

agora

você sôfrega
se espalhando nas paredes
entre marcas de sangue e saliva.
o cheiro dos seus restos é tão real
que me compunge.
e saio desse dentro de mim tão distante,
ilha de árvores antigas selvagens e cheias de polpa,
e te olho com os olhos cheios
como a lua olha o mar
quando entre eles há maré.
sua boca é cheia de peixes
suas curvas cheias de escuridão
esse sexo que nos ocorre
é presente,
e apenas isso.
nada tem medida do calculo,
é a primeira vez que duas mulheres puderam se entregar nessa luta amorosa de um fim.
é assim que te olho me sinto olhada e mergulhamos
no cheiro denso, nem bom nem ruim,
do selvagem que paira no ar.

quinta-feira, dezembro 23, 2010

maré

ela era uma verdade como o mar.
indo e vir de um respirar perfeito
entre a lua o corpo.
era assim óbvia,
a relação entre ela e todas as coisas.

domingo, dezembro 19, 2010

o marinheiro

sempre pensei em porque os olhos mudam de cor. não sei se são todos. os meus pelo menos mudam um pouco às vezes, ficam mais castanhos, mais verdes. sempre aventei teses que pudessem preencher esse vazio: que eles mudavam conforme o número de mentiras que se andava contando, que talvez a alma estivesse mais perto dos olhos, que o sol, que o som. lendo caio fernando abreu descobri a resposta:
"— Abraça tua loucura antes que seja tarde demais — ele disse, e seus olhos tinham a cor do mar. Tinham a cor exata de quem por muito tempo, todas as horas, todos os dias de muitos meses e anos, olhou detidamente o mar, acompanhando o vôo das gaivotas, interrompendo-se em rochedos, nivelando-se ao movimento incessante das ondas. Verdes de um verde movediço entre o denso do vidro e o suave da hortelã recém-plantada, líquidos como água móvel, interior de gruta, rasos de pedras claras. "

mudo

por dentro somos infinitos.
é na carne que tudo se presentifica.
é na carne que se manifestam:
os medos, as vontades, as doenças,
os ires e vires necessários para que se sinta.
é na carne que o tudo e o nada tomam forma,
deixam sua magnitude excepcional
para virar jogo.
o bem e o mal como dois lados de uma mesma coisa
contraste necessário para ainda não entender
pleno
o silêncio.

sábado, dezembro 18, 2010

haikai

era meio assim no começo do fim.
viver como um espantalho
alegria de espantar os pássaros.

sexta-feira, dezembro 17, 2010

mistério

As luzes vermelhas pontuais refletem
um medo dentro
como se tivesse fora.
O avião passa riscando as nuvens,
algumas delas se inflam
são raios que as preenchem
centros magnéticos energéticos.
É fácil pensar nas explicações práticas, racionais.
É deslumbrante pensar no batuque de deuses muito antigos por dentro das nuvens.
O mistério está dentro do olho.
A coragem para se predispor a ele está entre.

terça-feira, dezembro 14, 2010

re

queria voltar a escrever.
acho que preciso reaprender um pouco.
minhas mãos estão tortas, tocam as teclas, o papel, com receio e pouco jeito.
na verdade é minha emoção que está um pouco rota.
pela primeira vez acho que a dureza surtiu efeito,
congelou um pouco esse mar de dentro.
às vezes olho-me de fora e sou puro silêncio.
mas não silêncio de estar,
vazio, sem preenchimento é que fico.
dizem que doença do peito é tristeza.
emoção mal formulada por esses encanamentos.
então talvez tenha que sair pelas mãos,
mesmo sem jeito,
mesmo egocêntrico,
mesmo sem mediações mais sofisticadas.
mesmo sem saber direito a que veio.
faz tempo que não choro, que não falo, que não sinto.
tenho esse sorriso estático.
alegria por não ter nada a mais.
alegria nilista esquisita.
talvez essa seja a normalidade.
não sei, nunca visitei esse lugar.
essa ausência de.
presença de muito pouco.
alegria fácil.
solidão que não arde.
quero voltar a mim.
voltar a sentir de novo.


segunda-feira, dezembro 13, 2010

re-ver-na-água-o-peixe

li vários emails seus e dela. comecei lendo os dela, e fui entrando num terreno estranho, úmido, verde. chorei até. era um território de emoções ainda vivas, embora podres. algo como uma floresta muito antiga. eu andei nesse pântano e reconheci alguma doçura, alguma maciez, o contrário da dureza e frieza que tenho agora. no meio das coisas delas comecei a ver coisas suas, emails seus. as cores eram azuis, e vermelhas, era estranho, mas você era muito mais familiar para mim do que ela. eu te reconheci, olhei nos seus olhos. vi as frases que trocamos no ano passado, e torci, sem ne mesmo perceber no início, para você. eu era a imbecil que entendia sempre muito menos. todo ano tenho bronquite, todo ano sou obrigada a repensar tudo. todo ano sinto saudades e muita tristeza.
é assim que todo ano te vejo, e sinto, e resinto, e te amo pra sempre. é assim que pelo menos posso, ao invés de parar de escrever, escrever algo que talvez não seja poético, não seja literário, mas sincero e um pouco doce como eu costumava ser.

foto

eu sou essa mão, eu amo essa mão.
a palavra é nua
e é também injusta.
mentiras não são mais verdadeiras se gritadas.
eu grito.
essa mão sob um fundo verde,
natureza selvagem
de algum país bem distante.
eu quero me misturar a essa mão.
essa mão que nunca vi desvestida de olhos,
esse tato que não alcanço.
paixão devastadora que me tomou essa mão,
essa foto dessa mão.
quase como uma pessoa,
ou um fato.

sábado, dezembro 11, 2010

cromático

quais as cores de quando se perde a cabeça?
todas.
mas nenhuma delas sei.
dentro do dentro do dentro
é a quentura mais fria.
olhos vivos, no centro da alma, sem sou.
olho a tudo indiferente.
emoção descontrole,
nada afeta o afeto sem cor.

quarta-feira, dezembro 08, 2010

sagitário

intensifico o breu, pois nele há oculto.
não há horário para a prece,
a escuridão me pertence
não como posse, mas como tenso.
abro os braços para aquele que tem os braços abertos,
entre passos trôpegos, descuidos,
vertical caminho de encontrar a sombra.
é luz,
e eu a levo.

gêmeos

É olhando para o alto
que horizontalmente divago.
Os passos estão dentro dos olhos
que se perdem a cada piscar.

Encontrada a lógica exata de um estar: muda-se.
um é mais que um,
dois é apenas símbolo
de um muito vago e imenso multiplicar.

segunda-feira, dezembro 06, 2010

novo

uma vez por ano uma senhora imensa se senta sobre meu corpo.
ela tira meu ar, e machuca meus ossos
quase até os romper.
ela não me fala nada. enquanto eu esmurro suas costelas distantes
ela sorri para mim explicando o mundo.
sua pele é suada e gorda, seu cabelo é imenso e sujo, sua pele é cinza, e acobreada.
de dentro de suas dobras eu grito impropérios, e busco saídas.
o som que ouço é quase o mesmo que emito, transformado pelas condições insalubres propostas por seu corpo.
sem ar, sufocada com o gosto amargo da tristeza ignorada por muito tempo, sou obrigada a encarar uma escuridão muito mais profunda.
meu corpo frágil, pálido, quebradiço, se faz de labirinto.

quando chego a sua última curva, certa de encontrar
o cerne,
encontro um espelho.
nele me recordo longinquamente.
é assustador e torna-se imprescindível voltar.
a mulher com suas tetas imensas me alimenta, e me deixa partir.
continua sorrindo impassível.

é quase irônico o modo como seu silêncio diz: talvez ano que vem voltemos a nos encontrar.

domingo, dezembro 05, 2010

lembrar

são coisas doces
e coisas ásperas.
que me tocam a língua cega
como quem não pode mais lembrar.
memória sem olhos
inesperado sabor
quentura ou corte,
metal do sangue
doçura escondida no ar.

sexta-feira, dezembro 03, 2010

gravidade

era desproporcional o peso que sentia subindo as omoplatas, puxando os ombros para baixo, arqueando o corpo todo. eu disse a ela que não conseguia mais amparar meu próprio peso. ela pediu que eu me calasse, pediu que eu me sentasse, e perguntou "você tá sentindo?". se eu estava sentido, estava sentindo uma série de coisas de sentir, talvez fome, talvez sono, principalmente a ausência de uma confusão. ela continuou "sentindo uma força imensa te puxando do centro da terra". então ela me explicou, que a força mais forte do mundo chamava meu nome do meio do mundo, e que todo o peso que eu sentia era ela quem segurava. eu fechei os olhos, e por um instante pensei que pudesse flutuar pelo quarto.