quarta-feira, junho 29, 2011

zahir

talvez nua, perdida no sem tato da escuridão
suspeitar um jaguar passando
no vão entre os dedos.


seja lá o que for

as sombras do amor deixadas no corpo.
a ressaca dos excessos.
olhar atravessando a porta,
o toque fazendo curva.
a secura de um silêncio desfeito.
a umidade do som.
coxas espalmadas,
espanto em palmasdalmas.


segunda-feira, junho 27, 2011

cronos

ouvi um relógio tocando lençois,
gritando números imaginários de fila de espera.
ouvi seu rumor, lento anticoração,
conclamando o mundo a uma só ordem.
ouvi o silêncio responder a cada batida com estupefação,
ouvi as gotas vazando em cima do tapete.
ouvi os segundos passando em semáforo e areia.
vi saturno estalando os dedos,
e caçando seus filhos a agulhadas.
senti a dor profunda do tempo pedindo por seus nove homens e mulheres,
olhando para o ar, na fila do horizonte.
segui os ponteiros,
que apostavam corrida uns com outros,
eterno retorno ao mesmo lugar.
olhei o relógio na minha mão,
olhei o relógio no meu peito,
e senti que ele era dor,
dor de algo que não é tempo.

quinta-feira, junho 23, 2011

6 da manha

e de repente ir numa festa e ouvir uma menina completamente adequada-linda falar do andrezinho, e de como - não - sei - que - não - sei - que lá. tamanha besteira, ali explícita na sala,
entre a poltrona bege e o tapete peludo. entre a casa perfeita e a vida perfeita.de repente sentir tão errada, e sentir tanto ódio. os papos mais imbecis. um machismo explícito. as meninas dançando michael jackson. os meninos bebendo red label. fim da vida, aquelas cores tão adequadas, cinza queimado, azul petróleo e bordeaux. bordeaux e não bordô, magina.
pequeno suicídio, amanhecendo pequenas vontades de abstinência, pavor e medo.

segunda-feira, junho 20, 2011

beijo partido

quando você abre dois dedos da janela e me olha passar
eu quase penso que você também é capaz de sentir.
quando você abre dois dedos da janela e me olha partir
eu quase penso que talvez isso seja o amor.
quando você abre dois dedos da janela para se esconder
eu quase penso que um dia tudo isso vai virar
uma onda enorme e carregar
a janela, a rua, a casa,
e até eu e você.

quarta-feira, junho 15, 2011

ar

o que você quis,
e eu tentei entender.
vendo as formigas subirem com paciência,
as mãos marcando o vidro embasado.

eu quis poder te dar algo para beber.
mas eu nunca soube se você preferia vinho ou cicuta.
eu quis tapar suas feridas te olhando.
mas elas eram escuras.

quando o barco partiu,
tudo ao meio deixou,
o resto virou mar
o além, já nem sei.

e isso ou aquilo
enfim
naufragou.

esse foi o começo do fim.

segunda-feira, junho 13, 2011

besteira

castiçal de aço não quebra. ele pensou na dureza dessas palavras e as lançou no ar: passarinhos de muitas cores apontadas: flechas. nada era inútil para aquele intuito. o vinho borbulhava o vermelho do céu de cólera. ariadne gritava presa no labirinto, implorando perdão. era soda cáustica o karma espalhado sobre suas palmas. o fio anoitecia os desígnios. tudo que era sabedoria matéria de se perder. mirava o topo da janela e o corvo transparecia indiferença no olhar. mas ela sentia que se movesse mais uma pena ele devoraria seu fígado.
então ela passava as tardes olhando para ele. aflita. implorando por suas penas. rememorando o tempo em que ele permitia seus passos. lembrou do vôo, da queda, do coice. lembrou e quis de perto o corvo. passar os dedos sobre seu bico aflito. a penagem afiada. quis antes o tudo. e talvez se cansara. embaixo dos seus pés o labirinto era o mundo. acima, o céu infinito - inacessível.

terça-feira, junho 07, 2011

poxa

tão bom ver as coisas doces que houveram entre nós.
feixes de sol invadindo a sala.
mas se esse calor encarna em saudade,
é uma pena,
você fala coisas duras,
coisas escuras.
e eu me fecho,
transformo a doçura em território intransponível.
talvez você ainda me odeie,
e eu ei de compreender.
mas será que você não percebe,
que a gente só odeia,
quem a gente ama?

segunda-feira, junho 06, 2011

trouxa

eu sempre soube que quando eu olhava para o lado você roubava minhas coisas.
eu sei. sei que é uma acusação forte. mas não há de haver peso, quando nunca antes houve.
quando você roubava meus lápis vermelhos,
minhas borrachas persas.
quando você roubava meus encontros,
meus desencontros.

foi quando eu percebi que você queria roubar eu
que me apaziguei.
que você queria ser outra coisa
que não era você
e que talvez fosse eu.

isso você nunca vai ter.
a água quente e lenta de um ser em suas diferentes facetas.
nem monet pode com isso.
então te dou de presente todas minhas coisas.
te dou meu estojo.
te dou até meu coração.
para que você possa fazer mais do que pode,
para que enfim você possa roubar algo legítimo,
no mínimo - a vida do instante.

domingo, junho 05, 2011

lua vazia

Não sei porque estou tão forasteira.
Tão esquiva ao toque,
curtindo em madeira nobre
o gosto estranho dessa solidão.
Não sei daonde veio e pra onde vai.
Não sei onde meu gêmeo foi se esconder.
Não é frio,
não é cansaço.
É o imperativo do só,
dama de copas quietinha no seu castelo.

sábado, junho 04, 2011

soluço


sobram passados
inconcebíveis.
vicejam futuros,
nus,
brancos,
deitados implacáveis
no olho do olho de tudo.
não sei porque
quando falei dele chorei.
algo me escapou,
como a ordem,
como tudo em seu devido lugar.
sentir embaralhou o antes e o depois,
e repentinamente,
lembrei do agora.

sexta-feira, junho 03, 2011

common reaction

finja saber e te surpreenderá amanhã o gosto propenso de uma flor mastigada em cada pétala. o som branco se rompendo entre seus dentes. a carne tenra adentrada por seus dedos. não me engane saber o gosto salgado da escuridão. nem tudo se conhece, nem tudo se compara. você só conhece aquela música, não me venha com palavras soltas. seus acordes maiores são bobagens soltas no ar. eu te olho acordada e sei que algo te escapa. e meus dedos. procuram, tocam, embaixo de lençóis infinitos. sua brancura me machuca. a areia do seu beijo rompe o segredo da minha pele. nada disso restará depois de vento passado. você acorda. e nunca ainda saberá.

quarta-feira, junho 01, 2011

aquilo

ela: delicada, quase vinte anos, contando ladrilhos azuis esperando por ele.
ele: do tipo sempre atrasado, com a barba imberbe e orgulhosa dos 18 anos e meio.
eles: olhando-se tímidos enquanto a mesa girava. - que faculdade cê tá tentando prestar? - girava - prefere bigode ou barba? - girava - bebe mais uma? - girava - gim com limão - girando.
e ali, num fundo de garrafa qualquer
restava o essencial preciso
entre o Antes, e o Aquilo.

Antes de todas as intenções se desabrocharem com o teor do álcool,
em cama, língua e esfinge.
Aquilo que é mais que nada,
muito menos que tudo ainda que nunca será.

banais os copos vazios,
os assuntos estraçalhados em plena terça feira,
a inútil madrugada.

entre o Antes, e o Aquilo,
humilde reinava,
em cheio o instante.