sexta-feira, maio 29, 2009

escrevendo

eu poderia
e eu posso
todo dia dizer
que nunca mais vou te ver.
eu posso
e assim faria
porque quando amanheço nem bem o dia
logo te vejo
tão logo no espelho me reconheço.
e também te vendo
vivendo
enxergo dentro de cada grão
de música dor e poesia,
e perpetuando em são
a matéria desse amor doente e fraco.
pois é nesse fim que tem o embate,
e sem nos achar é que te encontro
e te amo e te levo,
até o longinqcuo fim de isso que chamamos,
temporário desencontro.

nós

pegou na minha mão de modo desajeitado. deixei-a tesa, quis essa frieza. desistiu dessa pouca hipocrisia e pegou meu rosto, já com as mãos molhadas. aqueles olhos, aquela pele marcada. a realidade de um corpo presente. ela ali, e eu lá. éramos uma soma que não se concretizava. agora eu tinha suas mãos nas minhas, agora eu olhava o seu rosto que também me olhava. nosso olhar se encontrava apenas longe, e fugia. tinha um som das matas esse nosso encontro, e um silêncio denso. era cheio de escuridão aquele tempo, aquele minuto de adensamento entre dois corpos que existem. meu desejo de ver essa realidade se transformando em presente não bastava, eu era esse um que a olhava. e ela calada também me guardava. esperávamos nesse silêncio mútuo o instante em que nos revelaríamos, que talvez uma matéria bruta - alma - inflasse essa pele de um encontro, direcionando a tudo sentido. esperávamos. em vão éramos essa foto. esse retrato de uma mesma solidão.

la jetée

para ela o presente era o entre corte de uma sequóia,
para ele era partir da sua morte,
como se o nascimento fosse infinito.

gamos

essa farpa que vejo se formando nos seus olhos como um oco que sinto por dentro como essa ventania densa de um mar que se abre e que é um abismo.

ontem

você não bebeu o copo de água que pegou para mudar o assunto que de repente não mais te deixava em paz. há tantos anos essa água que você não bebeu, não virou cinza nem apagou, caiu do copo e marcou aquela mesinha pequena e escurecida. há tantos anos você deixou essa casa por tantas vezes que mudou o mesmo assunto e de repente não tinha mais lugar para algum de nós. foram tantos anos e tantos assuntos, tantos erros, tão insistentes, parecendo tão pouco enquanto eu olho essa marca antiga na mesinha. ontem você nos deixou, e tantos anos passaram, que todas as memórias já deixaram essa casa, deixando só essa mesma mulher num retrato preto branco e cinza, olhando, guardando, a mesma antiga mesinha.

segunda-feira, maio 25, 2009

sobre

essas pessoas queridas
de um passado querido
de quando eu era doce.

quarta-feira, maio 20, 2009

literatura

ela escreveu.

pegou uma nuvem que flanava no ar.
e d-escreveu.

quarta-feira, maio 06, 2009

quartzo polido

entro em vagões lotados de serviços mal utilizados de transporte público.
sendo uma multidão que se dispersa,
perco um nome e esqueço seus rostos.
esse olhar leviatã, dentro de tantas faces,
se envolve, se perde.
fotogramas de uma mesma solidão,
apreensão instantânea e fugídia de uma memória coletiva.

terça-feira, maio 05, 2009

galhos

na hora de juntar os talheres em prece o mundo começava seu fim.
chuva sem lágrimas
como um acesso de raiva,
o vento seco que levava o resto
de todas as coisas aos nossos olhos.

deixaram-nos numa rua conhecida,
tão pequena agora, quase beco.
uma rua de segredos,
uma rua de passados.

descemos com coragem
e encontramos a escuridão
enfrentada de cabeça alta
em todos lances de escada.

uma porta que se abre
e revela
um mundo escondido enquanto dormiamos.

centelhas de passado
presos num graveto.

entramos no quarto
e nos perdemos.

segunda-feira, maio 04, 2009

bode

quando a conheci ela achava que sabia de tudo.
andava com os olhos para dentro,
fitando o horizonte.

quando a conheci ela usava coletes
e não bebia cerveja.

apaixonei-me como sempre errando,
como sempre errei,
como quando acertei foi porque nisso não tive exito.

hoje ela diz que bebe gim
diz que bebe rum.
hoje ela diz,
e acha que sabe de tudo.