segunda-feira, dezembro 22, 2008

ébria

dentro de mim metade vivia na completa escuridão
metade no resplandecente e luminoso caos.

gaia com suas tetas enormes no começo de tudo me pegava no colo e enquanto eu sugava a cerveja espumosa que saia de seus mamilos me contava:
caos era a escuridão indeterminada.
o par perfeito da desilusão e do breu,
nenhum traço conhecido.
e então gaia nasceu,
pois já vivia, latente, dentro da escuridão,
dentro do seu pai caos.

assim como ambos vivem dentro de mim,
assim como a única condição para que esses mitos fossem criados é o de que eles existissem dentro de cada um, dentro de todos, dentro de um só.

a morte e o desejo,
a petulância e a sabedoria.
deuses intrinsecos,
arquétipos em estado puro.

e era assim que eu voltava pra casa ébria e não sabia as contramãos do pensamento.
eu vislumbrava seu rosto,
luzes intermitentes a escuridão
pois minha retórica pode ser muito justa,
e até mesmo dialética,
mas o meu ciúmes, meu rancor,
minha animalidade...
não encontrarás exemplo maior de maniqueísmo.

então eu olhava pra cima, procurando os estandartes desses deuses,
procurando sequer uma resposta única.
e minha retórica esvaziava-se de rotina,
olhando a si própria com desdém.

você era tudo isso,
uma mistura inexata de baratos e afins,
e eu amando te odiava,
querendo por nisso tudo um fim.

teus desejos que te faziam puta,
a meu ver também eram o carinho,
que te consolavam no amor-meu-bem.

não sabia como te via,
nem sabia sentir saudades.
tinha medo, era isso,
o resto todo deixava pra mais tarde.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

sim

a,b,c,d,e;
1,2,3,4,5;
combinações fatoriais dum mesmo ser.
as mais óbvias
e as menos evidentes.
dou-te um buquê de flores pra te comer.
não te como,
tal pouco te desejo.
tenho o amor puro dos mais sinceros.
amor de ser perder pelas ruas de minas gerais,
em tantos balcões, sacadas,
em que marílias se perdiam.
meu amor é pouco.
meu amor é ralo.
meu texto é livre,
mas não meu amor.
nem minha vida.
taopouco o meu ódio.

a vida vai amarrando suas mãos grossas sob mim e eu ainda não peço pinico,
pois cócegas tem dentro delas prazer.

terça-feira, dezembro 16, 2008

sem título

"Te vi na esquina outro dia...você me pareceu uma pessoa que vale a pena. Queria saber se você não queria vir comigo. Quem sabe tomar alguma coisa naquele boteco ali, ou mesmo sair por aí nessa chuva. Você se importa em se molhar? Bom, eu ainda não sei seu nome e acho que isso não vai ser necessário. Vem comigo. Ando precisando de alguem como você. Só alguem que não tenha rosto e para quem eu possa criar um. Espero que você não ligue pra essa sinceridade. Você gosta de coca-cola. Coca cola é sempre um bom começo. Se quiser sair correndo pode. Aviso que é melhor sair agora e bem rápido. Prometo não te seguir, mas não sei se aguento te ver fugir. Aqui por perto estão meus amigos e não quero que eles lembrem de mim. Talvez até queira, mas quero estar bem longe quando isso acontecer. Vou aprender a gostar de café se você me ensinar. Pra enganar o cansaço. A uma certa altura não tem como não se estar cansado, né? Você está arregalando os olhos. Por que será? Arregale mais e vou conseguir ver o que você anda pensando. Só não me olhe como se eu fosse incompreensivel. Não quero que as pessoas notem isso. Tem muita gente por aí que também é. Olhe um pouco para elas. Não! Olhe para mim. Gosto quando olham para mim. Se eu desviar o olhar não ligue. Eu não quero ver. Você bem que podia pensar assim um pouco como eu. Não gosto de ser tocada. É sempre tão agressivo. Você não me parece uma pessoa agressiva. Deve ser louco ou passivo demais, pois ainda está aqui e não abriu a boca. Continue assim. É como eu queria. Você parece tão perfeito. Até me assusta. Sabe que eu sonhei demais. Com pessoas que eu nem conhecia. Meu corpo tá formigando. Eu inventei isso. Consigo ouvir uma música. Não deve ser a mesma que você está ouvindo. Sua cara está diferente. O que será que está acontecendo lá? Tenho medo de descobrir. Fique aqui para me distrair. Não me deixe pensar naquilo que eu não consigo parar de pensar. Estou um pouco nervosa. Daqui alguns minutos acho que vou te pedir um abraço. Daqui a dois dias já poderia te pedir um beijo. Bonitos esses olhos no seu rosto. Me empresta algum dia? Os meus já estão meio usados. Não. Não se afaste tão lentamente. Eu vou me virar. Corra o mais rápido que você puder. Vá para bem longe. Não venha mais para cá. Quando me voltar para esse lado não quero saber o que houve. Vou esquecer isso."


n.a.

segunda-feira, dezembro 15, 2008

sandman

filhos,
os conjuro.
os chamo do final da curva do mundo.
de onde a terra é seca
e a fome é tanta,
os conjuro.

venham andando meus filhos,
os mais rápidos,
uns mais devagar.
a mulher que deixou tudo para trás,
e o bom homem para quem tanto faz.

as rãs pesticidas do egito,
os chineses e seus murais,
os conjuro,
para vir de onde vier,
do final da curva do mundo.

que venham as criaturas vis,
perdidas em tantos mausoléis,
os pasteleiros de assis,
e o pastoteiro com não sei quantos rés.

espero pacientemente amordaçados de magritte,
com a cabeça nunca por descobrir,
as virgens reconstruídas da áfrica,
e as que defloradas foram
em outros tantos lugares.

com a cabeça baixa vou esperando,
brotarem da curva como água da terra,
as mais doces tenebrosas criaturas,
imagino paisagens pastéis,
e as espero,
enquanto o mundo desaba aos meus pés.

incontida

não sei porque toda a fiação estava a mostra,
o importante é que fazia sentido.
as pessoas estavam esquecidas por trás daquele muro,
uma ligavam, outras não,
a maioria não.

mas alguna choravam bem baixinho a noite,
quando nenhum feitor olhava.
a fiação estava a mostra e tocava no rádio uma música que poderia ser mexicana.

a luz branca da garagem criava espectros absurdos em todos os ângulos:
passageiros esquecidos em cada carro.

a solidão era aguda,
e nada mais fazia sentido de ser.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

os outros

fecha os olhos meu bem.
o ar que entra agora demora anos pra sair.

abre os olhos
não há luz.
há somente constelações imaginadas,
de quando perto da sua nuca.

tem sua mão e tem a minha,
solidão de não estar mais sozinha.
tem os outros,
é o que dizem.

mas somente constelações imaginadas,
de quando perto da sua nuca.

terça-feira, dezembro 09, 2008

anaugh

todos os dias se deitava no quintal e sabia que seu corpo ia coçar.
ela odiava se coçar todos os dias
e constantemente dizia a si mesma que nunca mais deitaria ali.

no entanto, no prenúncio da noite,
afogada pelos tons cruéis do crepúsculo,
suas costas voltavam-se para o leito da grama.
ela se deixava esvaziar das geadas de pensamento acumuladas pelo dia,
e as vezes sorria.

quando deixava seu corpo inerte,
ela perdia de vista as constelações,
e via escondida pela sebe do jardim,
uma menina pálida,
deitada na grama,
olhando as estrelas.

e as vezes sorria.

trem

era uma espécie de werther,
com os cabelos espesos negros,
olhando o mundo por sob os ombros.
angústia de lágrimas lavadas,
não conseguia levar o mundo no braço.
sentia o corpo dela próximo
e não sentia mais nada além.

se jogava no abismo de ama-la,
e esperava ser atropelado.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

beijo

um ela comia abertamente, como falando.
com as mandíbulas bem dispostas dilacerava os cereais emulsificados pela saliva. em movimentos redundantes desgastava a fera que dessa vez não a exterminara. o rebanho, por uma vez, era seu.
um ela que tinha no rosto semblante de vida e morte, a alma.
pois sentia nos olhos concentrada toda a atenção que tinha ao mundo.
sentia, por sua vez, os cheiros das esquinas. e sentia-se dor.
ouvia o corriqueiro,
esperava os fárois.
e as vezes falava demais.

e bem naquele buraco bem fundo dessa cara que um outro ela decidira se entregar,
quisera ela dizer o quanto precária a vida sem os buracos da cara.
quisera ela.
e bem gostada decidiu no buraco lancinado por o seu.

se mexiam.
por vezes mais,
por vezes menos.

ali naquele buraco da cara.

os anéis do imperador

entre os dedos os anéis do imperador,
passavam pelo castelo como segredos.
ninguém bem sabia onde estavam,
os anéis do imperador,
quando o dia começou a tardar.

a mulher que lavava o chão a panos quentes demorava,
caminhava seus passos sãos e seus embrenhada na escuridão.
o guardador de gansos dormia a sono forte,
embora não sonhasse.
no castelo nada acontecia,
como deveria de não o acontecer com toda história.
na câmera real o imperador tinha os olhos abertos,
fitava os horizontes escondidos nas paredes.
não pensava, pois nada era mais pensável do que se estar ali.
ele tinha as mãos dispostas ao lado do corpo,
nuas.

e nua também sua mulher,
e o encarregado das palhoças.

enquanto a noite eterna tomava o castelo,
passavam anéis no escuro,
os súditos do imperador.

mentira é um troço que inventaram

como você quer seu ovo?
eu adoro ovo mexido, mas não gosto quando fica borrachudo,
e eu amo ovo cozido, só que eu gosto só da clara, eu não gosto da gema do ovo cozido. da gema eu gosto no ovo frito.
pássaro, uma baleia, ou um macaco?
difícil.
pássaro, baleia, macaco.
queria ser um macaco,
que pudesse querer ser pássaro ou baleia.
então era você que você queria ser.
então canta pra mim.
foi uma ordem.
imperativos não concedem interrogações.
eu te amo imperativamente.

tnt

a menina loira estava na cidade,
e a morena do outro lado de tudo.
a outra ligou pra uma e disse,
voz azeda dos fios do telefone,
trovão, manga.
você gosta?
tenho medo e gosto,
quando sem fiapo.
achei tudo muito válido,
válido mesmo.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

aborto

era sábado.
o sétimo, e último dia.
levantando-se assim com pressa, com frio,
com as pernas moídas,
as juntas formigando,
os olhos cansados do sol.

era sábado,
embora fosse domingo e o apartamento cheirasse a mofo,
as coisas espalhadas pela sala,
jogadas no chão.
o sol que caminhava pela sala,
cada vez mais azul o domingo.

chorando dessa forma com as marcas de dedo presas a garganta,
sem forças nem coragem para chorar.
calado assim,
olhando os carros passando sombras pela sala.

era sábado a noite,
talvez fosse,
embora fosse um dia ensolarado.
e ele enrolasse as mãos nos pápeis higiênicos.
quando via o espelho sorria,
quando chegava carta tinha medo.

era sábado,
embora fosse um deserto.
e a sala vazia,
e o sol ausente.
e o seu corpo quase morto.

era tarde.

sem dor

se eu tivesse alguma coisa pra dizer, talvez eu dissese.
simplesmente assim,
como quem espontaneamente abre a boca e dela sai um sapo.

ou talvez eu risse,
porque teria em mim essa parte tão importante de você,
peça de um quebra cabeça maltrapilho,
coisas que nem se pensa.

tem eu.
e tem você.
em ordem nenhuma, eu e você.

te conheceria você?
e tu, o quanto de nós é teu?
pergunto-te sendo tua porque o amor é fácil,
e escorre dos meus lábios.

o amor meu bem,
está chamuscado.
fui abrir a porta e o sol pegou,
tomou pra si,
como um hélio contente.

o amor de carlos,
o amor.
sem lágrimas amargas,
nem beijos fel's.
o beijo minha cara,
chamuscou o amor.

e então você me beijou.

quinta-feira, novembro 27, 2008

odor

a noite com seus ombros lilás,
cai sob mim.
as janelas tão pouco me dizem,
e escuto o seu telefone tocando do outro lado da cidade.
- sou eu quem te liga.
os seus sonhos escorregam da cama com gentileza.
alcançam o chão, massa porosa,
abandonam-te no meio do breu.
os meus sonhos te enxergam,
és de outros,
e não me pertence,
como nunca pertenceu.
chamo teu nome, grito teu nome,
essas vozes não deixam meu corpo,
no entanto percorrem cada nervo, cada pelo.
enquanto você se perde na sua noite,
eu te procuro na minha.
nesta guerra de trincheiras ninguém ganha,
ninguém sente o teu cheiro.

domingo, novembro 23, 2008

filosofia

não.

ela dizia não como se a noite não estivesse fria e os pingos de uma chuva imaginária não nos alcançasse nas vértebras.
ela sempre se declarava baseada em inverdades, e
conforme os dias passavam, ele começava a duvidar.

então será que não era realmente ruiva
e talvez não gostasse da hora da noite em que apareciam os morcegos?
ou talvez mãe não tivesse,
nem medo de barata.

enquanto olhava fundo nos olhos dela se sentia bem ausente.
tinha seus peitos sob o queixo,
as mãos nas mãos nas mãos:
ausente.

sentia-se como um pedaço de carne mal carpida,
aninhado nos braços de uma desconhecida.

sentia como ela o via,
como uma porção qualquer de cabelo em que pudesse exercer seu cafuné.

contava segredos e sabia que não seria ouvido,
ouvia tudo o que dizia e não sabia se acreditava.

ia dormir intranquilo e enquanto sonhava a via de fato:
ela sorria e era verão.

sexta-feira, novembro 21, 2008

ilusão

quando ouço sua voz queria desligar a luz dentro de mim,
e ouvir-te plena e nua.
sem interferência.

saberás

uma coisa atrás da outra.
o método do que aconteceu.
perguntaram quem eu era.
e eu respondi.

eu era o que fora de mim me repetia.
os discos os livros, os conhecidos.
e que fora de mim não me era,
isso era o desconhecido.

e de repente o que de mim o que mais eu gostava.

um ano vazio se passou.
livros lidos,
logo apagados pela velha amnésia.
o que será feito nesse antigo ano?
coisas feitas por alguém que não jurei lembrar.

eu escuto sua voz e quantas barreiras ela vence na noite.
é frio e a paisagem mais verdadeira do que nunca consegue chegar a esses olhos caducos.
a vida é bonita e sempre é.
basta os olhos bonitos.

não quero me restringer a fazer algo bonito,
até porque quanto mais o penso mais me afasto,
da sinceridade dura, seca, dentro de mim.

seus lábios estão úmidos, seus seios permanecem distantes.
todos seus traços confundo com melodias,
infames, infames.
morro na praia da sede de te enxergar.

um dia me olharás de um porta retrato.
e esse olhar obliquo,
agudo.
é o que restará de um amor morno como uma quentinha esquecida frente a porta.
e meu amor viajará com o mesmo vento do filho pródigo.

não sei te explicar minha independência.
mal sei te amar.

quinta-feira, novembro 13, 2008

pictórico

os braços nus recortados sob o fundo absolutamente negro
paralisados em pleno movimento
terminavam os pulsos em bocas
abertas e falantes
"carmim, carnudas, vermelhas".
os dentes amarelos de tanto fumar
tanto falar com as mãos.
os olhos feito pedra
de tanto observarem de seu loginquo desespero.

ela tinha a habilidade de deixar-se falar por horas sem ser,
postava-se no alto daqueles fárois boquiabertos e observava o mundo em silêncio.
o mundo em movimento.

terça-feira, novembro 11, 2008

manga rosa

as luzes avermelhadas que atravessam nossos corpos.
é eternamente manhã e suspiro,
porque não sei seu nome.
tenho embaixo da língua guardado um segredo.
mas ao contrário,
não tenho medo.
as luzes vermelhas que atravessam nossos corpos.
não existe tempo.

pois liberdade

no começo era o nada.

então surgiu uma caneta bic e dividiu a folha branca ao meio.

nesse dia Ele tinha Raiva,
e com Ela criou um sulco fundo na folha sulfite.

sulco fundo,

fundo e azul como o mar,
filho d'Ele com Raiva.


e então,
fez-se a luz.

e todo um mundo enorme e vasto fez-se para além dos limites do sulfite.



esse mundo tinha montanhas e cabras,

insetos e alcoolatras,

sodomitas e unhas encravadas.

tinha também coisas mais estranhas ainda.


e além disso tudo, nesse mundo também vivia Ele.

e Ele,
caro leitor,
estava bravo como se a semana tivesse terminado,
rabugento como se nada tivesse sobrado,
triste como se todos os seus filhos fossem macacos,
e acabado como quem acabou de ser chifrado.

segunda-feira, novembro 10, 2008

meta tédio

que merda
não é nada disso que eu queria falar
eu queria falar desse tédio imenso que ocupa tudo,
dessa coisa de não pertencer a nada.
dias e dias e o mesmo saco cheio.
as mesmas pessoas chatas.
os mesmos livros
os mesmos discos.
a mesma falta de paixão.
eu não queria dizer de nada disso,
porque escrever disso tudo daria um texto tão mediocre quanto essa vida.

quarta-feira, novembro 05, 2008

esmiuçar

não sei bem dizer porque quando sinto não é imaginando.
talvez um pouco,
mas é tão fora de mim que tudo se passa,
que talvez não esteja no direito.

talvez seja como uma praia amanhecendo,
amanhecendo sempre, sem nunca aparecer o sol,
só aquela luz atrás do morro,
tão forte que deixa tudo branco.

e o mar vem mansinho,
como que domesticado,
lamber os meus pés com sal.
aqueles sons do mar,
inclusive o silêncio,
indo e vindo e me dizendo da vida,
desse ritmo indeciso de termos de ir cumprindo.

nessa praia meio claro meio escura não tenho rosto.
nem rosto nem eu,
ainda só aquele antigo hábito de continuar existindo.
nem forma
nem conteúdo.

acho que em todos os lugares onde eu to,
eu to muito mais vezes nessa praia.
têm o silêncio e tem a solidão,
e tem tudo muito bem explicado sem palavras,
só amplidão.
essas coisas nos dizem tão bem.

então eu mergulho numa escuridão profunda,
e isso é abrir os olhos e ver que continua ali,
esse dejeto que sabe muito pouco,
com tantas pessoas acostumadas a calar a vontade,
e de aceitar como natural a convenção,
e como excessão a natureza.

novamente eu acordo,
me sinto mais triste e mais só.
me sinto mais cega e mais sã.
em mim quase tudo me repete.
minha alegria é ter um corpo.

terça-feira, novembro 04, 2008

breu como carvão

apague essa luz fora de nós.
expulse das nossas mãos todo o ruído,
todo suspiro.
porque sempre úmida a sua boca.

apagar a luz e ouvir a sua voz,
perto longe de mim.
era outra pessoa,
você era
e eu passava a ser.
vontade de ver,
chá de tarde,
vinho de madrugada.
eu ouvia eu ouvia,
repetidas vezes até me embriagar.
eu escrevia e escrevia,
nunca escrevi tão mal.
queria ter pra mim esse abismo que você inventou pra você.

platão

sábado de manhã e eu passo na sua rua de carro.
ainda não tenho a coragem de usar os meus pés.
vou de carro,
passo rápido,
dói meu pescoço de tanto dobrar.
não encontro ninguém
e não vejo nada.
só uma janela, um lustre, uma luz esmaecida.
livros que nunca lerei.

terça feira às 7:00 passo de bicicleta,
mudo meu caminho,
procuro uma resposta.
uma janela fechada.
persiana azul.

outras tardes da mesma infância persisto.
quantas janelas encontro
fechadas.
quantos segredos guardados
por trás de quantas portas.
todo o mistério melhor desconhecido.
e tudo o que melhora com o tempo.

a mesma infância no peito,
fios brancos no cabelo.
paredes,
ângulos principalmente retos,
alegrias, dissabores,
jantares e folias.
dentro das casas ainda segredos,
que agora também a mim guardar.

passam os anos.
às vezes ainda volto à mesma janela.
você às vezes tá em casa,
abre a janela para acenar uma saudade.
prefiro que não,
corro enquanto é tempo.
durmo e não deixo de pensar,
persiana azul..
durmo bem.
sou pura à tarde e à noite.
amo em segredo,
e só para mim.

segunda-feira, novembro 03, 2008

cinema

Tudo no cinema a repetia em seus hábitos.
Preferia a vida assim,
vendo-a passar pelos olhos,
sem nenhum esforço para que as emoções a tomassem por inteiro.

Vendo agora com as luzes ainda acessas
podia ver o mau estado das paredes,
descascadas,
ou enegrecidas.
Também sabe na vida as porções rotas,
e esperaria da escuridão nada menos que o total encobrimento.

Pronto.
Apagaram as luzes.
Agora nos aprumamos nos assentos,
paramos de olhar para os lados.

Pronto.
Agora começa a vida.

domingo, novembro 02, 2008

azular

disseram certa vez que o azul era derivado do preto.
o preto tão sem cor preto.
tão só preto de ser bom fazer um par,
só com o branco.
esse preto.
era dele que o azul derivava.
tão color azul,
tão explícito cor.
direito da grama vida: verde
direito do céu do mar: azul.
então abria meus braços e segurava o ar dentro dos pulmões,
mergulhar nesse azul era eu,
da cor do ar.
azul não se focava,
azul amplo mistério da coisa.
azul todo mistério.
azul que é a cor exata
do mistério.

quarta-feira, outubro 29, 2008

verdade

eu já tentei te falar,
várias vezes.
mas todas essas vezes, quando eu abria a boca,
eu via o mundo como se fosse você,
e os planetas e seus aneis todos se reorganizavam nessa ordem maluca
que você inventou para a vida.
eu queria te dizer do silêncio,
do silêncio que de certa forma é o que mais fala em mim.
não importando o tempo e o lugar,
eu sempre me sinto sozinha,
porque no fundo no fundo,
eu fico com o silêncio.
e você até tenta me escutar,
mas quando começa a existir,
já é barulho demais para mim entender.
então eu me esvaio pelas suas mãos,
tão logo você começa a sentir.

terça-feira, outubro 28, 2008

tanta bobagem, e mesmo amor

também nu o teu corpo,
sem umidade,
mamilos rijos.
frio nu,
seiva bruta.
extraindo suor,
crava suas unhas sob a minha pele,

mesmo quando verão.

de cor

o coração palpita.
esse é o seu verbo.
(podia preferir ser o seu óbvio).
a cada ritmo inscrustrado no pulso,
(no pulsar do segundo).

penso em.
penso você.
mal penso,
palpito.

prazer

a única coisa que eu queria naquele instante era poder me diluir o suficiente, para com o meu atrito, fazer coisa tão certa quanto o que eu senti só de te ver. era pegar essa sensação sem nome no ar, e saber te-la pra mim. mas não, acho que o único jeito de pertencer a solidão (dessa sensação) era te ter. te ter - nas mãos.

costas da áfrica

sim, era constrangedor existir
ali,
defrente de todos.
existir era certamente um ato público,
uma imposição.
e nós que nos conheciamos muito bem,
nos amávamos mais uns aos outros,
e cada vez menos a si.
porque era constrangedor demais amar a si.
e então você via o brilho nos meus olhos,
e acreditava nas minhas mentiras.
a noite caia,
mas não todo o resto.
restos de corpos abandonados na praia,
mas não.
eu ia e dormia sozinha.

domingo, outubro 26, 2008

noite

acho que não conseguia mais me ver.
espelhos? não me revelavam nada.
então por mais ridículo que fosse o parecer
eu te perdia.
travava as papas na língua,
e sonhava.
era te vendo
que eu me encontrava.

terça-feira, outubro 21, 2008

polução

os dois andavam juntos apressadamente, sem nenhuma razão para isso, já que era férias e o dia nascia sonolento. não sabiam que com os passos marcavam a areia, e a praia, que era plana e enorme, os agasalhava entre a serra e o mar. desde horas involuntárias conversavam verdades, e era isso o que mais os impressionava: tudo o que se diziam parecia estar cheio de uma verdade nunca antes assumida, por ninguém, e nunca.
um contava de tempos imemoriáveis, quando o sexo ainda era o vício de roçar, e do que mais nem se lembrava lembrar, e o outro ria, cada segundo mais amanhecido, se perdendo num caminho já trilhado, mesmo que por outros passos.
divisava a luz que vinha bem devagarzinho sob o mar que batia nas pedras. minúsculos pontos claros, como um cardume de pequenos peixes destemidos, batendo impetuosamente contra as pedras.
o um pegou na mão do outro, sabendo que errava. e o mesmo sorriu, porque já estavam longe demais da casa, e o dia já nascia. o outro sentiu algo dentro dele como pequenos pontos claros que batiam contra uma imensidão de pedra. e algo no ar se desfez.
e assim, bem num de repente, não podiam mais se dizer bobagens. sentiam novamente aquela incômoda pressão nos peitos, vai ver de descer a serra, ou muito mais ainda do constrangimento de existir um perante o outro. e repensavam, e arrependiam, e antes pensavam, do que faziam.
o outro olhou para o mar, e percebeu que algo mesmo tinha mudado. isso era quando deixou de ver os pontos branquinhos entre a pedra e o mar. e assim não teve a coragem de olhar para o um, de checar nos outros olhos se algo mesmo se perdera, em algum momento entre a escuridão e a claridade.
então estava em tudo ao redor deles, não precendia palavras, porque era, todo, o silêncio. não voltavam para casa, e não voltariam.
estavam com pressa, e iam tateando o horizonte, como os adultos que eram, que logo menos tornaram a ser. silenciosamente apressados.

polução

os dois andavam juntos apressadamente, sem nenhuma razão para isso. era férias, o dia nascia sonolento, embora soberano. nem sabiam que com os passos marcavam a areia, a praia era plana e enorme, e os agasalhava entre a serra e o mar. desde de horas involuntárias conversavam verdades, e era isso o que mais os impressionava: tudo o que se diziam parecia estar cheio de uma verdade nunca antes assumida, por ninguém, e nunca.
um contava de tempos imemoriáveis, quando o sexo ainda era o vício de roçar, e o outro ria, cada segundo mais amanhecido, se perdendo num caminho já trilhado, embora por outros passos.
divisava a luz que vinha bem devagarzinho sob o mar que batia nas pedras. minúsculos pontos claros, como um cardume de pequenos peixes destemidos, batendo impetuosamente contra as pedras.
o um pegou na mão do outro, sabendo que errava. e o mesmo sorriu, porque já estavam longe demais da casa, e o dia já nascia. o outro sentiu algo dentro dele como pequenos pontos claros que batiam contra um muro de pedra. e algo no ar se desfez.
cada passo dado deixava mais longe a noite, até que todos os seus rastros ficaram com os traços de cinza e de azul, junto à escuridão.
e de repente não podiam mais se dizer bobagens, de repente sentiam novamente aquela incômoda pressão nos peitos, vai ver de descer a serra, ou muito mais ainda do constrangimento de existir um perante o outro. e repensavam, e arrependiam, e antes pensavam, que faziam.
o outro olhou para o mar, e percebeu que algo tinha mudado, quando deixou de ver os pontos esbranquiçados. não teve mais coragem de olhar para o um, de checar nos outros olhos se algo mesmo se perdera, em algum momento entre a escuridão e a claridade.
já não era tempo de conversas, seguiam com a mesma pressa de sempre, e os olhares paralelos. não voltavam para casa, e não voltariam. estavam com pressa, e iam tateando o horizonte, como os adultos que eram, que logo menos tornaram a ser. silenciosamente apressados.

serpente

uma mão respirando o seu ar por debaixo da blusa,
fazer verão ou transpirar.
uma voz que arranha a pele,
um nome proibido,
a loucura.
essa noite bem oculta,
e a lua escondida de mim.
o que não pertencia e seus olhos,
por alguma razão desconhecida,
me enchia de dúvida
e de outras coisas.
até se transformar em vício,
e sermos um mesmo corpo a vontade sem medo do vento.

natureza morta

sei que morno e escuridão,
o alcance daquela melodia.

aquela porra me tocava num fundo tão fundo
que era bom. não tinha controle,
e dava vontade de morrer.
era um fundo tão escuro que nada mais na vida vadia.
fundo tão morno que na cama,
bem a noitinha, eu chorava muito.
ressucitar a vida num corpo oco,
é com a força do pensamento desorganizar todos os ponteiros.

segunda-feira, outubro 20, 2008

artrópode

entrou dentro dos meus olhos sem esforço.
e dentro do meu calor
pôs a mão.
sem cantar
cantou
e sem querer
quis.
quis
e para mim cantou.

vício

o que faltava,
para também entrar nessa sua escuridão.
(com que trajes)
(com que idéias)
em que esquina encontrar a coragem,
e em que rua perder.
com os olhos abertos,
embrenhar-se
na gota úmida da solidão.

impessoal

eu só vi a noite.
as ruas cheias desse escuro tão denso,
intermitentes luzes laranjas.
eu podia ser aqueles pés pelados andando pelo asfalto.
eu podia pisar em tantas e tantas poças sem ligar.
eu podia,
toda essa poeira do mundo.
era não te ter ali,
densa, afundada no para sempre daquele segundo,
que eu ficava sem ar dentro da madrugada.
caras e bocas ausentes em mim,
e único rastro o vento
(pelo menos pra mim).
mas era sem razão,
toda equação ia desmontar,
esperar te ver,
e por fim encontrar.
era mentira,
e enquanto fosse era com o vento.
amanhã era segunda,
e todas as mentiras eu já escolhi.

domingo, outubro 19, 2008

esperança

Sentir a tua mão como as formigas que vão em direção ao meu colchão.
Perceba que os mortos perdem o calor, mas não a umidade.

segunda-feira, outubro 13, 2008

primeira pessoa

em mim não mora eu.

sábado, outubro 11, 2008

ansia

eu tinha medo e tinha ódio. tinha vontades e frustrações.
agora, a essa hora da noite,
eu só tenho enjôo.

castelo de cartas

Coloco gentilmente a terapia e a estrutura familiar próximas, para que num equilíbrio impossível possam sustentar a produtividade diária. Ao lado faço o mesmo com o acordar cedo e com o afeto dos outros, para que assim possa gostar mais de mim. Tomo cuidado para separar as cartas alcoolismo e loucura do baralho, deixando de sustentar uma certa liberdade da qual só ouvimos falar. Sem querer pego culpa de classe e com ela dever, que amparam o castelo todo. De resto, seguro todas as cartas com os braços, esperando cheia de angústia o dia em que um sopro prolongado o fará ruir.

quinta-feira, outubro 09, 2008

versão 2

Eu acordei, porque todo dia eu acordava.
Disse bom dia para minha mãe, e mais nada.
Passei motorizada pela guarita,
zunindo pela marginal.
Na minha classe era só um número,
saí fui a terapia,
acesso de histeria.
Voltei para casa, e nunca fui eu mesma.
Fui dormir, esqueci a dor acessa.

quarta-feira, outubro 08, 2008

cotidiano

Eu acordei, porque todo dia eu acordava.
Eu disse bom dia a minha mãe, e então eu era filho.
Passei motorizada pela guarita, virei um inquilino.
Zunindo pela marginal, parte do fluxo matinal.
Cheguei na minha classe, era apenas um número.
Quando saí, fui a terapia,
tive um comum acesso de histeria.
Voltei para casa, e nunca fui eu mesma.
Fui dormir, esqueci a dor acessa.

domingo, outubro 05, 2008

sanduiche de queijo

você com os pés tocava, as linhas imaginárias do meu corpo.
não bem sentia o que parecia óbvio, e os movimentos regulares mudavam de plano,
subia as pernas rodando, acareciava um além-joelhos.
então sua boca voltava a minha, e mais uma vez lânguida e confusa eu imagina sua boca úmida ser vulva, assim como a minha.
eu, ainda corpo distante do seu, o pressionava contra seus joelhos, e lá de cima você olhava, contente, como quem vê uma corrida de cavalos no jockey.
eu também sorria nesse outro mundo meu. o mundo todo estava a frente dos meus olhos, e em volta de mim. era noite e os vidros embassados. tinha um pouco de medo, mas medo é bom, não faz tudo ser sem preço, e assim indevidamente e total - real.
íamos uma em direção a outra, porque agora os vidros embassados eram olhos, os nossos, e o mundo ficava mais longe, virava fundo. sua mão debaixo da minha blusa tentava alcançar um silêncio (o silêncio de depois). nossas pernas convulsas eram nossas. uma a uma, outra a outra, acho que a gente se amava.

De Novo

tem vezes em que é preciso dizer quase tudo com uma imensa prontidão.
eu trago às palavras a pressa, enquanto a boca fica seca.

tem então as outras vezes, olhares que passeiam nus,
vezes que me perco de todas fomes.
pra essas ainda não inventaram as palavras certas.

antigo

eu to com medo.
com tanto medo.
eu olho pro espelho e tem uma pessoa lá me olhando.
eu gosto dela,
acho uma pessoa meio doce,
adoraria beber uma cerveja com ela.
mas daí eu olho pro outro lado e me esqueço,
e volto a ser eu.
e ser eu tem sido:
cadeiras se arrastando na varanda.
estou com medo.
me dá um abraço?
me protege da loucura?
eu não quero estar aqui pra ver ela chegar.

quarta-feira, outubro 01, 2008

tristeza

amanha vai ser um dia triste.
não por nada, mas sei que é dia da tristeza chegar de mansinho e dar um abraço apertado.
e não que ela tenha nada de mal. é só você pensar o que é a tristeza,
e ela vai embora. escapa das mãos.
ela não gosta de ser objeto de pesquisa.
mas a merda mesmo é que ela tem sempre alguma coisa pra incomodar você.
ela é como aquela pessoa que quer sempre te abraçar e por você tudo bem e coisa e tal,
mas aí você percebe alguma coisa muito chata. percebe o quanto é agressivo aquilo tudo.
ou o quanto o cheiro de sono daquela pessoa te desagrada. e dá vontade de fugir, e não estar ali, e não conhecer ninguém.

como fosse madrugada

gosto tanto de uma dessas músicas de bossa nova (acho que era vinicius) que o rapazinho lá diz que então amanheceu chutando pedras pelo chão.
quando tenho vontade de escrever acho que é quase isso o que quer sair de dentro de mim. é muita solidão e muito silêncio. e tanto que chega a ser patético o paradoxo de isso ser escrever. expressão é interferência. né coisa de um só não.
bom, mas é como isso. nesse fôlego antes de escrever, quando o batimento vai aumentando até o um segundo antes do gozo dá vontade de vomitar uma coisa que é como amanhacer chutando pedras. o dia tá nascendo. e isso quer dizer que tem o lirismo implícito. mas também te mostra o quanto pouco você é de você mesmo. você era seu ontem, sabe? na madrugada. achando que a escolha de beber e perder tempo esperando o improvável era sua. e daí o solzão chega e você é aquele ser meio sujo, meio empoerado. meio coisa de ontem. você precisa ir pra casa porque independente do que você fizer já é dia. e não tem mais manhã pra perdoar os seus erros de juízo.
mas você não olha pro sol. você olha pro seu pé como um fetiche. você gosta do fato de que é uma manhã e que tá todo mundo de saco cheio pegando ônibus lotado pra ouvir conversa de boi. e que talvez eles olhem pra você e não gostem. mas você sabe que eles não te enxergam, que eles não estão vendo nada, que eles passam como os dias, e que você não faz parte de nada daquilo. você vai dormir. mas antes disso pode ter raiva. enquanto ainda não fizer parte desse tempo biológico você pode cultivar sua úlcera. você chuta as pedras de manhã e não pensa se adianta alguma coisa. não relativiza sua ira para depois se desconcertar com todas as picuinhas "sociais".
não.
eles são eles.
e você é do tipo de pessoa que amanhece chutando pedras pelo chão.

brisa

você me pega assim bem de mansinho.
quando vem com esse vestidinho preto recortando as pernas como tesouras sei bem o quao úmida é essa mulher que vive em você. acho bonito e temo. te dou um beijo recatado exatamente por isso. você põe as mãos na minha nuca, sussurra segredos como silêncios no meu ouvido, e eu me sinto uma criança. e me sinto triste. e me torno um pouco menos sua.
então, tão cedo da noite, sinto uma onda passar pelo meu corpo todo. começa pelos dedos da mão, passa pelos pelos do braço, mas logo me toca, tão cedo me toma - por inteiro. e tenho vontade de espernear e de gemer e de gritar e de apanhar.
sou tão fácil. e me irrita. nem sempre me acompanha dessa facilidade física um outro se dar, metódico, esse difícil.
ainda bem que mesmo assim você vai me ganhando. bem devagar. quando me encontra nessa dureza da infelicidade, quando eu me escondo como um bicho na parte mais escura desse mim. ouvindo o barulho invisível de poças dágua. gotejar silencioso da solidão.
nesse estado sinto sua boca tão macia cheia de umidade (e duas bocas assim úmidas me lembram tanto vaginas), e sinto sua ternurna, e sinto seu sorriso e seu olhar me olhando. e não tenho vergonha de mais nada, dos ângulos mais sórdidos, dos cheiros mais recônditos. nesse instante eu confio em você. e me entrego como quem não sabe da morte implícita no vento. eu abro meus braços bem pra essa escuridão me invadir.
e assim, num bem assim, te desconheço. embora o possa, sentindo suas mãos me levando para a escuridão.

quinta-feira, setembro 25, 2008

quário

então era assim que eu te via dentro de mim.
no escuro de uma noite qualquer via-te andando de braços dados com o abismo, abrindo bem a boca, ver se dava pra beber água da chuva.
era assim, você decidia se entregar pra qualquer abismo, e eu bem não sei o quanto disso valia, o quanto disso era válido naquela equação esquizofrênica que eu desenhei pra vida.
sei que nela você não cabia.
não cabia mais.
um dia coube, mas então era eu quem não cabia.
aí eu parti pro mundo e você escapuliu.
saiu, era outra, nunca foi, nunca reconheci.
mas daí os abismos.
agora vem me explicar porque.
sabe o que (e grito com ódio bem em cima da sua cara,
com a raiva contida que você conhece, como mais uma das coisas que você conhece e que eu finjo que não, só pra te maltratar, pôr seu pé pra fora desse círculo que desenhei com giz, escorpião e fogo, alegria).
é que nessas horas eu posso ser você e você pode ser eu,
de tanto diferentes parecidas que somos.
de tanto que não nos pertencemos mesmo.
você perdeu o coração na guerra,
e eu perdi a guerra.
escuta, você me inspira,
muitas vezes na vida.
e eu gosto muito de você,
e talvez um dia, inclusive, admita.

quarta-feira, setembro 24, 2008

vírgula

abriu a porta pra deixar o mundo inteiro na porta.
sentiu nojo e como de costume cuspiu em cima de tudo aquilo.
vontade de comer pra matar o tempo,
nada de fome.
ou seria do tipo vampiro cheirado,
ou gordinha carinhosa.
ou um ou não.
carinhos pontapés.
queria alguém que a equivalesse.
difícil, ou cheiram mal ou pensam mal.
isso quando não é você fazendo os dois.

boa noite boa sorte,

terça-feira, setembro 23, 2008

bonobo

lá em casa todos temos carro. gostamos bastante de o ter, pois um dos nossos passatempos favoritos consiste em atropelar pássaros. quando andamos preocupados com qualquer coisa pela cidade, nos alegramos bastante quando os avistamos no asfalto. então com um sorriso no rosto e os olhos concentrados aceleramos o carro e esperamos ter sorte. se o acertamos a alegria é garantida pelo resto do dia, e ao voltar para casa contamos para toda família reunida em volta da mesa. porém, se erramos ficamos sérios, e esperamos consertar o erro antes de chegar nas redondezas da nossa casa. quando estou junto de mamãe nessa exata circustância, às vezes imagino que ela poderia dizer algo parecido com "como será que pássaros, tão verdadeiramente animais, conseguem viver em uma cidade como essa?", e que então eu poderia tristemente pensar "não são eles os únicos animais a viverem esse absurdo". porém, ela nada diz, e eu, portanto, nada penso. acostumadas que estamos em, tendo carros, atropelar pássaros.

sábado, setembro 20, 2008

úmido inverno dos trópicos

Abriu os olhos,
na boca palavra alguma,
nada palpitava.

No frio que não fazia
seus ossos estalavam úmidos.

O sol (leitosa matéria)
era tudo o que eles não eram.
Preenchia por completo,
solidez que ninguém anteviu.

Posta em liberdade por outro tempo,
assim,
a tristeza voltou.

úmido inverno dos trópicos.

2° tempo

um caos desordenado com vagas morais planando. então me coloco no mundo com toda a ambiguidade que me é justa. meu quinhão de bondade, meu quinhão de maldade, e toda sacanagem.

o mundo

Quando fico nesses estados uma porção de coisas acontecem.
Normalmente vejo as luzes da noite em tons de verde,
mas imagino que isso não interesse a ninguém.
O que talvez interesse mais sejam esses fatos banais,
de o viver com raiva, ou comiseração.
Imagino que culpando-os de qualquer forma.

Mas dessa vez não (não).
Dessa vez parece que com os mesmos olhos embotados
de mundo,
possa os ver como qualquer coisa como justa.

elizabeth

elizabeth pedia para nascer dentro de mim.
o dia inteiro
(ou o mês, a semana, não me lembro bem)
ignorava esses impulsos que julgava tolos.

porque, afinal, para mim escrever sempre foi o abrir de uma torneira sob pressão.
(inútil torneira,
consolando uma represa inteira).

então eu sentia elizabeth chamando seu próprio nome,
num fundo, bem fundo, de mim.

talvez durante o banho,
ou no trânsito,
em qualquer momento em que,
julgo,
elizabeth gostaria de estar.
(em qualquer banalidade própria da poesia).

a ignorei,
a ignorava,
pois sentia essa nova tristeza
(densa úmida e branca),
abraçando-me os músculos,
apertando-me os braços,
tesa - me chamando para dançar.

confundia elizabeth com essa outra de quem falava.
e para outra não achava lugar em vida tão vaga.
mal sabendo eu, que apenas comprava-lhe tempo
para nutrir-se do meu fígado,
espalhando-se como coisa contraída.

então um dia eu ouvi algo.
não tão longinquo quanto elizabeth.
fato certo,
me tomava imóvel,
puro ato.

era o silêncio.

no coração de uma cidade eu tinha os olhos abertos
e ouvia o silêncio.
era tudo o que escutava
e tão denso
que abria os olhos para o tudo mais.
ventava nessa ausência
e o frio apertava.

decidi-me por um pouco de solidão.
tirei minhas roupas
e talvez tenha cantado
(não me lembro bem, eram meados de setembro).

e assim,
nua, fria,
conheci elizabeth.
ela veio sem nada dizer
e olhava para um invés de mim,
resto roto
(ficou com o que a chuva não levou).

tinha-me segura entre as mãos transformadas em colcha,
absorta,
chamando um nome de eu.
elizabeth me cercava com seu calor,
embora não me aquecesse,
e dessa forma fui aprendendo seu nome.

assim a conheci.
tão doce quanto o pode a chuva.
assim que conheci eliza.

terça-feira, setembro 16, 2008

poesia

E foi-se o tempo em que, para ser bom poeta, era necessário cuspir sangue. Para ser bom médico, bastava a poesia de cortar a pele acessa, e dela ver brotar o mesmo sangue. Bom era o tempo em que vivia-se a lama grossa, e dela não se falava. Agora a lama do poeta maldito é não ter pro aluguel, agora a lama é levar corno (e quase achar bom).
Muito mais poetas as crianças viciadas em crack, equlibrando a boca entre a chupeta e o cigarro, náusea aguda, mas agora sem flor. Muito mais poetas.
Agora mal se escreve, surgem no horizonte apenas esses esquemas todos (tolos) da palavra. Ou de engenheiros, ou de desertores. Porque poetas não, apenas mal poetas.
E mesmo sabendo da hipocrisia de um cigarro acesso, mesmo sabendo da possível alegria de um poeta melancólico. Sabe-se que agora não há poesia, apenas má poesia.
Dos poetas de hoje, os sóbrios se entopem de história (ler escrever para se esquecer de ser), e os ébrios... ah, os ébrios.. contam o tempo em miligramas de prozac.

aforismo

não há resquício que se salve
sem que haja no olhar alguma perda.

que na água do balde eu vou-me embora

somos mais que sonho
sei percevejo o teu alcance
frango deslavado de uma dor
fino aceso desordenada mente
ruido deslavado
lavanderia
ladrilhos
luz lavada
na máquina de lavar
conexões rudes
concessões
porque eu, logo, sou rude.
primata
idade neo medieval
qual o seu nome
levar para a cama
e acordar com outra outra outra mulher.
três vezes mulher e outra.
acordar vendo a mulher da máquina de lavar
da lavanderia de ladrilhos lavados
do sol branco.
essa é a mulher.
foi dormir com o gosto de vinho azedo e o vestido.
foi dormir com o decote recortando o mar dos seios.
acordou com o sol lavando as ilusões.
acordou com vontade de coçar o cu.

samba sobre o infinito

cores sem cor
violinos.
ladrilhos furta-cor.
te espero abraço.
te quero leitoso fruto desenganado
ladainhas no compasso de uma mentira
(dançar essa mentira a dois).
quero-te quero-te
natural como um suspiro.
a imensidão do breu
em comparação aos seus olhos
nadademais.
o mistério das coisas que não sei o nome,
deixo de lado pra te procurar.
escuto o som do mundo.
deixo ele, massa impermeável, entrar em mim.
úmida da agua que escorre de outros olhos.
o céu está completamente cinza.
mas a praia abarca mil segredos
- ainda.
ando nesse espaço
entre o mar e o vento.
desenho nessa linha mil desejos,
de fundir-me mais e mais a esses contornos.
afogar-me na paisagem
e morrer para se igualar,
ao por do sol
nascer da lua.

sim

Sobre o que procuro
talvez encontre
talvez não.

Enquanto isso espero dizer muito sim.

quinta-feira, setembro 11, 2008

deus

eu não consigo mais escrever.
vai ver é porque parei de acreditar em deus.
não em deus-deus, esse velho barbudo que aparece a cada esquina.
outro deus...
o meu deus.

e na verdade ainda acredito nele,
acredito piamente.
o problema é que não acredito mais nele dentro de mim.
não imagino a mão dele no meu ombro como eu costumava.

mas deixa eu te falar um pouco do meu deus.
o meu deus é o silêncio.
o meu deus é a intuição,
o pressentimento.
o meu deus é o abismo entre a vida,
e a vida vazia.
o meu deus é a música,
é o amor que não sabe que é o amor.
ninguém pode (consegue, ou quer) falar do meu deus.
(nem eu).
o meu deus é a surpreendente alegria,
de quando tudo está suspenso,
funcionando bem, e sem peso,
na mais completa harmonia.
esse deus também é a escuridão,
(pois logo que se vê que é um deus sem culpa).
ele não pensa, porque não precisa pensar.
ele não tem metafísica, porque é metafísica.
e se esse deus tivesse forma,
então ele seria uma pedra.
não teria compaixão, taopouco piedade,
(com essa raça tão gasta que é a raça dos homens).
seria apenas uma pedra.

e se ele fosse uma palavra,
ele seria é.
seria é.
seria.

mas é.

mentira

o barulho da escada rolante do metro enchia de alguma coisa o que dentro mim eu chamava de peito. você, linda como sempre, relance do vento que levou minhas coisas embora, amarrava o tenis sem nenhuma alegria.
foi então que a mulher mais bonita do mundo venho na minha direção. ela deixava a escuridão da rua, com tanta certeza, e sorrindo pra mim, que eu implorava com o olhar para que ela parasse, ao invés do mundo.
ela atravessou-me. com a mesma pressa que olhara-me, mais preciso furara-me, antes. cuspida da escuridão, engulida pelo mundo mecânico do metro.
foi aí que você levantou. e não soube, não sabia, de tudo aquilo que era então o meu segredo. (não houvessem as câmeras de vigilância).
talvez então tenha procurado algo estranho dentro, fundo, dos meus olhos. e talvez tenha encontrado o rabo do vestido vermelho, saindo tão tarde de quadro.
ou talvez não, pois você mesma disse que ocupava-se a mais, olhando a si própria refletida no meu olhar. tentando se ver como eu te via, e falhando vez após vez.
vem e me dá sua mão, vamo embora desse saguão frio do metro, se você não tiver frio podemos virar naquelas esquinas. vem, e me dá sua mão. o mundo inteiro parou pra podermos ir embora, e eu ainda escuto o ruído da escada rolante.

segunda-feira, agosto 18, 2008

onírico

um lenço preso em uma árvore seria bom o suficiente para uma torrada com géleia,
e quem sabe uma limonada.
um lenço preso de dia,
visto a noite é o mesmo lenço,
assim como todas as coisas.

Entretanto é a noite que te perco,
entre o sono sem hora (só contra-tempo).
Agarro-me ao seu corpo,
finco as unhas nos teus sonhos que se vão,
areia pouca para minhas mãos afoitas.

Acordo.
O sol entra pela clarabóia.
Explicitamente nua,
te vejo em cima da cama.

domingo, agosto 17, 2008

rito

fárois marcam o nosso tempo essa noite.
verdes, vermelhos, proibições alternadas.
eu não respeito fárois quando a noite me toma pelos braços,
os fárois nunca me respeitaram,
apenas fitam-me irônicos.

verde, vermelho.
olho-te de esguelha,
não tenho medo nem de mim.

verde,
triste que a coragem seja da bebida.
sinto-me a marca do suor da semana a marcar-me a camisa.

verdes, vermelhos.
rés liberta do dia,
do pasto, da vida.
vingo-me de mim mesma,
de uma outra,
perversa,
que mantem-me sob custódia,
chantageando-me com minha própria cabeça entre os braços.
ri alto. luxúria entre os dentes.
é a neurose das mulheres,
um pouco histérica, ansiosa,
tem de tudo um pouco,
de toda essa massa homogênea do pior que há em ser mulher.

verdes, vermelhos,
rio dela,
com os dentes cheios,
se vermelho, é sangue.
a desafio,
sei que do de mim que a pertence sou eu
- alma e corpo.

passo rente aos abismos dessa cidade,
passo em todos os fárois errados.
verdes.. vermelhos...
querendo acordar com a cabeça na calçada.
que ciclo que quebro,
e em que ciclo que me afogo,
afagando vagos dionísios.
verdes e vermelhos.

sexta-feira, agosto 15, 2008

olhos de vidro

de repente saudades
daquela fragilidade escancarada na janela.
do medo daquele cabelo escuro,
(que pra mim eram como o seu ser mulher).
e da sua pele bem branquinha,
(como a menina, bem menina).

andávamos, iamos, nunca pra um onde.
e ela nunca deixava a janela.
olhava o sol, o vento batia nos cabelos,
viagens, noites, conversas,
sempre pra ser olhada da janela.

e de repente saudades.
não exatamente daquela figura distante,
distante do meu carinho,
mas de um olhar perdido no tempo.
olhar terno,
num paradoxo destemido
(pois tinha medo dos outros, mas não de si mesmo)
olhar terno,
perdido pelo caminho.

retrato da mediocridade enquanto estupenda

cheira forte. fundo. a voz na noite, um telefone no gancho.
entre o medo das pernas, cheira forte.
a vida, essa desconhecida.
(carência afetiva).
escovar os dentes pensando no futuro.
chá de ginseng, ebreus,
helenos, japoneses,
ébrios..
se tiver mãos, só cortadas.
flores desirrigadas
- rosas .

quinta-feira, agosto 14, 2008

liberdade

sobe as sobrancelhas. as mãos abraçadas no cerne da mesa. o olhar defendido, embora prometa entregas completas. - agora é a hora da verdade -. então se existisse tal coisa como o tarô das neuroses, angustias, perversões e traições, o abriria frente aqueles olhos malvados.
e menos que o tarô, existe a verdade. coisa pouca, coisa rala. verdadeiro arranjo arbitrário do momento. mais existe a mentira. a mentira de inventar a verdade. e esperar do momento algo para além de si mesmo.
além,
aquém,
adeus.

terapêutica

uma mão que fecha meus olhos.
uma mão que pousa a mão sobre meus olhos.
é escuro e mágoa.
lágrimas se misturam aos corregos das antigas nações.
tons subtons
tantos tons de cinza,
esquinas viradas de preto.
não bem choro,
mão dos olhos sobre o peito.
o coração cinza como as esquinas.
aperta-me sem pulso,
a dor é tirar o compasso da dor,
de viver que é o compasso da dor.

sábado, agosto 09, 2008

voyeur

dois ovos mexidos, não fritos.
uma xícara de leite quente.
então a liberdade de para a direita ou para a esquerda:
a solidão.
como esse espaço de escrever.
como a liberdade entre os parentesis.

entretanto,
tantas fechaduras a estragar o dia.

quinta-feira, agosto 07, 2008

na terra da chuva

tudo que mais me equivalia ausente no meu corpo.
como inventar um deus e um diabo
e os colocar diariamente na mesa de cabeçeira.
eu não sabia, exatamente, se era noite ou se era dia.
isso porque tudo reverberava como informação,
tudo.
o passado e o futuro.
enchendo-me aquele presente de matéria.

sei que chovia,
o céu vinha do azul e ia pro cinza
num fundo branco.
as árvores inutilmente cobriam minha cabeça,
tudo chovia
dentro e fora.

as pedras.
a lama, a terra.
o vento a chuva.
e o medo da incerteza.

e se então tudo alagasse
e se o mundo mesmo acabasse
nada mudaria,
exceto que esse grande vazio que nos faz andar,
ganharia plena vida
e viraria pânico.

domingo, julho 27, 2008

self

não sairei lá fora.
certamente a noite me engolira com sua boca inchada
- entumecida
além de provavelmente invisível.
fico aqui
com a luz.
os traços bem definidos de um rosto em decomposição.

1.
hoje a luz principal do banheiro estava apagada,
mas eu via os olhos e seus contornos com a luz que sobrava da sala.
escuras olheiras - eu lhe diria.
no entanto não lhe digo nada.

guardo segredo.

2.
o dia passou como uma mentira,
como um sonho que não se sabe exatamente se foi sonhado ou...
(o som do ar entrando nas costelas)
pressentido.
assim como lembro-me do passado
- e não do futuro.

3.
querida,
eu hoje te inventaria.
alguém que talvez merecesse essa carta,
engavetada no lúgubre sotão das minhas memórias.
(curvas alongadas, um soluço ausente, granito, estátuas de corujas)

não te invento.
pois tenho a você e a mim distantes dessa tão rala (e não esparsa) realidade.
realidade de rotos, cheia de detalhes, embora (apenas) vital quanto a poeira.

4.
escuta.
escuta bem.
mergulha no silêncio escondido por trás dessas palavras.

esse silêncio somos nós.

sábado, julho 19, 2008

substitui

pulsa a lua.
vem maré,
dá-me a mão.
o vento viaja sobre nossas cabeças.
tudo aquilo que nos liga sem nosso conhecimento.

a luz negra do breu,
a iluminar a disformidade,
ausência de limites,
internos excessos.

pulsa a lua,
pela janela aberta
converso com o mar.
lampejam ondas no vidro do meu olhar,
sei pois sinto o sal nas têmporas
e a escuridão de uma bem sucedida noite.

a terra se converte em espasmos,
viva, mulher, sob meus pés.
tua umidade explode dispare
por todos territórios.
a terra nos é,
quando, já,
não podemos nós ser.

quinta-feira, julho 17, 2008

peter

pra existir,
prescindo afirmar:
Sou.
Sei.

E então posso ter uma dor.

Embora saiba
- e sei
que dor tão calada,
tão sem nome,
tão sem dor,
só possa ser saudades.

odores frios

olhares perdidos no horizonte da mesa.
como a memória destituída de forma
- mas não de cor.
suspensos no ar,
em nenhum lugar,
odores frios.

unhas com cal,
dentes com terra.
o cheiro alcóolico do seu perfume sem odor.
rastros meus para apagar.

ser poeta

ser poeta
é saber as palavras exatas para cada coisa
- e não dize-las.

silêncio

tem tantos silêncios que ocupam minha alma.
silêncios densos,
úmidos.
são os poros de um dentro,
se dilatam conforme vem o vento,
me dizem,
todos os dias,
que útil mesmo é ver as coisas bonitas.

quinta-feira, julho 03, 2008

o frio de uma noite sem porquê.

como dois cãozinhos tristes,
seus olhos se sentaram ao meu lado.
a água que tinha certamente

(planificando as emoções em sede),

tentava possuir-me nesse enxame de abelhas.

e sua mão procurava a minha no escuro dessa indiferença,
e sua umidade muita ameaçava o meu calor derradeiro.

fostes embora num corcel dourado,
era eu que te mandava de volta para um passado,
noite fria, sem amor, sem ninguém a ser amado,
seus olhos ainda me olhando no escuro,
no fundo da noite,
com a ligeira imcompreensão de quem já entendeu,
- me dava medo.

nós pequenas, sombras apenas,
esmagadas contra um tempo suspenso.

peço perdão. verdadeiramente.
pois, tanta bobagem, e mesmo amor.
o frio de uma noite sem porquê.

saudades

como um corpo desfigurado
que a morte levou nos braços,
assim era o seu quarto vazio.

vagos traços familiares,
linhas - as mesmas
contornos - sem vida.

a calma de uma poeira antiga,
essa sim com vida própria,
a reclamar o quarto.

luzes passageiras,
brilhos sem lusco-fusco.
seu quarto também era como o passado.

pois de todas as vezes que estive lá,
dessa, lembrei a primeira.
lembrança como coisa viva,

mais viva que a vida,
mais viva que o dia,
mais viva que o quarto.

domingo, junho 29, 2008

difusa como as profundezas do mar.

eu quero aprender a língua do vento.
escuta, e se eu te cantasse,
e se eu te levasse?
não sabes cantar.
pois sei.
pois não.
não
sabes.
e elas cantaram as músicas dos passarinhos,
longe longe do vento.
eu passava os dedos pelos seus cabelos
e me perdia em labirintos inventados.
e então voava pra fugir disso tudo,
encantada,
que nem o outro moço lá,
pra ficar tanto perto do sol quanto do mar.
eis que encantadoras vidas me levaram as asas,
náufrago merecido.
eis-me num mito perfeito,
do herói naufrágio.
com todos os dedos da mão
e do pé,
e um a menos coração.

sábado, junho 28, 2008

esquizofrenia não

ah, como eu espero....
todos os dias,
estar perto de você pra me sentir mais sincera.

quinta-feira, junho 26, 2008

acordar

acordou.
o mundo inteiro e o seu corpo,
um bando de sensações difusas.
começou aos poucos:
percebia, talvez tarde demais, ou cedo,
que o mundo era um
e ele era outro.
sentia os pés,
tão longe....
envoltos no segredo cruel do frio.
e as mãos metidas dentro das calças,
a procura de algum calor miserável.
então o mundo talvez se repartia entre coisas,
a mulher ao lado acabava no limite de sua pele,
(imaginava),
a luz já era tarefa mais difícil,
assim como a chuva,
embora uma vez ele tivesse escutado que a umidade das mulheres
se assemelha a chuva.
olhou para o espelho do banheiro
entrevisto pela porta aberta,
sorrateiramente,
e aquilo o localizara novamente,
num tempo e espaço bem preciso,
(espantava os sonhos como cachorros vadios).
ele sentia fome e dor na coxa esquerda,
existia,
existia,
tudo não parava de lhe dizer.
e no entanto,
assim também lhe eram os sonhos,
que tinham algo da morte.
e algo o afastava
(ligeiramente)
daquilo tudo.
algo como um protótipo magnético
que ocupasse o seu lugar,
e que na hora de voltar,
ele ficara como está:
flutuando em órbitas inseguras,
em volta do próprio umbigo.

saudades de mim

rita, devolve o meu sossego, cansei de ser a única luz acesa da cidade, quando já é alta madrugada. rita mãe, se lembra de levar o lixo pra fora, amanhã me acorde com ternurna, que eu já não estou acostumada. dê um beijo nas minhas costas, e quando eu blasfemar e gritar e chorar, saiba que ainda não é hora de ir embora, é só meu desespero que a manhã trás. a vida meu amor, é esse eterno emudecer, percebe que é feita de dias, dias e dias? todas as horas contadas de uma vida.
escuta, me abraça forte mais uma vez, que eu não aguento mais saber o que é viver. porque todos os corpos são iguais, e todos nós temos nariz, e nariz é uma coisa pra lá de esquisita. somos todos tão esquisitos. e às vezes eu realmente penso que lido com pessoas de aço, ou que se não, ao contrário, são como pequenas nuvens tenazes, me acertando com sua umidade. esses são os piores. esses só sopro. porque nem revidar eu posso. tento lhes acertar um soco, e as nuvens desenham novos desenhos.
rita, me trás mais uma dose, ou quem sabe vamos jogar um jogo. você me conta uma história, eu te conto outra, a gente se reveza nisso de se olhar, e vai tecendo uma história fabulosa que só termina quando acabar.
querida, me dá suas mãos, vamos combinar de ser macias, eu só quero me distrair, a gente se abraça de um jeito novo, e daí não vai ser se abraçar.
minha flor, eu não me reconheço, estou cansada dessa pessoa aqui jogando minhas palavras fora, vem pra perto de mim, você que também taopouco existe, suga minhas entranhas quando for a hora. e não se esquece, meu amor, de depois levar o lixo lá fora.

medo

a umidade da pedra agarrava-se aos seus lábios,
florestas inteiras dentro dela,
escurecendo.
sons sem donos,
difusos,
seus dêmonios, o mundo dentro e fora dela,
a mesma massa orgânica.
em algum ponto ela pediu perdão.
abaixou-se de joelhos rente à água,
e fechou os olhos.
há tempos não ouvia as palavras,
mas fez com as mãos uma concha,
e preenchendo-as de matéria sua,
as levantou em libação,
fazendo ranger as rodas do tempo.

quarta-feira, junho 25, 2008

pineu

ela acordava todos os dias às 5 e 40.
achava justo ver o sol,
já que todos os dias ele voltava a nascer.
ela acordava e vestia sua pele que deixara secando na noite passada,
punha os olhos cuidadosamente,
os cabelos,
os dentes,
tudo menos os buracos,
uma vez que durmira com eles.
então ela lembrava do mundo,
(e isso era o sol quem o fazia),
e ela lembrava de vestir as saudades,
com cuidado para as alegrias e as lágrimas não se misturarem,
vestia os ódios, cuidadosamente separados das ideologias,
punha o ócio e a vaidade,
a gula, o êxtase absoluto, e também aquela velha sensação cheia de mofo,
o nada.
o mundo continuava então a nascer,
os orvalhos invariavelmente evaporavam,
os passos continuavam,
e os sons eram pressentidos.
para ela, isso pouco importava,
fazia tanto tempo que tudo isso acontecia,
que já nem era mais tempo,
era retorno,
em espiral o infinito.
entretanto, um dia, desatenta,
ela vislumbrara o tempo,
pois ao vestir sua desusada sensação de nada
notara que o mofo quase a havia destruido por completo.
e, apesar dela nunca lançar mão de tal sensação,
isso a preucupara, e a aflingira.
e assim foi, pelos próximos meses,
logo antes do sol nascer, ela aproximava-se do nada,
e lá estava, um pouco mais daquela rara penugem
meio esverdeada.
então um dia,
não se sabe exatamente se se passaram anos, meses, ou vidas,
a sensação de nada desaparecera,
não transformara-se em pó,
mas transformara-se em nada.
e ela, que vivia bem ali,
pois acreditava na imersão do tempo,
de que tudo era o mesmo ontem,
e de que de tanto tudo, ela não precisaria de mais nada,
caiu por terra de joelhos.
sentiu então gotas de saudades descerem-lhe pelo pescoço
(e também lembrou de recolhe-lhas, para as vestir no dia seguinte),
lembrou através da memória,
e sentiu raiva e vaidade,
por ter o seu nada perdido,
e riu de êxtase absoluto,
pois perdida em desespero.
e quando desvestida,
em pleno dia,
de todos os seus caprichos, peles, e meios dias,
inflou-se de uma antiga sensação,
que se chamava vazio real que é viver,
e então ela a apelidou de nada,
esqueceu-se,
e viva, adormeceu,
infinitamente.

terça-feira, junho 24, 2008

a noite

escuto o teu nome na noite,
como o frio que de repente toma meus braços,
e de repente se torna incerteza.
escuto seu nome em vão,
tento te alcançar com meus braços,
chamo seu nome,
te chamo querida,
nunca, jamais, te alcanço.
a noite é infinita,
a escuridão da noite,
o silêncio da noite.
escuto seu nome,
e percebo que ele vem de mim.
não me escutarás,
não verás o meu calor chegar,
a noite é imensa
a noite é vulgar.

que raios

quando ela vier que eu esteja encantada,
que ela feche meus olhos com um sopro
que eu possa não pensar em nada.
quando ela vier
que venha de preto.
quando ela vier
que só eu a veja,
e que ela toque minhas mãos.
que ela me leve,
quando tudo for só trevas.
que pela minha boca saia minha alma,
para que igual a ela eu me torne.
negra, a morte.

segunda-feira, junho 23, 2008

ritmo

Eu
Ando
Nu

E o vento que me leve.

Tenho
Sim
Pois Não

Diabo que carregue.

De
Um
Fio Terra

Sequer uma vontade.

Sou
Muito
Pura

E cheia de idéias.

domingo, junho 22, 2008

oração

cortar os cabelos como quem decora nomes
insistir nos mesmos erros
se lembrar de se esquecer
perder o prumo - e as passagens
roubar o frio de uma flor
desfazer-se dos deuses
coisas dessa quarta-feira
amar entre os pés de laranjeira
atear fogo na terra
apresentar o vento à mágoa
desconhecer.

algueres mulheres

ser
ter e temer
tremer
de prazer
esperar
algo da vida
algo belo
algo em cheio
algum incenso
sem senso um cheiro
eu e você
momento acesso.

um segredo

suspenso no ar
- aquele momento.

como se escuro,
as mãos tatiando o caminho,
para desaprender as carícias que nos farão tanta falta.

os olhos mais bonitos que sempre,
já guardam outras imagens,
sonhos de outros sonhos.

meios sorrisos
verdades inteiras

palavras erradas
apostas fechadas

as coisas bonitas
explodiam na sua boca
(bolhas de sabão)
e me dava vontade de chorar.

um pedaço de presente
com os braços agarrando o passado.

um último olhar antes de continuar andando,
como quem sabe guardar um segredo.

quinta-feira, junho 19, 2008

as armas e os barões assinalados

ouvir como conchas do mar,
andar com soluços secos,
se ver e não se olhar.

a sala está vazia.
a cidade convulsiona pela janela aberta.
o corpo que lê o jornal,
não fede nem cheira,
vira as páginas mecanicamente,
e tem o mundo nas mãos,
(embora não tenha conhecido, ainda, os vizinhos).

enquanto isso
seu coração descontrolado,
dúbio, ébrio,
canta vidas outras,
dentro de suas esquinas,
um sim, ou não - talvez.

num dos quartos de sua alma um leão,
com as jubas vastas, os olhos calmos,
com a sapiedade de vidas passadas.
o leão espera afoitamente que o mágico,
que mora no quarto ao lado,
traga-lhe a carne moída do almoço.
(na falta de fêmeas, mágicos).

num andar acima mora a cantora de jazz,
e sua coleção de vestidos.
toda noite ela canta para uma platéia vazia
(todos preferem o show de horrores do quarto andar),
embora escute em seu peito a explosão da salva de palmas.

há muitos quartos,
há muitas pessoas.
gordos, carecas, sereias,
e até um anão,
apaixonado pelo frigobar.

mas entre tantos quartos e gêneros,
há uma porta que a menina dos olhos puxados não ousa abrir.
o quarto tem seu próprio pulso,
suas próprias idéias,
suas próprias paixões.
nele o vinho vira água,
os filhos mais velhos,
das moscas e das rãs,
morrem com feridas na pele.
há frio e escuridão,
e a vontade determinada de que um dia
(talvez tarde, talvez nunca)
as portas se abram,
e numa linha contínua e infinita,
saiam todos
resíduos emprestados de uma vida,
cigarras e gafanhotos.

segunda-feira, junho 09, 2008

semente

respira, pulsa, entre as mãos
pequena matéria,
cria latente.

para a arvore, uma semente.
no tempo presente,
paciente o futuro.

cindir

uma voz chama meu nome.

antes calma, bem distante.

uma voz chama meu nome.
vira um fiabo de luz
se despedaça.

há carne
e nao há mais nada.

sexta-feira, junho 06, 2008

opaco reflexo

opaco reflexo,
que me adianta a vida.
a noite agarro-me ao escuro,
de tarde a ausência me arde,
me encontro apenas no banho.

opaco reflexo,
grita minha perda,
dos fazeres sem vontade,
atos tolos sem presente.

sexta-feira, maio 30, 2008

punho

o corpo não é corpo,
porque oco,
não guarda no eco,
lembrança.

no entanto o punho,
persistente signo do contrário,
quando encosta no vidro frio,
causa abafo.

terça-feira, maio 27, 2008

quem te ensinou a nadar

pois tens as mãos descalças.
o mês olha a lua,
e a mulher.
o dia olha o sol,
e antes de dormir,
as estrelas.
a música,
olha a vida,
o ritmo,
o tempo,
a melodia,
o olhar.

e antes de dormir,
as estrelas.

chover

o que dentro de mim chora.
o que dentro de mim ri.
pelo mesmo motivo que chove lá fora,
o que dentro de mim chora.

domingo, maio 25, 2008

gingas

Pessoa,
esse é o teu nome sem rosto.

Vestido Rodado,
essa é a tua pele.

Sorriso, Cheiro de Flor, Piso de Madeira.

- quer dançar comigo?

incomunicantes

olhos fechados.
pedras,
rostos,
lagos,
nada se move.

obscurecidas pálpebras,
espelhos,
de não ser carne nem éter,
ser noite,
indeterminada e difusa.

fecho os olhos
nada distingue.

para dentro:
Infinita.
(caos/origem)

para fora:
Terra esparsa.
(mansa/cru
determinada).

segunda-feira, maio 12, 2008

porosidade

essa manhã morta de escuro,
olha-se com os braços cruzados.

em cima do muro, manhã,
é daí que se vê,

suas cores pálidas.

essa luz que te toma ao largo,
enche meus olhos de horror,
breu luminoso
de atos sem voltas,

e palavras vazias.

é sem querer encarar-te os olhos que me entrego,
pois és absoluta manhã.
toma-me o tempo
toma-me o espaço,
invadindo-me em cada poro.

manhã, nasce
enquanto te olho.

sábado, maio 10, 2008

terra estrangeira - cinco minutos na vida de alguém.

as mãos andam tão frias, atrás das roupas bem escuras, anunciando o outono. não tem segredo que se abra para essa manhã, eu te olho, e sem energias para dizer as palavras que não importariam. você, por outro lado, sequer me olha. tem euforia nos dentes e quer achar algum raio de sol que te contamine. lateja vazio dentro, sequer chama dor, vira liberdade.
o dia está acabado, o mês, talvez a vida. eu canto acompanhada do silêncio, e não existe nem passado nem futuro. existe minha voz. e o silêncio dentro e fora dela.

quarta-feira, maio 07, 2008

com os olhos bem abertos

E repentinamente
eis-me com os olhos bem abertos
no meio de um contra-tempo.
os braços querem encontrar os limites dos dedos,
o cenho, franzido, sério,
diz de um tempo em que as coisas eram aceitadas dessa forma:
sem muitas perguntas.
o vento quer levar meu cabelo embora,
mas não leva,
pois resisto a tudo,
a todas as intempéries que de certa forma mereço,
com os mesmos olhos bem abertos.
Porém, não há matéria que minha mão resguarde,
todos os segundos me atravessam como o vento,
sinto-os por entre meus dedos,
como rarefeita areia,
e logo os esqueço.
como única lembrança uma ordem,
vinda não sei de onde,
sabe-se lá de quem,
de resistir inerte,
perante o vento e o tempo,
com os olhos bem abertos,
enquanto você não vem.

segunda-feira, abril 28, 2008

o sentido da luz vermelha

reconheço o instante denso,
lento, o encanto quanto
atravessa-me o mesmo peito.

da superfície
o momento imenso,
olha-me a luz como quem mergulha,
as profundezas escuras,
do céu do espírito ou mar.


de ser alegre, ou de ser triste,
Tocamo-nos com o coração fechado,
E é do mesmo abismo,
O que Deixamos para depois.

domingo, abril 27, 2008

paz nenhuma

Saber tudo isso não me garante paz alguma. O
pensamento põe suas mãos sob meus olhos, e com os
pés,
na minha úlcera se apoia.

terça-feira, abril 22, 2008

palavras

dar-se como quem não tem medo.
sem receio, viver é temer o tempo.
ébrio erro, a morte do desejo, o seio.

quinta-feira, abril 17, 2008

nostalgia ''

o tempo, esse pobre coitado,
deixa o vinho amargo.
o alcool sagrado,
não é doce nem é santo,
porque senão vinagre é casto.

não sei se é sono ou sobriedade,
se insônia ou se saudade,
o instante é o que se soma,
o que eu sei é o seu nome,
maria-mariana.

nostalgia '

foi quando na pele senti uma ponta de qualquer calor,
no corpo espontâneo, um estalo,
e tive medo quando percebi que deitando no meu ombro,
você podia escutar os meus segredos.

nostalgia

olha ao longe a figura
é seu filho e carrega
carrega o mundo nos ombros.
olha ao longe, observa
seus olhos perderam o brilho,
suas mãos perderem a maciez.
meu deus, olha e chora.
não há volta.
não será hoje nem amanhã.
olha seu filho,
fina flor da manhã,
perdeu as esperanças.
se tornou mais um de nós.
cegos e surdos,
olhando para o horizonte,
à procura de nossos filhos.



de quando eu era menor

se encontrar

olha nos meus olhos, quem sabe a gente possa se encontrar.

?

você sorri pra mim e assim como chegou, vai.
para sempre só o que deixará para mim.
e a outra, estirada no sofá, contando os dedos,
ignorando os beijos
do rapaz com os pés descalços.
é porque a música invade a sala
e inflama nosso peito caótico já
de fumaça.
através dela que ainda te vejo,
suas costas quietas,
quase sem desejo.
é noite e me basta,
o seu silêncio.

quarta-feira, abril 16, 2008

desvolução

o homem.
o homem é a falta.
o homem, é homem.
- existe para fora.

a pedra, pedra.
a pedra que não precisa saber.
a pedra é.
a pedra.

quinta-feira, abril 03, 2008

o sono

o preço de um beijo,
o fim das palavras,
(nem mesmo o silêncio).
sem poesia,
sem beijos,
sem fim:

marte

se você ainda tivesse a umidade de toda mulher.
se ainda me aquecesse ou me esfriassse.
se ainda,
umidade da chuva,
calor do trem,
medo do escuro.
o mundo me acolhe
e também me cospe,
como é e há de ser.
e você é só parte do mundo.

terça-feira, abril 01, 2008

contramão

marcha das formigas pra de baixo da minha cama
minha alma fica pros cupins
pra sobremesa dos besouros, ficam os olhos.

segunda feira cansada,
a mesma ensimesmada loucura
de balançar os sonos no trem.
meu braço alcança a parede,
mas quer encontrar o mundo.

é tarde,
a lua é o sol,
é tarde demais.

os olhos vermelhos da idéia
que viver não é motivo pra chorar,
as vontades enconstadas num canto,
recolhidas pelo lixeiro.

as flores são mortas e fartas,
e as sombras dos homens.

terça-feira, março 25, 2008

calças

você existe e eu existo. juro.
o que não juro é nos conhecermos.
sei que nos pressintimos,
a cada palavra errada,
e cada passo dado,
na direção contrária.

bem dentro da carne
(sem carne alguma
e sangue algum).
no fundo do pensamento
(sem conceitos
e sem devaneios).

pra lá da matéria,
mais longe que o tempo,
eu sou, você é.

nunca nos encontramos,
talvez sequer nos encontremos.
no entanto, ainda a vida é possível,
pois apesar de tudo,
(do certo e do absurdo),
ainda nos pressentimos.

segunda-feira, março 24, 2008

mão

uma das mãos está acesa. guarda ideias perdidas de tempos imemoriáveis. uma mão, arma branca do tempo, suspensa no espaço. a outra esconde-se no bolso. não fala, sequer pensa. os calos de uma reviravolta. uma nos ombros da vida, nas curvas do mundo.
e outra, cálida, na pele do bolso. pálida.
como as ideias nunca postas em prática. (pois isso significaria perda-las).

ser

é através dos meus olhos
o mundo.
através da linguagem
o que me é.
com as nossas palavras
as coisas
nunca absolutas.
com as mesmas palavras
o murmúrio
o som
o sim.
mas nunca o silêncio do silêncio.
falar para alcançar o pleno
do só no silêncio.
perder-se na transitoriedade das palavras,
perder-se em ser.
pois no início era o caos
e no fim era o silêncio.

domingo, março 23, 2008

desabar sobre os homens

era isso de te ter acordando e bocejando os quês da noite olhando prum sol mal posto no nosso teto. sonhava. acordava. não era. não sabia bem aonde começavam as vontades e as mentiras. tinha ainda o que pensava e o que sentia, e quase nada passava das marcas zonzas do sono. sei que as pálpebas se abriam (lentamente, como sem vontade) e eu tinha ali, explicitamente ali. era o corpo bonito estendido na solidão do colchão. e eu me via pelos olhos de quem não era, e sorria, das vontades mais puras que surgiriam em todas as horas do dia. era aquele o segundo da honestidade mais densa. quando eu te via abrir num suspiro e um sorriso enchia-me o dentro. eu te abraçava, e então voltava a dormir.

terça-feira, março 18, 2008

rua-tempo

quando ando na rua e vejo os postes vielas sintomas
sou de um invariável existir para fora.
provavelmente os passos tomam a largura da calçada
meus olhos se perdem por suas curvas
e nada mais ultrapassa.
mas assim como o vento bate no rosto,
e desmancha os pensamentos,
outras vezes me preencho.
e não por desejos
condições
ou medos,
mas de fundo ainda resto,
resto fundo de mim,
o que eu sou
que é sem fim.

quinta-feira, março 13, 2008

anda

quando fui embora
eu sequer pensava em você.
outra vez,
porque era apenas o sangue que pulsava
tantas e tantas vezes (você)
que não eram nem palavras.

não, eu não pensava em você
eu andava e as vozes que queriam te alcançar
formavam um coro em unissono
que eu decidi, a tempo, chamar de silêncio.

eu te tinha e eu te era
no fundo do espaço e do tempo
porque nada mais importava,
como agora nada importa.

sábado, março 08, 2008

abstinência

a noite ia longe
bêbados em vão tentavam voltar pra casa
as luzes iluminavam os quarteirões alaranjados
e a lucidez falava
gritava e aplaudia
por dentro dos copos vazios.

quarta-feira, março 05, 2008

malfeja

(é como se fechasse os olhos e as pálpebras em si não significassem nada)

como se viver de olhos fechados.

seus pés vacilam no solo,
o sangue quer fugir das veias,
das mãos que te tomam o corpo imberbe
mal sabe-se a procedência.
então o ralo desgosto do ser,
ignorando tudo aquilo que há de importar.

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

pusilame

o dia passa por cima da minha cabeça:
não há escolha.
entretanto ela pulsa,
e continua pulsando.
instantes outros:
quando penso lembro e sou
e a rua com seus rostos anônimos e sóbrios.
quando decido para que lado vou,
e me perco faço e acho.
ligeiro prazer do vento,
sorriso de dentes claros,
para quando tudo está no seu tempo.

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

espelho

passa a fome
passam as paisagens pela janela do carro
passam os conflitos os medos os pelos
passa a angústia do não ter
os inimigos
e até os amigos.
passa a vontade de beber.
só não passa você
de frente de um espelho
duelando consigo mesmo.

domingo, fevereiro 24, 2008

the big swallow

quando lhe toco a pele espero letras acordes poemas,
músicas inteiras,
com suas melodias.
és mulher
também as páginas em branco
que deixei em casa
e o violão que tanto te maltrata.
e quando perguntas se vamos bem as duas,
é que para todo o povo da rua,
e abre bem os olhos para nos ver passar,
pois dos poemas que li,
e das músicas que escutei,
és certamente a mais bem feita dessa matéria outra,
dos feitios da poesia
das promessas da ternura.

the big swallow

quando lhe toco a pele espero letras acordes poemas,
músicas inteiras,
com suas melodias.
és mulher
também as páginas em branco
que deixei em casa
e o violão que tanto te maltrata.
e é por isso que quando me perco por suas veredas,
reconhecendo,
uma por uma,
as suas ternuras,
para todo o povo da rua,
e abre os olhos para nos ver passar.

segunda-feira, fevereiro 11, 2008

fato I

começava a sentir dor aos poucos.
sempre aos poucos.
mamãe punha sua mão no ventre que se mexia convulsivamente. e a outra secava o suor que grudava os cabelos na testa.
o tempo se dividia nos compassos da dor,
e a sala pela proximidade das paredes.
era melhor viver assim,
com o problema já dado,
pois então não seria necessário gastar a rala criatividade com outro.
a sede era infinita, e já perdera a muito a característica primeira de tal quimera
(o vulto do saciar).

quinta-feira, fevereiro 07, 2008

américa metáfora fácil

Perdoe-me deus, pois eu peco.
Faço-me prenda fácil de quem consola o âmago.
E de quem, com uma vista bonita,
engorda os bolsos (e o rebanho).
Cedo, todos os dias, à brancura fácil de falsas paredes,
e à presença morna da trilha sonora,
apenas pra poder, segurar o mundo lá fora.

domingo, fevereiro 03, 2008

gêmeos

quando eu a toco não estremeço por dentro, só por fora.
não anoiteço da vontade, e não me perco de desejo.
o meu toque, com ou sem consentimento,
é leve como os passos de quem dança e sabe,
pois de a ver não arrefeço.
beijos de boca fechada,
olhares fixos no nada,
carinhos de solidão.

a frieza de quem menos esperava,
e um eu que desconheço.

esquizo

eu, sempre enganado, pensava estar colecionando mentiras que decorariam o relicário do nosso sexo. pensava estar cortando uma por uma as predileções rituais do nosso sexo. a verdade é que independente da ordem dos fatores ou das palavras, eu pensava em sexo. porque, afinal, nessa época eu ainda pensava nisso.
Então eu ouvia um pouco mais de seus discos, e reincindia na constância suicida do alcool. o fim último da bebida para fortalecer as mentiras, expelir as verdades que inflamariam o ar de sua sala, repleta do nosso bafo roto de más vivências.
Bebemos, e fumamos. fizemos brindes, e principalmente mentimos. ela, quando inventava suas histórias. eu, quando fingia acreditar.
porque éramos novamente adão e eva, e éramos também criatura e criador, homem e mulher; Acima de tudo, éramos reús reincidentes, e por isso, é que deveríamos nos compulgir.
os discos continuavam a rodar na vitrola, como nossas cabeças em palmas de prata, como a sala, muito embora, continuasse parada.
duas músicas depois de seus primeiros passos bêbados, constrangido a acompanhar sua dança, a agarrei pelos cabelos, e como nos primeiros tempos, a levei para o quarto. - como no tempo em que as mulheres compreendiam seus pápeis, e a proximidade da vida com a vida de fato tornava tudo muito justo.
meus dedos duros tocavam seus mamilos excitados. meus dentes afiados os procuravam. eu a amava com meu ódio de ser fraco demais para nosso amor, e ela me odiando me amava, com seus mamilos duros e sua boca seca. ela era vítima da violência de desejar um homem misógino, e por sua vez retribuia-me evitando friamente o seu próprio desejo.
juntos, regurgitavamos a solidão à dois incrustrada em nossos despojos. nossos corpos nus emergindo na violenta febre da morte. nos odiando sem nos amar, do mesmo amor sem ódio que é o um ser dois que nunca se falam.
enfim, antes derrubados pela exaustão física da impossibilidade, do que pela desistencia em si, nos engalfinhamos como dois mafagotos. E dormimos enfim, o sono pesado dos justos.

esquizofrenia

"não é possível que essa cidade que se diz metrópole não tenha sequer cigarros...!". não. não era possível. simplesmente porque nada seria possível a tal altura do campeonato, nem o acidente de carro que poderia parecer provável a alguém de fora, nem a relação dos seus cigarros com a organização geopolítica das cidades. porque, afinal, não poderia ser qualquer cigarro, deveria ser o seu, só ele nos serviria (apesar da hora adiantada e da chuva). atravessaríamos desertos por um minister.
eu, com o sorriso calmo fingindo uma segurança inexistente, a seguia por todos os cantos, com a paciência grave de quem morre de fome. eu a desejava de uma fome inventada desde que pussera os pés pela primeira vez na soleira de sua porta. os vincos marcados do rosto, as histórias guardadas na memória ou perdidas no esquecimento de uma vida não mais jovem, e principalmente o alto teor de mentira que impria em tudo. e em todos.
a desejava com minha fome jovem e folgazã, como quem sabe a única chance repousada no acidente.
compramos seu cigarro. que nos custou 6 visitas rudes a botecos tétricos, uma leve batida no parachoques, alguma gasolina, e muitas mentiras. eu, sempre enganado, pensava estar colecionando mentiras que decorariam o relicário do nosso sexo. pensava estar cortando uma por uma as predileções rituais do nosso sexo. a verdade é que independente da ordem dos fatores ou das palavras, eu pensava em sexo. porque, afinal, nessa época eu ainda pensava nisso.
próximo item: ouvir um pouco mais de seus discos, reincidir na constância suicida do alcool, fortalecer a mentira, inflando o ar de sua sala com nosso bafo roto de más vivências.
pois bebemo-nos, e fumamos. fizemos tantos brindes, e principalmente mentimos. ela, quando eu inventava suas histórias. eu, quando fingia acreditar.
éramos novamente adão e eva, éramos também criatura e criador, homem e mulher; acima de tudo, éramos reús reincidentes, e por isso, soube depois, é que deveríamos pagar.
foi duas músicas depois de seus primeiros passos bêbados, que constrangido a acompanhar a dança a agarrei pelos cabelos, e como nos primeiros tempos, a levei para o quarto. como no tempo em que as mulheres compreendiam seus pápeis, e a proximidade da vida com a vida de fato tornava tudo muito justo.
meus dedos duros tocavam seus mamilos excitados. meus dentes afiados os procuravam. eu a amava com meu ódio de ser fraco demais para nosso amor, e ela me odiava me amando, com seus mamilos duros e sua boca seca. ela era vítima da violência de desejar um homem misógino, e por sua vez retribuia-me evitando friamente o seu próprio desejo.
juntos, regurgitavamos a solidão a dois incrustrada em nossos despojos. nossos corpos nus emergindo na violenta febre da morte. nos odiando sem nos amar, do mesmo amor sem ódio que é ser dois que nunca se falam.
enfim, antes derrubados pela exaustão física da impossibilidade, do que pela desistencia em si, engalfinharam-se como mafagotos e dormiram o sono dos justos.

sexta-feira, fevereiro 01, 2008

o mundo

como o gosto acre do corpo, a poeira seca da terra, rasteira sensação que segue o couro das cobras. abro teus olhos com meus dedos e te anoiteço por inteiro. o lado de fora chove, e o lado de dentro treme. já não há meios, sequer medos. da mesma matéria-mentira que é sua mão na minha, são as vozes que deixamos de ouvir. nessa ladainha de muitas curvas quem se perde sou eu.

rubens

os ventos que vem do mar, de mim não tomam conhecimento. perdendo quem quer das odisséias voltar, levando embora quem nunca partiu. com poucos escrúpulos, adentram nossas cidades, mudando os fluxos do dia, fazendo-nos ao abrir das janelas nos defrontarmos com as manhãs cinzas, brancas, e mesmo azuis, conforme os seus caprichos.

os ventos não favorecem ninguém, não se importam se já amanheci triste. pois se postam cinzas como memórias, e então chovem quando não há mais nada a fazer. há , porém, em dias como esses - arrogantes, malditos - outros meios pelos quais o sol, de mim, se aproxima - contrariando a vontade daquele que desconheçe meu nome. então, apesar da chuva, posso tocar o limiar virulento da vida. dias esses em que posso, além de todos os pré-nomes dados sem perdão, apenas sentar-me dentro de outros olhos e me reconhecer viva. lado a lado com um raro sujeito, sem grau algum de miopía na alma vasta.

meninas

a princípio é uma barreira impenetrável, quando sento ao seu lado e você não sabe meu nome. mas eu sei que é um caminho possível, é tentar ir com calma e pés cuidadosos. o mais importante é manter um fluxo caudaloso de atenção, você precisa saber que está segura, e te amparo como se te desse o braço. conduzo uma intermitência sutil entre meus olhos querendo comer sua alma, e meus olhos rondando o bar - pois eu sei que gosta de um tom blasê -. eventualmente cito cineastas, ou demonstro minha sensibilidade destrinchando os comportamentos ao redor. sei que ao final de duas ou três cervejas não serás minha, não serás minha nunca, e me alegro então.

quero sambar meu bem

Você que tem as mãos claras, as mãos limpas.
Pousa tua mão, na minha cara.
Deixa eu por os braços na sua volta.
Esquece todas as palavras do mundo,
por um instante,
esquece tudo.
Deixa eu te dar mais um beijo, pequena.
Esquece seus dramas, suas dores, seus discos.
Deixa eu te fazer um samba,
Na minha alma eu tenho tanto samba pra você.

espelho

osilêncio da multidão

por todas pequenas de milhares insignificantes janelas
- não interessa a ninguém.
pois ontem foi pessoa
entre as quadro paredes de um claustro inventado.
e hoje era eu

por quem a falta chamava o nome
e os rios e os mares não sufocavam a ausência.

terça-feira, janeiro 29, 2008

apenas

segurava a xícara com ambas as mãos, amparando a dureza dos olhos no etêreo vapor do chá. chá preto com jasmim. ouvia milton e queria fumar um cigarro. qualquer coisa para se esquecer de como o dia estava feio pra fora daquelas janelas. os dedos inquietos procuravam algum abrigo para a farta ausência de pensamentos. os dedos tamborilando procuravam nóticias nos jornais, maneiras de matar o tédio. nada. teria que mais uma vez esperar pelo livre arbítrio daquele fenômeno diário, esvanescer. teria que sentir antes os músculos relaxados e o pensamento longe. então os minutos passarão com fome e só se perceberá mais tarde. por enquanto deveria terminar o chá e ouvir o disco. por enquanto.

sábado, janeiro 26, 2008

solidão

então foi um não mais que de repente
e a mais densa paixão amansara-se em tristeza.
fraca, sem dedos,
uma tristeza calma, de já não machucar mais ninguém.
a vontade de fazer-se espuma
transformou-se em olhar o mar.
o mar que indo e vindo num não mais parar,
acalmava os ímpetos.
a alma estendeu-se na praia,
os dedos se incrustaram na areia,
os olhos se fizeram de pedra.
era um só por inteiro.
e por inteiro só
era.

tristeza'

eu tinha uma dor.
eu acordei, eu dormi,
e dentro de mim uma dor que me acompanhava.
como uma cantiga antiga,
como o abraço da saudade.
às vezes parecia querer me abandonar,
mas eu lhe implorava que não,
pois me acostumara com o latejar discreto e constante das dores difíceis.
se tudo passasse
então voltaria a me conformar com a exatidão das coisas,
e a vida fecharia suas asas de morte.
os amigos e as lembranças,
todos os dias seriam o bastante,
se eu tivesse uma dor.
se eu tivesse uma dor...

quinta-feira, janeiro 24, 2008

tristeza

é a tristeza que me toma pelos braços
é ela que diz-me do eterno emudecer diante das contrariedades.
com que direito?
e com que braços velados, por trás de quais véus?
passará carmim nos lábios, quando já bem perto,
chamar meu nome?

óculos escuros

olhe para a direita,
e por trás de seus ombros
as estrelas hão de cair no chão.
olhe para cima,
e a ferocidade da terra se abrirá sob seus pés
olhe para o chão,
e alguém repousará a mão entre seus olhos.
saiba entender o mesmo
(imenso) mistério
encravado na carne.
denso respeito calado,
latente morte entre nossos pés,
o mar,
a vida,
quando nos olhamos nos olhos.

poeira leve

de todas as palavras sussurradas em uma noite de ebriedade,
corpos fusos,
intenções outras,
nem tudo é da mesma límpida matéria do que só se pensa,
e sequer se sente.
tínhamos-nos da mesma maneira do não ter
que sempre fomos
quando ausentes em nós.
tua mão no meu rosto
repetindo a palavra de ordem,
não nos permitia ser mais do que:
eu, o meu medo
você, o seu.
conhecia de cor os amanhãs que nos separariam,
e que tornavam a noite uma malfeita miragem.
por entre minhas mãos que te procuravam atenciosamente
já teu corpo sumia
por entre meus braços que te apertavam violentamente
gritavas sua ausência de mim nesse mesmo corpo.
sempre tomadas por dois opostos que num distraído impasse
se juntam.
os mesmos que juntos não podem estar.
no fim não existíamos,
não podíamos,
não éramos.
no fim dormimos nosso sono pesado.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

tristeza

andava pela rua escura com a cabeça baixa embora assim se perdesse em sua promessa, a de olhar para as estrelas. logo as árvores, dejetos arqueológicos, como mulheres assustadas pelas mãos hábeis do vento. andava cada passo como o primeiro e procurava em sua imensidão algo exato. então fazia noite, e não era ao certo dentro ou fora dela, chovia mas não era água, eram as escatologias soltas durante o dia. tinha um medo grave repousado sobre os olhos, as pernas fracas pela vontade de chorar, os olhos azedos pela fome. as mãos tentavam desenhar futuros projetos no ar. continuava o caminho, vinha o céu, vinha o mar. chegara em casa.

sábado, janeiro 19, 2008

uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

"acima de todas as coisas. não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. temos amontoado coisas e seguranças por não termos um ao outro. não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. temos disfarçado com falso amor nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. falar no que realmente importa é considerado uma gafe. não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. não temos sidos puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelos menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. temos chamado de fraqueza a nossa candura. temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. e a tudo isso consideramos a vitória de cada dia."

clarice.

segunda-feira, janeiro 14, 2008

outro

do não saber nunca o nada
(pois não se sabe)
inventam-se mil minutos desperdiçados.
a mim basta-me não saber nada,
quando vejo
que não saber já basta.

segunda-feira, janeiro 07, 2008

comunicação

sonharam.
o vento entrou pela janela
eu soube.

sucinto

página a página.
eu te esperava em cada esquina
sem saber,
era sem esperar
que eu estava lá.
entendi os olhos mais velhos que o corpo.
seus olhos perfuravam-me até o medo.
ele chegara até o oco,
e me olhava com a pedra.
sorria-me e além disso a barba no pescoço
atraia o meu foco,
se eu ainda estivesse distraída.
distraia-me com suas palavras
e me olhava.
perfurou-me
inundou-me.
era sem esperar,
que eu estava lá.

sábado, janeiro 05, 2008

preparação para um haikai

não tinha café,
não podia fumar.
decidiu estar com saudades,
por hábito,
ou ainda,
por tédio.
olhou sem muita pressa os retratos de um passado recente.
a dor de estômago pedia atenção
(as fotos não).
passava uma por uma,
como quem olha os pássaros na rua,
e não os nomeia:
de tutu, jeremias ou eleonora.

a chamavam do outro lado da rua,
até iria,
depois a solidão seria mais macia,
e mais pura.
voltaria pro seu quarto,
sentiria cada músculo,
o corpo de um adulto.
as roupas estiradas no chão
teriam algum conforto guardado.
o vento traria alguma doença,
e na pouca morte um corpo que treme,
vivo,
certamente.

saberia traçar planos rudes,
e guardar segredos covardes.

porém, tudo ruiria,
bastasse um aroma
suspenso no ar.