segunda-feira, março 30, 2009

labirinto

faço um corte fundo na minha barriga e extraio a dor que restou.
grito nas músicas que canto sucitando o que dentro de mim permanece mudo.
escuto um rosto que não conheço e imagino a delicadeza da sua pele que me faz chorar.
sorrio mansamente de desespero por me envolver com medo de envolver.
lembro e vivo tudo com gosto novo.

sem medo e sem razão.

la jetée

Rostos passam na escuridão dos meus pensamentos.
Rostos conhecidos.
Faces sem expressão.

No fundo da minha cabeça rodopia
um rosto que eu nunca vi.

Sem imaginar eu vejo,
memória perdida de um futuro neutro,
um rosto que desconheço.

domingo, março 29, 2009

ficções

abrir os olhos,
e ver seu sorriso por me ver quase saindo
pela boca.

fechar os olhos,
me perder do próprio corpo.

abrir os olhos,
te dar um beijo e entrar dentro de você.

fechar os olhos,
confundir as mãos que se dão
num labirinto sem começo.

abrir os olhos,
o quarto está escuro.

fechar os olhos,
dentro de mim está claro.

andaluz

hoje ela dorme com suas cortinas azuis de cetim,
com toda chuva dentro do quarto.
hoje ela abre a boca sem pesar e solta bolhas de sabão.
hoje ela pos fogo na casa.

morreram os peixes
perdeu-se o violão.
ficou a música e a solidão.

hoje ela abriu e fechou bem as mãos,
sem muito pensar respirou bem fundo,
abriu-as bem devagar,

no fundo da palma lisa e morna
duas formigas dormiam.

caos

meu corpo não se move.
eu respiro a poeira de um mundo que se desfaz pelos meus dedos.
meus olhos ardem
por esse sol cheio de cancer.
bolhas na pele não afetam uma mente cansada.

calos nos dedos
idéias mortas
abortos imediatos.

não há ar,
não há grito.
não há calor
não há terra.
nem agua
nem medo.

tudo começa no fim
e assim termina.

quinta-feira, março 26, 2009

i want you

os véus do outono me deixaram para trás.
agora violento os mesmos ares,
arrastando o vento com os dentes.

procurando os seus olhos,
pedindo pelo seu corpo.
pecando em silêncio.

quarta-feira, março 25, 2009

no escuro

nasço no escuro todo dia.
nesse difícil parto da manhã
perco dentes
perco braços.

desprendo-me desse corpo usado
como quem acorda todas manhãs.

ando nu pela cidade
meus dedos estão enrugados
dos banhos tomados a noite.

mãos agarram meus calcanhares solitários.
não os conheço
e eles chamam meu nome.

não chamam meu nome.
chamam o nome.

o chamam e por se dirigirem a mim tomo-o como meu.

não tenho nome.
todas as manhãs nasço no escuro.

ando pela cidade com o vento.
meu corpo todo se inflama.
há dores e há perdas.
não há nome.

chamam-no
conclamam-no
durante o dia.

eu
sem a minha companhia
me desfaço.

domingo, março 22, 2009

cinza tu

os dias passam,
inevitavelmente.

os dias passam por mim.
sinto meu corpo e ele está quente
e está frio,
como o dia que me trás o sol sem calor do outono.

as sombras cinzas desses dias.
o que vejo e o que imagino ver,
imaginando imaginar.
mãos que se tocam,
chuva fina no asfalto.

toco o violão e deixo de ser,
transformo-me em vento pela voz,
e esqueço essa tristeza opaca.

o outono chegou,
as folhas que caem tem o cheiro acre da morte.

sábado, março 14, 2009

nessa rodada

se você entendesse de foto talvez você pudesse me entender melhor. se você entendesse de poesia. se eu entendesse de você.
é como um filtro escuro nos meus olhos e de repente só vejo as árvores cinzas que tenho na memória.
é pouco, mas estico o braço tentando te alcançar.
chamo seu nome e é ridículo.
minha voz gesticula em ação e você ri,
ri de luxúria e prazer do outro lado da cidade.

nessa rodada você teve sorte, tirou o ás. bateu, vingou.
nessa rodada você riu, se esgotou.
comentou os dois lados daquela outra coisa,
disse e ouviu tantas bobagens.
nessa rodada.

eu não dormi.
eu não sorri.
eu me lembrei, me sentei.
mas também não cheguei a chorar.

eu me distrai. na tv passavam outras bobagens.
você não me chamou.
a madrugada chegou.

no meu peito um botão de pranto.
pouco ar e pouca esperança.

você ria, você esbaldada.
nessa rodada.

sexta-feira, março 13, 2009

cinza ou negro

ela me tirava pra dançar e cantando sem jeito instaurava bailes imaginários.
ela tremia e tirava fotografias com a pretensão de quem só os olhos dizem.
hoje o tempo passado não desbota,
se renova a cada ligação perdida.
uma música, uma lembrança,
algo perdido no tempo.
a morte então perde seu peso,
se torna só saudades,
absoluta, inexata.
a morte desabraço,
a morte silêncio.
esquecer um nome e gritar pro vento.
a morte.