quinta-feira, janeiro 28, 2010

lar

Eu vi a mudança,
entendi como aquela aparência frágil de lar se constituia.
Eu vi os homens passando,
e senti o cheio forte deles.

Eles eram pais, filhos, maridos, namorados.
Eles trocavam as lâmpadas,
consertavam, seguravam, trocavam.
Eram Homens.

Eu vi tudo isso acontecendo.

Sei do começo o que permaneceu.
Eu vi o seu rosto,
de alegria e orgulho,
por compor em um espaço em branco uma improvável melodia
de segurança aconchego afeto.

A casa é a mesma,
mas há suas faces.
Há os animais que ela abriga,
os personagens que por ela passam.

Os amigos,
as noites embebidas de álcool.
O gozo alto,
as brigas.

A tudo isso eu assisti.

Hoje, cansada, eu me guardo sob suas paredes,
ausculto suas paredes.
Escuto um barulho baixo,
um rumor,
um pulso.

sábado, janeiro 23, 2010

...

Adeus é mais definitivo e cafona.
Tchau parece jovem e um pouco vulgar.
Até mais é sempre mentiroso
(ou quase sempre, pelo menos).

Mas o mais doloroso é o silêncio.

é a compreensão sem trauma e com dor
da cisão de dois corpos,
de um nunca que se instaura.
das possibilidades que perecem, morrem, acabam.

o silêncio ausência de palavras,
antecipando todo tipo de ausência.

ble

a cor da cidade, essa, é sempre adjetivada com sujo(a).
verde sujo, amarelo sujo, cinza sujo.

quando se anda na praia o sol bate forte nas costas,
independente de suas cores,
a cabeça vai à larga medida,
guardando o horizonte e os passos sob as asas da espontaneidade.
na praia pode-se andar sem olhar para os lados,
se olha, todavia,
mas porque é bonito,
e normalmente vale a pena.

aqui se olha para o lado para não ser atropelado,
para os dois lados.

quando se anda na praia e o sol forte bate nas costas,
e anda-se decidido pelo mar.
e o mar anoitece os poréns.
esquece-se.

aqui na cidade ouvindo música de bolso,
picos de mp3,
trilhando todo tipo de cinza sujo,
também se esquece,
recomenda-se nessas ocasiões a faixa de pedestre.

sexta-feira, janeiro 22, 2010

Ele ou ela

Era abril.
Ela voltava
com suas sacolas
com suas vontades.

A casa revolvia
os três meses de sua ausência.
As plantas verbos
ignorantes dos seus afetos
proliferando com uma maldade daninha.
Tudo posto em seu lugar,
tudo em dúvida.

Ele parecia ter se organizado,
os copos,
até mesmo os jornais velhos.

A luz de fim de tarde escrevia desenhos estranhos pelo chão,
efêmeros como sua partida,
sua chegada,
sua vida.

O lugar não lhe devia nada,
poderia abrigar mil e uma mulheres no seu lugar,
tão inteiras,
tão perdidas,
todas mulheres nuas pela metade.

Talvez ele chegasse,
ou não.
Ele encontraria a mesma mulher vazia,
serena da boa vontade de o saber.
Ela que partira para nunca mais se esconder.

Ele que intuia,
que todo dia tateava,
a vida.

Por sua perna direita,
lisa e branca,
descia um fio carmim de sangue.

Ele chegava, olhava seus olhos,
limpava sua perna.
Ele sempre soube tatear suas feridas.
Ele sempre dizia
está tudo bem.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

sensar

a primeira vez que eu provei juá eu conheci um gosto que me pertencia, e que eu nunca conhecera.
hoje enquanto eu tornava o supermercado uma experiência pouca sã,
de virtudes sinestésicas e fundos de enlatados eu senti um cheiro.
ontem quando a noite venho a mim,
embora tudo conspirasse,
e os anos e os mundos
e toda a história do homem explicasse,
eu senti com o corpo o que é a lua,
e ela que nasce.

sexta-feira, janeiro 15, 2010

saudades

Cantiga para não morrer


"Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento."


do ferreira gullar.

quarta-feira, janeiro 13, 2010

no meio

caetano veloso ' minha mulher

terça-feira, janeiro 12, 2010

neo antigo

Eu andava com os pés firmes no terreno da sanidade,
calculando cada passo com desenvoltura,
em contraponto a sua ida macia e instável e descontrolada das noites azuis ou amarelas de mar.

Andando nesse asfalto quente de cidade senti meus pés sugados pela força do ventre,
engolida pelo solo, lugar dos demônios, e dos mortos.
Imaginava melhor assim a sua partida,
num bote vermelho e branco,
rindo, desassosegada, de outros tantos botes,
de outras tantas cores,
com pequenas luzes como guia,
no mar da loucura e da saudade.

Mas eu estava no deserto,
e tangia as missões que me deram,
matar 101 homens vestidos de cinza,
e encontrar a mocinha,
embora o cabelo dele fosse bem curto.

Não estava,
uma terapeuta apertava minha mão,
salutar ato,
ainda me dizia que no mundo só existia:
amor generoso.
E que calada e cheia de amargor eu não seria capaz dele.
Ela e a assistente se riam de mim,
você passava,
ria também,
envolta em tantos desenlaços que perdi a conta.
Homens, mulheres, de todas as cores e tamanhos.
Companhia barato para dançar ou beber,
ou ainda outras coisas que eu não ousava imaginar.

Você passava como a fumaça escapa da boca,
no instante fugaz de um desenho lindo,
que não ampara nem concede,
mas tem a beleza na perda.

Eu tentava te segurar entre os dedos,
olhos ensandecidos, boca dura,
a terapeuta me olhava com olhos doces
como se eu construísse castelos de areia.

Esse mundo de todas as cores perdia o sabor na minha língua,
preto e branco eu acordava.
Dores reais de um corpo dito real.
As mil voltas dentro da cabeça de um infeliz.

Nós nos ligávamos dentro da mesma lógica das cores,
retomava um pouco o sonho perdido.
O celular desligava, era acordar.
Só e com dor na mandíbula,
na realidade rasante do mundo sem mar.

domingo, janeiro 10, 2010

distração

carregar a pedra líquida com as duas mãos.
os poros, por pressão, a aguentam juntos.
a pele é branca, e seu interior se projeta infinito-negro por sob as raízes.
depois da chuva os armarinhos reconstroem seu repertório,
os insetos voltam a picar.

aqui
nessa terra sem montanhas
a chuva dura pouco
e o céu azul logo se torna face usual.

se houvesse vento
eu juntaria as mãos te mandando beijos.
não há,
então as junto em prece e canto oração.

fica nas costas a marca da terra.
os pés falam cansaço,
nunca canções.

mas a língua se multiplica pelas ruas,
os jotas e erres.
o sibilar e a garganta.

aqui os olhos que passam não fixam a matéria vida.
dessapegados, gêmeos,
geminianos.
deixam-se passar fácil pelas galerias.

a garganta cede,
o som ruptura do silêncio,
quebra gutural saliva.

a palavra se forma,
tende a rua.
passeia junto com os olhos.

sexta-feira, janeiro 08, 2010

sim

sei exato aonde o pranto é guardado.

em mim o novo que no olho entrou
fixou o constipado.

o choro na garganta
e no olho,
colado.


o grito,
por outro lado.

saudades

me pediram, dessa vez,
um pouco mais de calma.

menos lágrimas,
menos desespero.

Me pediram essas vozes de dentro,
da pragma,
do ático.

ajeitei os pequenos pacotes de fardo nos braços e parti para esse tipo de guerra,
da contenção e da
justa medida.

nela,
e por ela,
embarco num ritmo típico e fácil,
de novidades e aromas.

entretanto é quando a brisa cessa na cabeça que não para de andar,
que escuto o som que persiste,
e que sempre esteve no mesmo lugar.

é o seu nome constante e grave.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

tre

já respirar um novo ar.
O antigo ar de uma certa tradição,
uma língua estranha, embora familiar.
Um rosto de saudades se repetindo nos outros.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

buenos

fecho as malas,
apronto o sorriso fácil.

tema corriqueiro dos dias.

a novidade abre as portas,
deixa o ar entrar nesses salões.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

don't feel justified

delicadeza nos seus braços,
suor no céu no qual eu cantei aquela música do caetano.
sete mil vezes.

os mesmos discos da paixão de tirar os cabelos,
um rumor no peito.
loucura e saudades.

A água passa e a areia fica no lugar

na casa dela rolam as cascatas que evitamos com os passos firmes.

os cismos da ilha branca,
do estômago revirado e mofo.

na casa dela tudo desaba,
ela diz.
diz que nada disso valeu,
esforço vão de chegar à pátria.


culpa-me e eu a culpo.
temos medo e nos recolhemos nas ostras daquela praia.

eu espero que ela durma bem e que não seja injusta.
que o cansaço maior que o medo.

eu espero que pan me deixe,
quero os olhos abertos só para os pés deitados descalços,
sem os sapatos da morte de andrade.

acima de tudo a quero.
e com as palavras erradas e os gestos contraditos embalo seu sono difícil.

pensar

a mesa disposta de carvalho antigo,
a carta a se fechar entre seus dedos.
na memória futura um recado que voa distâncias,
cruza países,
e faz o que ninguém dessa família tem a ambição de fazer:
te encontra.
a carta indelével ao sabor das índias,
temperaturas quentes do sul,
hábitos escassos e rosados dos suecos.
nela te escrevo dos nossos males,
doenças e dias e dias.
nela tem medo e perseverar.
há saudade,
desse ser morno e espectral que sempre se vai.