quarta-feira, março 28, 2007

psicótico

coletor de traças
aprendiz de lobos
eu era e sou de novo

traço uma linha no teu estômago oco
há reflexos no teu olho - eu vejo outro
é o que fez e faz o louco.

domingo, março 25, 2007

sobre a arte de contar histórias

sobre a arte de contar histórias
como uma novelo de lã que aos poucos se desen-rola
talvez um velho e um banco
ou mesmo uma distração para o estado de vigília
digo que é fazer pouco caso do princípio de realidade
e fazer do dia o príncipio da vida

dia de semana

o lugar era um apartamento grande e antigo perto da augusta.
a paisagem eram os rostos bonitos daquelas meninas desconhecidas.
me lembro bem da música que tocava e das conversas que, apesar de tudo, não mereciam ser lembradas. lembro sobretudo de uma delas, que floreava as bobagens como se fossem formais epitáfios, construindo sua fala com o resto do corpo. era uma boa época para ser bonita. enquanto ela comentava borges eu focava a luz que vinha do lustre atrás de mim, com uma taça de vinho, no seu rosto. o jogo era esse, enquanto ela tentava se impor, eu a perseguia com a crueldade do vinho. é sempre assim que os minutos passam, até o jogo botar suas visceras para fora, até o inevitável instante em que a verdade, e o tempo, mostram o seu calibre inevitável. eu queria ter aquela menina num gozo. foi assim que eu perdi o jogo.

segunda-feira, março 19, 2007

escrever

parece-me por vezes que conseguir dizer alguma coisa com essas palavras que nos deram é milagre dos mais raros. desconfio com o canto dos olhos que a frieza completa que elas possuem conspiram pra um eloquente silêncio. é, temos que bagunça-las todas, também faze-las nossas, transtornar todos os signos e emblemas,
dessas letrinhas fazer farofa.

domingo, março 18, 2007

macunaíma

não me freio. hoje não. me recuso. hoje sou, e ser é enorme. o carinho me atormenta feito flecha, e isso tudo porque o recebo com o peito aberto. estou cultivando as veias saltadas, cheias do sangue pulsante que mais uma vez denuncia vida. num espasmo o corpo digere o mundo que se espalha por aqui: é cremoso e branco, é um mundo nu que tenho em minhas mãos e enche os olhos de alegria. os espasmos soltam lágrimas. hoje não deixo de dizer nada do que me cabe porque tive a coragem de ser: fraca, morna, lisa, mulher, ser. esse foi o dia que eu disse, olha, deixa disso, nem tudo é pressa, nem tudo amor, e eu estou nuinha aqui pra você fazer o que você quiser de mim. e isso eu disse pra vida. ela riu de mim, rimos juntas, de mim e dela. ainda estamos aqui, quietas, uma rindo pra outra.

viva

anoiteço com essa fome no meu ouvido. avulsa. já vou te dizendo com a voz alta, com a voz também apaixonada. estou com fome de vida. fome da hipérbole sensacional das paixoes, das viagens, das músicas! digo, porque esse instante está vivo em mim. acho que a morte é o medo da vida, e só isso, porque dando-se um jeito até morrer é vivo. então amanha eu quero ser feliz, e gritar, amanha eu quero bem é ver o mar. dado de realidade é pra beato, eu quero mais é acreditar num hedonismo alienado e puro. eu quero sujar as minhas mãos e o meu corpo numa subversão de anjos. quero conspurcar com os diabos. mesmo triste, o que eu quero mesmo é ser feliz.

freud

sinto-me nas órbitas flutuantes,
limbos, de espuma, e ópio.
espaços e gravidades alterados,
sou pura e não invejo a vida.
quase que só erros,
sórdidos desejos,

eu estou cansada desses erros.
quero dormir,
o sonho é a gravidade zero do desejo.

domingo, março 11, 2007

sem censura

tou triste
quero me sufocar num abraço.
quero morrer de carinho.

sábado, março 10, 2007

bolero de ravel

(pra se ler como se a tia velha lhe desse um relaxamento daqueles bem persiana-oriental)

- de repente o corpo,
seguindo os fluxos do mundo,
vai se envolvendo em si mesmo,
murchando,
passando o ponto.
torna-se repentinamente esquálido,
os lábios, os músculos, tornam-se acinzentados,
e, de compasso em compasso,
vão perdendo seu sentido.
o que era antes carne putrefata e antiga
torna-se o pó sem vida do tempo,
a forma que antes envolvia os tecidos comprimidos
desfez-se nos desenhos que o ar, a gravidade,
(e invariavelmente o destino),
desenharam ao chão.
do pó, rasteiro e raro,
o vento fez o vazio.
e o vazio, que já era pouco, assim ficou.

segunda-feira, março 05, 2007

nuel

os minutos soavam no relógio da cozinha. as paredes eram sólidas como nos tempos de infância. o sol estirado no chão se parecia com um retrato antigo, encontrado na poeira da biblioteca. os gatos quietos roçavam as ramagens. entre os elementos dispersos no ar, havia uma bruma sem matéria que tornava os limites mais sutis. todas imagens formavam o silêncio daquela tarde distante.
sentado no quintal de casa a tarde me engulia enquanto eu experimentava o gosto ruivo e ácido do uísque na garganta. ali, me sentia só e vivo como as criaturas fundamentais da terra, talvez um córrego, ou mesmo uma pedra. ali, me sentia preso a vida por uma força sem vontade e sem questão. vivo como uma coisa morta.
é porque repentinamente não queria mais fechar os olhos, ou mesmo pensar em lugares distantes. toda idéia de fuga ou evolução me dava nauseas. a vida deixara de girar em círculos, de formar labirintos metafísicos, de dançar entre promessas. a vida era a ordem que o silêncio ditava. era o retrato do instante em que o sol se punha.