sexta-feira, abril 30, 2010

óculos

entro no carro. a cidade me espia da janela. o vento que entra esparrama meus cabelos pelo ar. ligar o motor é como fazer a mesma história. e conhecer todos os personagens. as ruas se encaixam no que eu lembro delas. embora às vezes tenham mais trânsito.
às vezes eu esqueço o nome das ruas.
e os seus desenhos.
quando perco o medo de me perder.
alguém canta e o meu corpo se estica pela cidade.
levando o sol no corpo do gato.
fluxo de imagens,
cores desbotadas.
cidade girando nos meus olhos.

nascente

há um caminho que leva de uma nota a outra.
é um caminho de pedras.
nela caminho,
e o vento toca na pele do ritmo
e no aço.

os tambores clamam o coração distante da terra.
os pratos chamam os nomes do céu.
o pé que caminha é o tempo.

e o tempo é a essência.

quinta-feira, abril 29, 2010

meet me in montauk

entre cores fortes e neblina eu senti o vento me levando.
ouvi as músicas com atenção,
e me perdi nos cômodos inconclusos de outras memórias.

eu vi ele se perdendo enquanto procurava.
eu vi algo que ao se perder
se acha.

e eu quis.
eu desejei.
assim como ela.

o azul dos cabelos dela me fizeram sonhar.
o laranja e o vermelho.
as cenas sussurravam pra mim.
segredos.
que eu ouvi alegre.

quem no filme estava perdido era cheio dessa tristeza antiga.
mas havia uma nota de lembrança no ar.
era algo parecido com o amor.
e a chance de se reencontrar.

então minha alma se desvincilhou do meu corpo,
que protestava,
assim como o meu ego,
cansado das olheiras.
e disse bem baixinho,
quase pra ninguém escutar:

meet me in montauk.

monica e o desejo

monica.
o som da palavra na própria boca.

ela vivia entre gritos.
talvez isso justificasse.

eu prefiro pensar em termos de alma,
umidez dos olhos.

com os olhos duros
se tornar adulto talvez seja
se responsabilizar pelos próprios atos.
moralmente inclusive.

para os olhos úmidos
se tornar adulto talvez seja
anoitecer o impulso do desejo,
sempre o primeiro da manhã,
e aprender o amor.

o não tempo do amor.

monica olhando para as lentes do cinema.
monica na praia,
gritinhos de felicidade.
monica e o tédio.
monica inconstante.

monica e o desejo.

quarta-feira, abril 28, 2010

acender

era dia que amanhecia distráido por nossas cabeças.
quem primeiro viu foi a luz ainda acesa,
mostrando nosso estranhamento.

terça-feira, abril 27, 2010

felicidade

andava ciente de tudo isso. as certezas colocadas no bolso da camisa. ele apalpava o tecido.
não porque duvidasse, mas porque a neurose lhe caía melhor do que a histeria.
os palpites ele carregava no bolsa de trás da calça.
a loteria e os cavalos.
sempre achava que ia ganhar,
e pensava nas funestas conseqüências.
imerso como estava em dinheiro, status, cocaína e carnificinas ele pensava que era melhor ser pobre.
então ele perdia e ficava feliz.


domingo, abril 25, 2010

a banda

era assim que começava. o olhar dele interminável esperando... algo como o segundo ato. dentro dos olhos dele vagavam minúsculas, líquidas, brilhantes. saudosismos elegantes. ele abria e fechava a palma das mãos, fitando os veios escuros, os caminhos do hábito. pondo a palma sob a bochecha direita sentia calor e suor. se apertasse contra o olho começava a ouvir as batidas. no ínicio bem longínquas, e então se aproximando, como num tropel, como numa canção. fechava os olhos e no dia que fazia a terra seca, os homens da banda vestidos com ternos azuis de terceira linha, suados, morenos, perseverantes. na frente os metais. e no fundo, bem atrás, o bumbo. tocado por um homem gordo e desajeitado, que suava mais do que todos.

sábado, abril 24, 2010

antes do pôr do sol..

existe um sonho que passa como um trem que sempre retorna.
é um rosto doce
que a alma acha conhecer mais do que o corpo.

o corpo é marcado pelos instantes,
se molda,
responde.

o corpo tem memória curta.
a alma não tem memória,
não tem passado,
não tem futuro.
a alma só tem presente,
e o seu presente é o amor.

por isso ele sonha,
e é ela quem ele mais conhece.
passando num trem contínuo.
um rosto doce,
porém inerte.

a alma ainda vive,
mas tão longe do corpo
que ele acorda suado
e chorando.

antes do pôr do sol.

não há alegria
e não há tristeza.

existe uma casa sem riso,
um filho numa casa sem paixão.

existem saudades,
e existe a solidão.

inferno

todas as cores passam
cores de sentir com outros olhos
de pássaro que vêem mais cores.


não há foco que as prenda
- todas as cores passam.

quinta-feira, abril 22, 2010

amanhecer

a pele dela machucada,
como um céu
ou a chuva
de infinitos,
ínfimos pingos.

a testa
estandarte da cabeça.
as estrelas,
espinhas, suspiros.
sussurros.

a noite assoprava segredos para ela.
noite quente
e cheia de cores.
as mãos se tocavam
- delicadamente.

se pensava
tornava a sentir.
e tudo recomeçava.
sentia o peito se desprender do corpo
empreender um vôo leve,
e por isso mesmo
breve.

via fluída a alma passeando
em estágio de desacordo,
tranquilo extase.
no dia seguinte acordava
e tudo entrava em acordo.

de noite tudo é sombra e há mil luzes.
de dia o sol faz uma única sombra.

quarta-feira, abril 21, 2010

perdão

é sem duvida cheio de mistério,
como tantas coisas que vem junto do amor,
a intensidade do junto
ser a cica do separado.

o passado denso,
nada matará.
mas saber que você é
algo que eu não sei o que,
mata em mim algo.

Por isso é que me despedi assim,
fechei as portas e janelas.
da casa que te falo,
do corpo
e da memória.

Foi por isso que endureci
por não conseguir dividir um mundo
em que seu sorriso é anônimo.

Um dia quem sabe meu carinho volte,
doce e gentil como nos dias das intensidades.
agora tenho só esse sorriso duro,
esse olho solto,
cheio de um amor fechado.

amarelo

nutri escondendo do mundo
o mais profundo
dos meus desejos.

ele fez-se em casca
e em leito.

agora se rompeu.

dele vejo saindo
não o amarelo que alimenta,
mas o filho,

que sou eu.

gaveta

li palavras perdidas no tempo.
palavras que não souberam que tinham se perdido,
repentinamente encontradas
num ninho morno de tabaco e incenso.

soube ouvindo minha própria voz,
embora doce,
de mãos compridas e finas,
mãos claras
que desenhavam sem que se supusesse conhecer seus movimentos.
vi meninas eternizadas em mulheres
porque eram apenas suas,
num calor de autonomia e inocência.

vi meus olhos se perdendo continuamente nas órbitas,
repetindo erros em intensidades outras,
sem nunca se arrepender.

reconheci familiares nomes de amigos que ainda cercam.
homens, mulheres, um dia adultos,
sempre lúdicos, propensos.

vi desejos sucumbirem ao tempo.
sinceridades surpreendentes.
vi uma expectativa muda em gaveta,
uma idéia que se formava.

segunda-feira, abril 19, 2010

si

você me ensinou o silêncio.
e eu sempre disse que esse era o nosso cheio.
a ausência de palavras como desculpa
para nos encontrar em lugar.

quando tudo acabou meus olhos continuaram mudos,
mas os braços e bocas não pararam de perguntar.
que tola fui eu,
pensando que sua boca muda
ia me explicar.

acordo.
o corpo está ressentido comigo.
acorda para os sonhos reais,
não aqueles que dormindo menti.

os músculos estão secos,
a boca imóvel.
os olhos não fitam o espelho que o antecede:
ainda não há força no sangue para alcança-los.

por fim
completamente levanto.
chamo as vozes da minha casa,
nenhuma atende.
estou só
e penso que é como a vida.

sábado, abril 17, 2010

dormir acordado

Quem dói é o estômago.
A garganta se condensa proibindo os carnavais.
Os olhos não se cansam do seco e do molhado,
intermitência dos momentos.

Talvez fosse dar uma cambalhota no mesmo lugar,
encontrar água,
doce, salgada, salobra,
no limite dos pés.
E o céu nos olhos.

Talvez se tudo não fosse seco.
Não como a terra que vem até o nariz,
mas como piso frio que não se muta.

O sol queima e transforma minha pele.
O cansaço dá motivo pra se esquecer.
Sonhar moldado pelos limites do corpo.

quarta-feira, abril 14, 2010

pen-ser

não tenho dinheiro,
nem tenho asas,

mas tenho imaginação
pra me levar pra todos os lugares
que esses não podem.

doce

reconheço o doce quando vejo,
tato escuso
bem nos olhos,
sente o gosto dos humores.

paladar disfarçado de saber alma.

terça-feira, abril 13, 2010

sentir

Reli todas as palavras doces.
e me perdi
em círculos dentro de círculos.
Não reconheci as paredes,
eram de pedra,
geladas e agudas ao tom da pele.
Mas algo permanecia conhecido.
Talvez o riso, o gozo e o choro,
e a maneira como você escreve vasta.

Num tempo ausente experimentei ir,
jogar-me para dentro dessa terra morna.
Reconhecendo as palavras conhecidas
empreendi o que era conhecer,
rumo a utópica carne
do presente.

segunda-feira, abril 12, 2010

ilhada

A voz dela diz coisas secretas
no fundo da minha nuca.
No oco do meu segredo.
É lá que ela cochicha as poesias,
as melodias do seu dia-dia.

A cor que me toma a pele,
quando há de ter na vida
o mesmo cheio belo da música,
é a mesma de brincar
em terra que o sol se põe.

a última casa, ou a antes da primeira

o corpo tem cheiro de mata,
ou mangue.
vai indo em círculos a fala
que olha.
fundo que é
no jardim que ainda
mata.
pele morena
ou branca.
olhar água,
pulsação de tremor de terra.
as palavras para o menos
muito mais o gosto quente do ar
à sua volta.

sábado, abril 10, 2010

XIX

Eu estava dormindo.
Tinha frio na barriga e tentava apropriar o casaco à maneira eslava.
Abri os olhos ligeiramente,
a luz branca da manhã entrava no meu quarto,
mas não o calor da luz.
Tinha um sujeito sentado
com uma gravata estranha.
Ele tinha os dentes feios
e falava demais.

sexta-feira, abril 09, 2010

voyeur

Se ele conseguisse ouvir todas as vozes dessa cidade
se transformaria na medusa,
ou na própria loucura.
Entre copos de vinho pra enganar o frio,
cachaça com gosto de ressaca,
programas de tv barata,
coxinhas
e coxas se esquentando embaixo dos cobertores.
Nessa cidade de mil janelas.

O homem que vai pela rua tem muito frio
e anda com as mãos nos bolsos.
Seria mais feliz acompanhado de um conhaque,
mas não é,
e se esquenta roubando o calor da intimidade dos outros.
Os apartamentos,
suas plantas, lustres,
e com sorte
alguma pessoa passando,
dando comida pro gato,
vendo tv com alguém.
Aquela luz densa e baixa,
da matéria difícil do lar.

Ele está só,
na escuridão e no frio.
Seus músculos doem,
mas ele ainda sorri.
Não há janela na qual ele queira estar,
não há moldura que o conduza,
a um novo ato do encontro
e de entrega.
Ele prefere por hoje
somente olhar,
no máximo um café,

e obrigado-até-mais.

quinta-feira, abril 08, 2010

persisto

Acordar
o corpo queda sem forças.
Eu já não suplico mais por nada.

Das coisas que perdi no turbilhão
a que no chão mais derrama meu corpo
é não ter mais querer.

Só o estar morto, morno.
Mórbida mania de ser.
Sozinha e sem palavra
no meio de todas as salas do mundo.

manhã

A noite me engolia
em tenebrosos carnavais.
As imagens persistem
vozes entrelaçadas
na escuridão de nenhum pensamento.

Sobrar-se nessa manhã
quarta feira de cinzas.
As cores todas sem vida,
só o vermelho da lascívia,
nos lábios das mulheres,
no sangue que ainda quer errar de veia.

terça-feira, abril 06, 2010

sim pinguim

vamos dar a mão na rua,
e correr com medo dos pombos.

Minha cama de solteiro é ruim de dormir sozinho
e junto.

quero por fogo na tinta das minhas paredes.
que você desenhe calculando o resultado
incinerado
por cima do branco e do vermelho.

Acho que você saberia.
se estivesse bem distraída.

segunda-feira, abril 05, 2010

presente

era cheio de passado
o gosto de um corpo ausente
que não se identifica,
em nome, cor, sabor.

cheio de futuro
a sombra de uma palavra quebrada.
sob o sol que faz sombra em todas as coisas.

cheio de presente.
a secura da boca,
a mão que vai
e volta porque quer voltar.

a palavra transformada em ato.
a sombra da idéia
em um corpo sem cor.

sentir no corpo
o sol do outono,
cor e luz
e nenhum calor.

agradeço

sempre chovia quando eu ia ve-la.
Era sempre segunda e chovia.
Ela me oferecia um chá,
ou água,
ou café.
Dependendo do dia.
Me dava um desses beijos que você não deixa de olhar nos olhos.
E me conduzia pela mão por aquele corredor de mil portas.
As maçanetas eram passarinhos,
e eram tantas, tantas portas,
que eu nunca sabia quantas cabiam na imaginação,
e por trás de quantas delas cabiam contos,
coitos,
meninos torturados,
edgar allan poe.
A porta aberta,
um pequeno galho branco no vaso,
os cremes dispostos,
as cadeiras,
a cama.
A luz baixa,
o cheio de alóe.
Eu deixava a bolsa na mesinha,
a soltando num balanço para economizar gravidade.
Nos sentávamos e ela me olhava sorrindo.
A vida para ela parecia doce,
e as minhas convulsões engraçadas.

Quando eu saia com o cheiro nas minhas mãos gostava.
Levava um pouco daquele mundo perfeito comigo embora.
A janela às vezes fechada,
às vezes aberta.

quinta-feira, abril 01, 2010

dois

Como quem conhece o amanhã
ele chegava perto dela.
Era sempre noite
e ele cheirava bem.
Ela não sabia que era mais bonita que ele,
que seu charme era acreditar
na beleza dele.
Ele às vezes ia de branco,
ela muitas vezes de vermelho.
Tentava assim substituir sua timidez por outra coisa qualquer,
como os cabelos despenteados,
e os gestos impulsivos.
Ele ria quase sempre,
não sabia que seu charme
era acreditar na beleza dela.