quinta-feira, maio 31, 2007

total

a vida que me apresenta de pés descalços e me chama pra dançar. recuso, pois já não sei. nem sei mais meu nome. a verdade é que tenho medo. a verdade é que a verdade não é fome, nem sono, nem medo, nem desejo. é qualquer outra coisa. de pés descalços. a verdade é que eu quero fugir. será verdade que eu vou. será partir uma grande e ciumenta ilusão da vida que te reparte em dois e come teu fígado como se ainda fosse dia? é. eu tenho fome dessa vida. descalça, mansa, e inteira. me diz o tempo todo que está lá à minha espera. ignoro sabe? finjo que não. finjo que está tudo calçado com sapatos pretos de ir deitar calçado (acho que era drummond que falava assim da morte). meu amor. a vida é pra virar as páginas do coração, mas é sozinho. sempre sozinho. sempre úlcera. e te amo tanto quanto pode-se amar no mar. quero ir pra praia. e um dia quero que uma das suas páginas seja virar peixe comigo. a vida é bonito já diziam. e é mesmo. mas só descalça.

instantâneo

Te aparecia a uma esquina, estavas de chapéu, inventada no esboço de um sorriso. Eras toda felicidade de passado. Encantava os retratos sem fome, como se fossem doces, os dias, aqueles. Olhava a flores para mim, era toda de cheiros, dançava outonos. Aos sonhos feitos de nuvens, a foto morna como no rosto a sensação de um beijo que acabou de ser dado.

bike

Eu ganhei de aniversário uma bicicleta vermelha, com um laço, sem laço, era tudo aquilo que eu lembrava. Grito de um vermelho contra uma mansidão de cinza. Cachorro do mato. Grito que ninguém deu. Palmeira de Drummond? Riso perdido pelo chão. Vejo um tempo de tocaia, era um sonho que se escondeu na contra mão de um pensamento. Eu digo ninguém nunca viu o vento. Atesto, proclamo, transformo tudo em cruz, sacrifico os cordeiros. Mão que toca meus ombros, não posso olhar para trás, como passado, ou como silêncio.

segunda-feira, maio 28, 2007

7

espero da frieza da sua boca a palavra de ordem.
navego pelos mares secos que foram essas horas,
reformulo as palavras que ficaram suspensas no ar.

os rostos,
os rostos, todos deformados:
será miopia dessas gotas d'água?

a palavra nunca.
o braço imobilizado,
ato sem fim,
semi círculo.
por essa estrada
nunca avançará.

dos grãos de tempo,
castelos de areia, pequenos contos.
compulsivamente me alimento
dessas migalhas que achei pelo chão.
se todas as fomes são infinitas:
enfim o seu não.

por tudo o que foi fácil,
não suprirá a falta:
vejo a vida com suas tetas imensas,
apagando brancos incêndios.

sob os olhos de aproximar-se
de um instante, tempo e espaço,
descubro a matéria do vazio:
eis a infinita chama.

a dureza desses passos,
marcas fundas no solo.
o tempo passa:
estamos salvos,
ainda somos.

sábado, maio 26, 2007

é lava

qual é a palavra que salga sua boca? é a solidão.
é se encontrar chorando, perdida em si mesma,
e não se encontrar.
e não ter pra quem ligar.
é uma ladeira que não dá pra enfrentar sozinha
e não ter com quem ir junto.
é fingir que não precisa de ajuda e então ter que não precisar.
é querer se matar, mas não ter coragem.
é gritar e gritar e gritar, e não saber gritar,
e precisar, e não saber precisar, e não vir ninguém. é isso.
é essa lágrima que caí sozinha.

sexta-feira, maio 25, 2007

que instâncias da personalidade?

- tô me sentindo uma merda. tô sentindo dor, e to fingindo que é poesia, e tô falando que ela tá ardendo em mim.
- despressuriza bicho.. escreve, escreve tudo! pôe no papel, finge que isso tudo é deles também...
- eu não quero escrever. eu quero viver.

paúra

tá tão frio, e a cidade anda tão bonita. a rua tá cheia de pessoas com frio. não importa muito o que elas pensam, elas são o que elas são de qualquer maneira. pensamentos são só espaços brancos com desenhos. uma mulher de casaco roxo escova os dentes e com os olhos olhando pra dentro pensa em qualquer coisa. eu olho pra ela e eu vejo ela. basta olhar pra dentro.

faz uns dias que tem uma dor no peito que atesta que eu existo. minha hipocondria vigilante já tentou mil diagnósticos, de gases à botulismo. parti pra freud, pensei quais eram as pulsões que eu reprimia, em que buraco eu me metera. mas prefiro não pensar assim. eu sei que se a vida deixar de ser só esse empurra empurra, se escondendo nas entrelinhas para não tomar chuva, eu vou chorar. dor no peito de se encontrar sozinha.
sabe, cada dia mais eu penso que existir é isso, existir mais por inteiro, é achar-se sozinha.
eu me prendo às pessoas, às teorias, aos livros. ao mar. talvez tenha desaprendido a viver sozinha. a estar sozinha. eu sempre penso que uma música vai me salvar. o que eu tenho é medo.

quarta-feira, maio 23, 2007

concêntrico

A luz é pouca. É luz da madrugada. Os grilos me trazem esse silêncio imenso que chamam solidão. Não ligo, sou esse outro. Corpo ao vento. O redor me engole como seu, como um nós. Inventado, já que me esqueci.

Aos poucos as unhas vão se encardindo da terra que não consigo evitar, os pelos vão se coçando da grama que incomoda entre as pernas, e já nem incomoda mais. Não há luz que me chama, não há voz, nem mesmo sopro. Não há ondas que não poderia romper.

Talvez venha um cão aos meus pés, cumplicidade de olhar no mais fundo de nós dois. Ele se entrega e eu me entrego. Amor barato que prefiro. Estar só, sem vozes. Reverbera o som e o calor.

celeste

passa toda a história que se esgota
todo o tempo que passa
sabe mais quando não diz
tanto bem e todo mal.

nas nuvens

vem, olha esses passos.
dá-me tua mão.
hoje eu vejo tudo com novos olhos,
olhos de quem nunca viu.
aqui dentro como flor única,
pés decalços em piso de madeira.
indistinto ir sentindo
corpo todo, alma aberta.
esse existir leve,
carinho de pluma,
passos de lebre.
escuta esse silêncio todo,
e me dá tua mão.

sábado, maio 19, 2007

brother jack mcduff

- que diálogo seria possível?
- não sei. impossível reter os flocos das pessoas reais. por isso que eu não gosto de cinema, os personagens quase nunca tem mapa astral.
- mas quiçá... quiçá criar é quase psicografar, umas coisas de inconsciente coletivo, manja? mapa astral, jung....... física quantica e qualquer coisa é possível..
- inclusive criar.
- vai ver..

papirus

tem algo que eu sou agora, reconheço.
já não sabe mais das histórias do passado,
não é lúdico, tão pouco sábio,
sem matéria, ou futuro.
peito agora de se ver por inteiro,
quem sabe sentir o momento.

fluxo, instante fluxo do erro.

quarta-feira, maio 16, 2007

desabafo

como não sentir-se os restos batidos vendo essas moscas rondando às voltas da minha cabeça. franzo o cenho desse odor contínuo, perco o orgulho nas vicissitudes do momento. o sal que escoa minhas palavras, as silencia, é a ira. ela que embora carregue uma cruz que não a pertence, também sabe que as causas são apenas minhas. infrinjo-me as dores, este é o não sucesso, chama-se frustração. não durmo, não digo. sou um resto. sou resquício de chama que se apaga com o vento. fruto contínuo de certo desamor. céu sem nuvens. sonho sem noite.

segunda-feira, maio 14, 2007

faísca / retalho

cansou-me esse lastimar que eu era. anos de alguma incongruência com os fatos do mundo, dia após dia, me tornando aquela coisa aberta de quase morte. tornando um resto qualquer, uma poça de emoções amargas. eu talvez fosse um lago ou uma casa, era uma carta que ninguém nunca leu, permitia no mais fundo do meu silencio ser pouco menos que um buraco. eu era um nada, achando que assim eu me tinha inteira. me guardava no escuro, aguardava outros tempos, e nada. todo ato se desvanescia no ar, pimenta aguada nos olhos, medo-espécie-de-amargura.
dúvida de que essa existência ébria e escura, por só, fosse como minha. era nada! era pouca. aprendi quando me esqueci, porque me encontrei no ato. no que de mim retornava quando eu fingia não ser. me encontrei em todos os enganos, pois me entreguei. foi assim que novamente o erro encheu minha boca de palavras: quando a melancolia com sua ladainha atraente conquistou-me numa esquina. encheu-me matéria vazia no peito.
bebi, e não voei. só pude andar. princípio do fim a falta. enleio da matéria. é isso que somos.
o oco inadimplente retorna. e então somos nós.

o tempo

quero morrer antes que seja tarde

sábado, maio 12, 2007

o haiti não é aqui

gosto de porra de gordo na boca:
- a vida não é pra ser digerida.

pra não perder

tenha alma de entender clarice,
tenha signo de também ser útero,
tenha olhos de entender no escuro,
quero um homem que nunca seja bruto,
da poesia ser também mulher.

sexta-feira, maio 11, 2007

manga

pego uma manga na mão.
é uma fruta - me dizem.
pego uma manga na mão
procuro uma fruta.
a mordo - procura a fruta da fruta
a mordo - a devoro - a sou.
procuro a fruta da fruta
chego ao caroço
e me encontro
a fruta está no oco

muito pouco

a solidão me gasta a pele como o meu medo de não ser. apenas como isso. eu deveria me lembrar de que os passos se dão por negação. a força das pernas vence a preguiça.
se não for para ver o time ganhar, basta andar pela cidade. eu ouço melodias no meu oco, eu sorrio de uma alegria qualquer. esquinas e esquinas, anônimas. esses são os meus passos (eterno desconhecer de suas meninas). o céu me cobre, a rua me cede,eis que invado a vida, com seus pés de aço: venço seus vãos. assim que esvazio o sentido da inversão que é ser para dentro. a cidade me faz tão pouco, me rareia, não passo de um não nome. andar desse existir para fora.

quinta-feira, maio 10, 2007

cruz das funções

acho que o pensamento é uma merda. uma construção eterna e incompleta. milhares de barreiras, milhares de instantes, e nenhuma verdade. eu acredito no sentir. o sentir me conta dele próprio, sem passado e sem futuro. o tempo foi inventado quando desistiram de sentir e passaram a pensar.

segunda-feira, maio 07, 2007

mao

acalma menina respira
pensar é sua terapia
me diga dos seus dias
deixe seus pés no chão
não voe tão alto
é árido o ar
rarefeitas são as sombras.

o caminho e as pedras
as pedras e o caminhante.

(sim, tema. pois o erro também está lá) .

o fim não existe até chegar,
qual projeto que não é como horizonte,
qual delírio que seca antes da fonte.

o caminhante, meu amigo,
é o todo, é o próprio caminhar.

domingo, maio 06, 2007

metafísica

por engano
sei desse marca passo
dos erros
finjo a nostalgia do controle
tensiono todos os músculos
nos dedos evito
abandonar-me num largo precipício.
e penso
e sinto
e tento
o fim é sempre o fim
e o erro é inevitável.

quarta-feira, maio 02, 2007

mariposas

cada dia que passa faz mais tempo,
eu descascava a vida como se fosse uma cebola
e em poucos instantes lá estava eu
e a vida. sozinhas.
algo como se luz
de cozinha iluminasse tudo.
não estava preparada
e chorava molhando os ombros fortes
do meu pai.