quarta-feira, abril 29, 2009

brisa

tenho dor na vértebra esquerda
e no coração direito.
tenho lágrimas contidas em forma de vento.
preferindo as nuvens a tv,
preferindo numa vida vazia te ver.

era pouco e o bastante.
não passavam de vagos momentos,
lembranças futuras a que chamam planos.
era a nina simone que poderia tocar no rádio,
era a vontade de mais um passado.

chegou e foi-se como a brisa,
mas não podia ficar comigo mais um pouco.

segunda-feira, abril 27, 2009

dante

na escuridão da selva,
de outro homem,
me encontrei.

às portas do inferno
não soube me decidir
para que lado ia.

acabei pela covardia
de não subir morro algum
e perder toda a vista.

no limbo entre passado
e futuro permaneço
estática e sem tempo.

só medo sem desejo
temo o som do vento
passando pelas folhas.

tratado sobre as saudades

saudades presente é abraçar um corpo em seu absoluto esplendor material e sentir sua essencialidade se esvair pelos dedos como areia.
saudades passada é sorrir vendo o retrato de quem te abraça.
saudades futura é felicidade que não se conta a ninguém.

poço

Depois de dias de busca,
quase encontraram o meu corpo,
úmido e esquecido num poço escuro.

Senti a corda que amarra marcando esse corpo,
único elo entre uma mente em devaneios e a claridade de uma manhã sem fim,
ser arrancada dessa realidade pulsante.

Meus olhos em chamas testemunharam o movimento do sol,
a dança sincronizada de lanternas a procurar por mim.

Perderam-me,
meu corpo afundou-se mais alguns metros.

entre a umidade e a escuridão,
percebo que meus olhos acostumaram-se ao breu.

quarta-feira, abril 22, 2009

borbulha

planos com a mesma aflição de um carinho bem dado,
mas não tão bem recebido.
os dias passam areia entre os dedos
e vejo seus rostos enquanto me esqueço.

bebo e enfio os dedos na tomada,
tenho mamilos de som e desejo,
uma cor descorada da cor dos pelos.

fome da vida
e uma vida de medo.

besouro

ele desceu do trem com as mãos nos bolsos, para segurar a calça que caia.
atravessou caminhos dispersos, rios escorregadios, sorrisos perversos.

quando quis sentar que viu,
chifres de boi num inseto com patas.
não sentiu medo,
sentiu-se atração,

pois o bicho sem olhos o guardava com o olhar.

o mundo se fez manso e sólido
e esqueceu-se como sempre de matéria-poesia.
acordou com a vizinha lhe avisando que o inseto lhe subira as calças.

sexta-feira, abril 17, 2009

ternura

vejo o rosto de uma ela e um grito prendido na garganta se descontrola,
silêncio amplo de pra esse ela não ter mais lugar.
a outro ela não prendo o choro, procuro com os braços,
não penso nada, e encontro paz.
encontro paz. a esse ela por não ter pensar
há ternura dessa feitura delicada das teias aranhas,
sem medo de romper o traço encosto-me no seu tecido,
e encontro paz.

terça-feira, abril 14, 2009

dois

claramente gosto
como quem re-nasce.

cline

me sento como sempre sento.
olho a tela branca como sempre olho.
fecho os olhos e abro os mãos,
sabendo que é sempre pelo gesto que acho minhas emoções.

quinta-feira, abril 09, 2009

cinza

um espectro ronda a europa..
lembro da frase enquanto entro na garagem.
bons tempos aqueles em que eu, bucha de canhão, acreditava que acreditava em acreditar.
hoje vou viajar,
minhas costas doem,
vontade de ficar só.
os outros quando vejo esperam algo de mim,
esperam sem esperar.
me polarizam nesse ser que inventei pra lidar melhor com tudo.
meu intestino anda meio desandado,
minhas costas doem
vontade de ficar só.

acordei com os olhos embotados
de lágrima e de cansaço.
acordei com o dia cinza martelando na minha tristeza.
acordei fraca e frouxa de se maltratar por um dia feio.
e com dor nas costas.

hoje acordei como todo dia acordo,
solitária como admito ser.

terça-feira, abril 07, 2009

namorinho de portão

"leve leve releve que pouse a pele".

o seu olhar

Que olhos tímidos ela tem
quando olha para os lados
sabendo que eu olho para ela.

Ao contrário dos seus olhos
quando nos perdemos nos nossos olhares
e ela olhando me tem.

segunda-feira, abril 06, 2009

a menina

a menina entrou pela sebe do jardim com os passos bem leves.
combinava com os tons claros criados pelo sol excessivo e seus olhos sensíveis.
olhava para o outro lado de tudo atráves dos buracos da cerca.
prendia seus dedos e se deixava cair para trás.
fechava os olhos e esquecia de respirar.
o sol a trazia mais pra perto da chuva,
seu vestido molhado de grama.
ela caia no chão e não pensava.
ela existia em silêncio,
e em silêncio via o mundo passar.

negro líquido

ou derreter.

domingo, abril 05, 2009

frieza

quando fecho os olhos escuto a tempestade dentro da minha carne,
a aspereza da tormenta pálida, o zunir constante do sangue.

quando abro os olhos paro de sentir.

pairo nesse equilíbrio impossível
de deixar o mundo para além do corpo,
e deixar o corpo para além do mundo.
flutuando silenciosamente no limite exato da pele.

sexta-feira, abril 03, 2009

litoral

na escuridão da noite passada,
fomos
pro sul de algum país distante.

o teto como água,
refletindo o sol das praias que inventamos
quando o mundo deixa de bastar.

hoje amanheci sabendo seu nome e seu gosto.
trouxe o seu corpo para perto do meu
e senti como resposta um gotejar distante.

como um eco,
uma lembrança,
de ouvir conchas do mar.

quinta-feira, abril 02, 2009

cinza

você é moreno, tem olhos fundos, e neles verdade. você tem cabelos que se mexem com o vento. você está numa construção abandonada e engole cacos de vidro. você mexe os dedos por não poder mexer as pernas. você está trancafiado na sua liberdade. você tem fome, mas não tem estômago. você gosta de filmes alemães. você se desfaz de tudo. perde a casa, o dinheiro, o cabelo. você tem todas as idades do mundo. mas tem medo. você tem medo e não pode mais beber. você é cinza, e quer ser branco e preto. você tem medo, e logo vai morrer.

rua laboriosa

idéias fixas vagam enquanto peço um copo d'água.
o balcão do bar é sujo,
a luz do sol filtrada.
o velho dono tem a barba rala,
sentado numa cadeira velha,
parecendo um pirata.

não fumo cigarros da morte,
vontade de lavar a mão,
enxugo-a dessa água rala na barra da calça,
e espero dias melhores.

uma mulher bonita e só dela me olha de esguelha,
mas não me nota.
lá fora o mundo todo inexiste numa vida corriqueira.
pombos ecoam seus vôos cor de cinza,
o vento me prega peças.