domingo, janeiro 29, 2012

marilene

"O pênis, tão logo cortado com o aço
atirado do continente no undoso mar,
aí muito boiou na planície, ao redor branca espuma da imortal carne ejaculava-se, dela
uma virgem criou-se. [...] Ela. Afrodite."

Hesíodo - A teogonia


Se a espuma do mar é a porra de um velho (deus sim, mas velho) o que serão as perólas? Será o ponto exato, o epicentro do prazer radial, o cintilante Carnaval? Da ostra não comem-se as sólidas bordas e a pérola.

O grego, antes de tudo um homem, antes de tudo um bruto, escolheu a espuma do mar como hoje se escolhem os filmes. A espuma do mar úmida Marilyn Monroe, criada da porra de um deus decadente, obsessivo, tarado. Filha transversa do Céu que não parava um minuto de comer a Terra. Urano Zé Celso, com um pouco menos de caráter.

Quando Marilene me chama para jantar, vejo profunda sua melancolia, girando lentamente na taça de Negrone. Quando me ofereço para amparar suas coxas com a destreza de um garçon, ela lança seu sorriso piedoso e neutraliza-me com seus lábios de madre-pérola. A ostra me imobiliza. Eu e minhas maneiras parasitas. Nada prospera na deliciosa contenção da ostra. E quando, bandeirante aguardente, enfim arrisco sua casca, muitas vezes perco-me no devaneio da pérola, esquecendo a carne mole e translúcida. Eu gosto das pérolas, por que elas trazem cores aos olhos. Entre as tetas formidáveis de Marilene as preteri.

Se a pérola é a corda luminosa lançada para nos afogar no encanto incautelável da luxuria, a carne rude da ostra é cruamente a coisa em si. Ofuscada pela pérola, toda ostra espera ser comida com pouco ou muito limão.


terça-feira, janeiro 24, 2012

bromélia

Ela era do tipo que lia três páginas por noite. Incisivamente. Assertivamente. A dislexia regressiva, patologia comum que consiste na repetição de uma linha a cada três, se dispersava ante seu profundo esforço meditativo. Esforço que durava exatamente três páginas.
Quando a última palavra era deglutida, ela deitava-se na cama rodando em libertinagens higiênicas, ligando os nódulos do teto às magníficas constelações dos livros. Pairando entre os cheiros, segurando as torrentes nos dedos, era difícil cair no sono (armadilha). Ao invés disso, tinha o anti-sono, primitiva aventura amparada pela luz amarela do quarto, e por essa torrente estática, o anti-pensamento.
Perscrutava entre os cílios a matéria distante dos sonhos, o difícil barro dos livros, o éter esparso das outras dimensões. Difuso e concentrado, o ponto em que se conjugavam todas as coisas. Depois da primeira curva, somente quando não pudesse mais fixar o tempo, lhe eram então permitidas essas visões, o deslumbre de um tempo sem tempo. Era assim, somente quando acometida da loucura de ver todas as coisas, que o sono a recolhia. Todos os dias havia de viver como Prometeu. Não recordar era o preço pago para voltar, sem que o aleph a fulminasse como o primeiro ser frente ao primeiro sol.

segunda-feira, janeiro 23, 2012

afinidade

quando você fala,
meus harmônicos ressoam.

sábado, janeiro 21, 2012

a camille claudel





eu também já fui lobo.
amanhecendo sobre os moldes de gesso destruídos pela fobia.
eu também já entrei nos vaus para roubar barro verde.
já me embrenhei nos vaõs da barba,
no comprimento da barba,
no cheiro da barba.
eu também já enlouqueci.
perdi o chão do olhar,
pelo desgosto, desilusão,
uma ancestral sensação desamor.
eu também já fui mulher,
e soube ter a coragem de trabalhar com barro.

o selvagem belo,
a coragem à dentadas,
e o incontrolável medo.

quinta-feira, janeiro 19, 2012

a camisa colorida que cobria

os dedos sujaram-se em dúvida
no pó ralo que sobrou em cima da mesa.

nas espáduas o sopro de talco,
a baforada quente, o som, o pré, o pan.

das mornas noites músculos elásticos escalando as paredes da ocasião,
em manhãs a sombra clara no olfato.

a poeira seca dos livros abandonados,
lidos em alturas indecifráveis no jardim da casa.

do tempo fina a areia,
prova concreta,
em cima do tampo da mesa.

quarta-feira, janeiro 18, 2012

fora SOPA/PIPA

mal entendidoS PROTESTS THE PROTECT IP ACT

Many websites are blacked out today to protest proposed U.S. legislation that threatens internet freedom: the Stop Internet Piracy Act (SOPA) and the Protect IP Act (PIPA). From personal blogs to giants like WordPress and Wikipedia, sites all over the web — including this one — are asking you tohelp stop this dangerous legislation from being passed. Please watch the video below to learn how this legislation will affect internet freedom, then scroll down to take action.

LEARN MORE

TAKE ACTION:
EMAIL CONGRESS

CALL CONGRESS

INTERNATIONAL ACTION

domingo, janeiro 15, 2012

vera

os errados excessos arrasam minha língua.

segunda-feira, janeiro 09, 2012

medusa

foi num ato de violência explícita que o ritual se cumpriu.
você então, como planejado, encontrou todas as justificativas para
as mais sutis das violências.
com pressa o tempo passou.
agora vejo as cicatrizes no meu abdomen,
e posso compreendê-las.



nunca mais quero olhar nos seus olhos.

sexta-feira, janeiro 06, 2012

a simples beleza

belos dias, a fumaça que desgosto se enlaça azul no meu corpo que aceita essa dança, nunca descobri por que a luz é tão linda, e tão feia se branca branca, solidão no meio da cozinha. embora faça lembrar de cozinhas, de sozinhas, de tardes inteiras em que o sol ainda bate e a luz ainda não foi acesa. branca branca. a saudades é branca. de momentos azuis. ou por vezes laranjas, amarelos, verdes, cinzas, negros. momentos densos. o passado é branco. cor tem o presente.