segunda-feira, novembro 30, 2009

crítica

O filme se apresenta diante dos nossos olhos:
os segundos correm, o corpo sente o tempo.
O filme como sensação, então impressão,
tenta nos devorar através do olhar,
as mãos críticas se preparam - está disposta a guerra.

Entretanto,
a cognição,
ao contrário do corpo imediato em ser/sensação,
potente apenas no analisar fora do tempo,
retém a matéria que o olho descartou,
diante da memória do fenômeno efêmero.

A cognição munida de passado,
dialogando com outras linguagens,
num mundo fluido de letras e som,
tempo e ausência.

quarta-feira, novembro 25, 2009

triste

quando a tristeza vem tão firme assim,
vem uma bebedeira na cabeça.
o certo vai se mal acostumando com o errado,
nubla decisão do sim e não.
daí os olhos pensam viagens,
ficam perdidos no horizonte..
e o corpo cede,
quer entrar pra dentro,
virar pedra, árvore.
os lábios mudam,
só por causa da alma.
a fome afrouxa em paradismo,
até o ar para a volta.
os pássaros nem tem mais o fôlego do vento pra bater as asas.
no marasmo dessa praia morta
só voa mosca,
e seu barulho é o mesmo som triste,
zumbido na orelha infinito.

atmosfera

acordei.
era verão talvez.
acordei com sono e prontidão,
cabeça feita,
orgulho de formiga.

o banho tomado pra levar os sonhos pro ralo,
café feito para afastar as más idéias,
estômago cheio para os músculos fortes.

me perdi nos labirintos retos dessa cidade,
avenidas, marginais,
atravessar zonas,
nunca
olhar para os lados.

na hora do almoço é que fui acordando,
ou dormindo.
foi dando uns olhos claros de afeto,
o corpo sentindo o formigamento da solidão quente.

era meio dia,
estava num deserto
de cimento e tinta branca.
o seu rosto palpitava na minha memória,
mas seu nome me escapava.
um homem de voz grossa me chamava detrás desse sonho,
ou de dentro.
estava como num vidro,
mas era só por estar só.
a voz dele era grossa e eu ria do som do meu nome.

você era provável só do outro lado da cidade,
seu nome eu acho que conseguiria acertar,
se visse seu rosto.
porém eu não via nada,
meus olhos estavam embasados de lonjura,
e o pensamento era pra dentro.

equilibrando os músculos nessa loucura difícil tirei meus braços turvos da água,
(era uma água sólida que só muito tempo depois fui entender areia),
chamei o seu nome,
que já não era nome,
era som.
era guincho.
era desespero.

minha voz ecoou na cidade,
mas acho que ninguém ouviu.

dança contemporânea

Duas palavras e o silêncio.
Depois de um ano e muita dor,
menos minha, admito.
O movimento do corpo fazendo círculos no ar:
quando está prestes a terminar volta,
e olha com as garras no fundo do outro.

sei lá

Era como um dia de sol com o vento cortante do inverno.
Era algo assim,
uma espécie de solidão quente.

Algum tipo de esquizofrenia talvez por trás,
olhar os rostos e não reconhecer,
saber catalogar, isso sim,
mas ter o afeto míope, ou daltônico.

Era sentir o coração batendo mas só pra doer,
os olhos cheios de sol.

segunda-feira, novembro 23, 2009

nosotros

oi, boa noite, bom dia.
são as palavras que todo dia eu escolho pra preencher nosso silêncio.
são desculpas para não ter de dizer mais nada.
eu te olho forte com esses olhos aqui,
como se segurasse com as mãos fortes,
mas sem machucar sua mandíbula.
então digo essas bobagens.
e digo outras também,
digo que te amo,
pra você não esquecer quando ficar frio,
digo do tempo,
dos animazinhos,
das coisas que você gosta.

mas não pense que sou boazinha,
também te digo uma porção de coisas pra maltratar.
falo intempéries,
trovões, enchentes.
falo ventanias pesadas
e desertos sem nenhuma água.

isso tudo são coisas de falar e discutir,
coisas de deixar sentir como se o corpo fosse uma passagem.
essas coisas de dizer são como a superfície desse mar,
mansa, leve, brava e doida.
inconstante, furta cor,
reflexiva e pesarosa.
nós nos olhando e aproveitando essas desculpas,
isso
é o mar profundo.

sábado, novembro 21, 2009

vestido pendurado na janela

eu a vi passando,
eram fotos.
entrando em quadro, sorria logo,
era boa de mergulhar em coisa de instante.
apertava o ser,
reconhecia ligeiro todos do quadro,
sorria,
e se ia.

ela é assim,
coisa de reconhecer,
sorrir e ir.

se era presa nas fotos,
se soltava na vida.

o óculo óbvio

para os míopes o mundo errado,
como para os bebâdos depois de uma garrafa,
no miolo dentro da noite.
nas luzes difusas,
no natal nadando nas principais avenidas,
se perdendo nas luzes que já nasceram perdidas,
para um míope ou um bêbado,
num bom ou mal dia.

para os míopes um mundo parido longe,
partido ao meio.
um mundo doce,
teso,
tenso,
um mundo todo.
que precisa se aproximar
entrar no ritmo do músculo
do seu olhar.
o míope vê melhor o mundo,
quer mais perto,
o mundo que pra quem vê certo
é por demais longe.

segunda-feira, novembro 16, 2009

o novo

meus olhos hoje viram o mundo.
viram descortinar-se as mil oportunidades do breve.

pois hoje
novamente tudo foi possível.
o novo como o escuro ainda é desconhecido,
ou o inevitável.

hoje as mãos surraram a porta em busca de respostas,
as mãos se calaram no vão,
ou foram caladas.
hoje talvez o grito na garganta,
um afago, um contento,
uma árvore germinando
trazendo como certos os frutos de alguma infância vã como toda infância.

o mundo de uma memória latente na semente,
um mundo eterno sem nada de novo.



é de dentro de mim que observo.
atento e imóvel.
do alto dessa torre branca desembaço seus vidros com os punhos.
logo vejo
o sol branco quase sem calor,
e as cores deitadas em pose de gozo.
os baldes vários saturados de velhice e amarelo.
as mãozinhas gordas, macias,
e famintas.
os sorrisos nus,
os olhos molhados da emoção,
queimados de impulso,
petrificados em vida.
vejo claramente como quem deslumbra,
o homem herói,
hercúleo pai de todos nós,
dançando par com a amoreira.
o sol atravessa as folhas - antevejo
as mãos ansiosas,
olhares de assombro diante da inexorável força de vida.
os baldinhos enchendo-se da tinta escura da amora,
os sorrisos enchendo-se da tinta escura da amora,
o instante roxo,
infinito
até que os olhos novamente se encham de púrpura.

sexta-feira, novembro 13, 2009

cronologia do mundo

Primeiro Deus criou o cachorro.
E o pôs logo na entrada do céu, para afugentar aqueles de dura índole, e atrair os outros, moles de coração e rima.
Então Deus criou as borboletas.
Assim ele efemeramente deslumbrava-se, a um só tempo, com as cores e com o movimento.
Deus então abriu a porta,
e dela saiu o rebolado doce de um gato, todo mistério de dissimular o amor que tinha pelas criaturinhas daquele jardim.

O gato e o cachorro passavam o dia brincando de brigar,
aflingindo os dentes e os egos.
Às vezes disputavam a companhia das borboletas,
às vezes as dos homens.

Certo dia, porém, como se ninguém soubesse exatamente da onde veio e porque, uma gata apareceu leve e prosa nas marginálias muradas em trepadeiras e maracujás do quintal divino.
O homem, o cachorro, as borboletas e o gato a acompanharam com o olhar.
Ela andou com seus passos de cetim,
fitou sem olhar,
deixou o orgulho transformar seu pequeno corpo em momento.
A gata atravessou em comprido todo o jardim,
confundiu o silêncio,
atravessou o instante,
foi-se para nunca mais voltar.
Depois mais nada.

quarta-feira, novembro 04, 2009

vre

eu escuto sua voz como um cataclismo dentro da minha caixa toráxica.
algo que soava mais ou menos como o fim, como um abismo criado, ou como a escuridão. eu não lembro bem as suas palavras, não lembro o tema nem as maneiras. lembro que eu me calei em desespero, não porque era a melhor opção para o derradeiro. mas porque era a única opção para aquele momento de pouco ar e muita água. o ar faltou, o corpo colérico, porém com pouca pressão, perdeu a forma como um saco vazio. os olhos encheram-se de água, os pulmões de grito, mas nada aconteceu. clinicamente morri por dois instantes, que eram segundos, que eram anos, que eram vidas, pelo menos a minha, a sua e a dos nossos filhos. e a dos nossos netos. morri de grito e impossibilidade até você por as mãos na minha volta. até você por os olhos no meu corpo. e me chamar. e transformar o terremoto em chuva.

caverna

o homem ou a mulher entram.
olhos nos olhos,
papel para destacar.
sentam.
trocam os últimos infortúnios vividos em ficção.
as luzes se apagam.
aos poucos os murmúrios e os relâmpagos da vida real palpitam sobre seus corpos.

domingo, novembro 01, 2009

depressão

tem algo ali que faz querer morrer um pouco.

ausência de contraste nas paredes
e as cores quentes mesmo se ocorressem
não teriam motivo de vida.
copos que passam de mão em mão,
hortelã e limão,
gelo e um pouco de açucar.
ela chamava de outro cômodo,
a voz ecoava pelas paredes de metal ou alumínio.
a parede tremia de indiferença e medo.

as gotas estalagtites, estalagmites,
os fundos de verdade.
o peito sentia frio no úmido - dentro e fora.
a menina assim fria olhava o relógio do mundo.

bocas secas,
beijos sem ideologia.