segunda-feira, outubro 24, 2011

fiat lux

os fósforos servem para tudo.
para queimar rastros
para furar peles
para matar tudo que prospera no aço.

sem cais

afastou o vinho da boca com certa repulsa quando viu que ele chegava de madrugada.
nenhuma palavra trocada por eles selaria acordo algum,
mas ele deu a entender,
ela sugeriu,
que não viria.
a madeira da sala respirava a relativa paz de um corpo quente protegido do frio,
e ele viria quebrar o silêncio como um pedaço de pedra
cravado na pele dela.
ela pediria.
ela imploraria.
ela beberia.
ela cederia.
e entraria no universo dele de novo.
nas suas enganações, nas suas mentiras.
no seu cheiro de amora com cigarro.
no seu duro macio.
no seu suor limpo.
ela entraria.
e de manhã já não entenderia mais
o que a levara até ali.

segunda-feira, outubro 17, 2011

sincera


Nesses últimos dias estranhos foi bom ter essa sabedoria aguardente. Os cabelos daquela menina, a voz daquela menina, o seu grande casaco roxo. Nada combinava entre si. Mas ela falava, falava. Rompia a madrugada com suas palavras ditas sábias. Se não estivesse bebendo seria insuportável arcar com tanta besteira. Ela, que era a melhor daquelas meninas tão pequenas e acesas. Nem o nome combinava. Marília. Que é mar e ilha, terra, ovelha, capricórnio. E as outras. Os nomes, que a bebida grata me fez esquecer.
Foi principalmente a cerveja. Que me convenceu a dar meia volta e voltar. Mas agora também as delícias do vinho. Penso se foram eles que tornaram tudo mais interessante, ou então, eu. Não bastava escrever palavras no ar, meditar tristezas, respirar incensos. Melhor é inspirar fundo esse cheiro de carne humana, os segredos do cheiro da nuca, as dobras, os pelos, as fun-du-ras. Melhor é beber fundo, e sentir a vida azeitonando novos horizontes. Ser ateu é muito duro. É preciso algo que amacie essa carne imensa, essa noite.
É que também tem as mulheres. Eu gosto muito delas. Às vezes me esqueço, mas gosto muito delas. Eu gosto das magras, loiras e trêmulas. Procurando sempre algo na sua bolsa. Essas tem bolsas enormes. E tremem, fremem. Pálidas. Eu tenho vontade de alimenta-las, ou de engana-las. Elas duram o tempo de uma noite, e pagam qualquer preço. Elas não tem medo de quebrar seus ossos finos com a agressividade-cocaína. Mas se a manhã chega elas se desfazem. Com dinheiro (sempre) para o taxi.
E as morenas inseguras. Sempre respondem úmidas e sem jeito a qualquer galanteio. Elas duvidam das suas palavras. E jogam esse jogo silencioso que acabará em porta aberta ou medo.
Tem as de casca também. Sorrindofingindo. Normalmente dão em cima de todo mundo na mesa do bar. Normalmente já treparam com todo mundo da mesa de bar. Por que ninguém é de ferro. Essas são as mais de vidro. Se sair da pele dura e engordurada pelo uso é capaz de começar a chorar.
Não sei por que acho que entendo as mulheres. Às quartas feiras. Acho que entendo as gordas e as magras. Acho que as entendo. E quando falo com elas sou dócil e arrogante. Talvez eu saiba que é um embuste, uma cilada. Talvez eu goste de ser enganada. E goste de ter a alma bem pequena, até gozar forte e oceano, e também ser esse mistério encanto, carne alma de mulher.

terça-feira, outubro 11, 2011

Casa 1

Invadiu o silencio com o barulho estupendo de uma porta estourando a sala. Entrou amparado em suas coxas troncos em movimento. Ali, onde todos se perdiam entre olhares que já não dizem mais nada. Ali, onde o silencio se instaurou como fala. Ele ousava gritar. Seus olhos vermelhos, e os braços, arrepio daqueles braços. Ali, onde eles se desenhavam com tintas vãs, corpos languidos se espreguiçando no chão, ervas antigas e sussurros. Ele em pé. Ele homem. Ele disse – a sala é minha. A primeira sala do mundo. E agora eu vou cavar o ralo, para que esse mar indócil possa escorrer.

segunda-feira, outubro 03, 2011

déjame decirte de ti

Óculos, casinha do óculos. Copo dágua, três, um meio cheio, outro meio vazio, outro na metade. Papéis que se repetem: cedo à terra, me organizo para os organizar, os coloco iguais em outro lugar. Sobre meus dedos teclas macias. O ar um pouco carregado da tinta usada para losangos. Câmera, câmera, lente, lente, filtro. Livro, texto, sapo, sapo e ovelha. Agora já posso parar de descrever e falar o que eu tô pensando. Meu professor falou que eu só escrevo fluxo de consciencia e não sei descrever nem escrever histórias narrativas. Bobagem. Acabei de descrever um montão. Fora que me parece muito mais interessante que o Caetano Veloso cantando no meu quarto, o jeito que ele reverbera macio nas portas, o jeito que o lá fora repete um sorriso, essa doçura esparramada em alegria cruel da noite mansa. A palavra amor é muito vil, prefiro apelar para o espanhol meia boca do caetano.