segunda-feira, abril 23, 2007

rogar. em vão

penso em claro. e com isso quero dizer que ao invés de dormir, pairo em pensamentos com a luz do abajur a obscurecer quaisquer ilusões que porventura apareçam. resisto ao sono, não me deixo tocar pela mão do terreno livre. terra de ninguém, cenário indeciso dos meus sonhos. não bem resisto, pois senão não precisaria de palavras. as palavras vieram com a fome. com a vontade de dividir os gritos, ou a carne. o expresso.
quem tem paz e dorme não precisa de palavras. te inveja um olhar macio que pouso na-tua-nuca. a maneira qualquer como esparrama os cabelos, sem jeito, na cama. o sono sem culpa e ateu. consolo-me com um apesar-de. é um desconso-lo do ser. sou toda pra fora. esbanjei já minha dor ao nascer, e todas as lágrimas no decorrer dos dias. sou vasta e árida. já passa meu tempo e prevejo. por isso os sábios sorrisos que os bons velhos me dão na estação de trem. eles preveem, além deles, o meu fim. sinto-me num aquário. viver sufoca-me como não ser água, como não ter ar. tem vezes que é impossível não debater-se no medo de nunca subir a tona. tem vezes. como não dormir por medo. lisura da pele quadrada. estou naquela casa e só eu posso me salvar. do medo. eis aí a ambiguidade.
amanhã é terrível. não suporta minha cabeça num travesseiro.
a madrugada conforta-me. parece imensa. seu tempo mente. é eterna, e estou só enfim.
a luz do dia que virá é como viver em claro. desta vez é o sol que obscurece as ilusões (sim, na ordem inversa). trás os passos curtos e garantidos, e também sombras. na noite tudo quanto é gente é sombra. de dia só restam os espelhos. vis. não me confortam. cínicos. os odeio. minha morte será como a noite. será uma madrugada sem fim.

consolo

os corpos distavam um do outro em pouco menos que cinco centímetros. as mentes, entretanto, planavam em pairagens nunca vistas por olhos nus, tão distantes quanto podem dois universos dispostos. ele pensava nela, mas num Ela sem corpo, sem medos, sem o terror da materialidade. ela, por outro lado, consolava-se em uma banalidade de poucos limites: a janela, o chá, a tarde, talvez até o futuro. ele se perdia em labirintos obsessivos, desaprendia formulas e repetia orgulhoso as temáticas do inferno, da perdição, dos sexos, das saudades. inflava o cenho de uma poética inventada (não por ele, mas por outros, antigos, nobres, e poetas). criava-se vivo perante essas contradições eternas dos homens e seus pares, voava a milhas de distância daquela sala escusa, filiava-se pródigo de grandes nomes. vasto e repleto. os olhos cegos e um projeto infantil de riso.
a água do chá da menina fervera. ela, sem medo e etereamente terrena foi à cozinha. da altura infinda dos seus pensamentos, o menino despencou com ossos fracos (perdido no seu próprio vazio. nos seus pelos feios. seu olhar de monstro. seu nome de joão paulo). caiu dos seus infernos e paraísos criados no erro que concebia, segundo após segundo, querendo quem não o queria.

domingo, abril 22, 2007

juventude viada

-todos os dias o mesmo oco que é ser. fome maldita que estraçalha os melhores colchões, a melhor música fudida. será uma expressão incontinente de um desejo fantástico e (até) mórbido? fome essa que não se basta em nada. alimenta-se do intante e perde-se no momento.
ah! esses dias em que alberto caeiro é precioso, pra livrar-nos desses maldito martírio de Ser. muito difícil viver em paz nessa panqueca de ecos freudianos, niilistas, moralistas, pugilistas; transformaram existir numa escolha de vida. decidiram por quais vias devemos testar nossos passos antes de andar. eu só quero andar, e gritar, e esquecer toda essa porcaria sem sentido que andam ensinando por aí. enfie kant no cu, cuspa em nietzsche, ponha o dedo no nariz de adorno! cansei dessa briga efêmera de grandes autores anônimos, de pequeninas letras xerocadas. eu quero ver o mar. em paz. e formular minhas próprias teorias.
-é cara!

sexta-feira, abril 20, 2007

beleza pura

Da Maior Importância (escutem!)
Caetano Veloso

Foi um pequeno momento, um jeitoUma coisa assimEra um movimento que aí você não pode maisGostar de mim, direitoTeria sido na praia o medoVai ser um erro, uma palavraA palavra erradaNada, nadaBasta quase nadaE eu já quase não gostoE já nem gosto do modo que de repenteVocê foi olhada por nósPorque eu sou tímido e teve um negócioDe você perguntar o meu signo quando não haviaSigno nenhumEscorpião, sagitário, não sei que láFicou um papo de otário, um papoIa sendo bomÉ tão difícil, tão simplesÉ tão difícil, tão fácilDe repente ser uma coisa tão grandeDa maior importânciaDeve haver uma transa qualquerPra você, e pra mimEntre nósE você jogando fora e agoraVai embora, vá!Deve haver um jeito qualquer, uma hora!Há sempre um homemPra uma mulherHá dez mulheres para cada umUma mulher é sempre uma mulher etc., talAssim como existe disco voadorE o escuro do futuroPode haver o que está dependendoDe um pequeno momento puro de amorMas você não teve pique e agoraNão sou eu quem vaiLhe dizer que fiqueMas você não teve piqueNão sou eu quem vaiLhe dizer que fique…Mas vocêNão teve piqueNão sou eu quem vaiLhe dizer que fiqueNão sou eu quem vaiVocê não teve piqueNão sou eu quem vaiLhe dizer que fiqueNão sou eu quem vai

basta quase nada

a princípio você perde o equilíbrio.
-tem vontade de encontrar as paredes (as perguntas)
-tem vontade, a máxima e única de abrir os olhos.
mas não. adivinhe o som do vento no escuro da sua própria vida,
e não abra os olhos tão cedo.
ceda ao exagero,
solte seu corpo na falta de acreditar na gravidade.
reinvente os nomes das cores.
'seja quem você nunca será.
não tenha medo do que virá - ele virá.
porenquanto abrace o agora e seu nome de erro.
nomes não passam de nomes.
eu só acredito no rio que passa dentro da minha aorta.

quinta-feira, abril 19, 2007

gabriel

sete os buracos da cara,
pregos na parede,
dias da semana,
planetas flutuando.
doze passos de cristo,
anos de castidade,
meses do ano.
três pernas se bastam,
duas pernas procuram,
uma perna sozinha,
perde-se ao vento.

quarta-feira, abril 18, 2007

boi voador

meus dentes ardem da quase morte que eu inventei. não sei de que matéria imagino não ser assim viver: recuso-me a comer, visto-me do nojo que tenho dos outros. hábitos de um vampiro. Trato do sangue, signo claro de um certo tipo de dor. faço da minha cor clara um exagero pra te agradar. agora que te escrevo, tremo, mas já não mais de medo. não querer ser-me recusa-me o medo.
dizem que a pior coisa a fazer é se abandonar. eu digo que são patéticos os apelos do corpo. não sentir. não ouvir. não ver. primeiros passos pra vida de fato. travessia da indiferenciação. liberdade de regressão evolutiva.

tia edna

invejo a calma pacífica com que você dorme. Quando me desespero tento me concentrar nessas certezas caladas. o mar indo e vindo. talvez você inveje o jeito que eu me movo, ou quase morro de dentro para fora. Talvez.
eu passo os dedos na linha da sua coluna, e acho tudo isso uma bobagem. te vendo daqui, dormindo. a ternura é quase a única coisa que toca meus poros.

domingo, abril 15, 2007

hein

suspeito um pouco que tenho signos de água demais. água nos olhos demais. e então, depois disso, começo a suspeitar que não há nada de errado nisso. chora menina que é bom, e quem disse que a hipocrisia dos outros é desculpável? sim. aprender com os erros, apreender a verdade. há pessoas bonitas no caminho que te encorajam. você até tem doçura no coração. às vezes. quando não é a amargura no fundo do estômago. eu não quero que você pare de acreditar na ilimitalidade do mundo. só se for por experiência própria. medo. esse é o grande imponderável. sexo. outro obstáculo à frente. dois morenos e você fumando cigarros. te dói a impotência absurda de só não o ser, pois não o é. não nasci homem pra fazer gozar as mais fracas de osso.

sexta-feira, abril 13, 2007

com um laço vermelho

-a vida é bonita. - disse só porque se espreguiça-va tranquilo, fazia um solzinho nas ventas e ele não usava óculos.
ele ouviu. e depois ele lembrou. porque afinal já fazia muito tempo que a vida era bonita. agora ele se debruçava em cima de uma madrugada doente (os fluxos doentes da cidade, os canos, os ratos - o porco. que matéria mesmo essa que o lembrara do "idiota"?). tarde demais pra lembrar. debruçava-se sem sono em cima da cidade e de um lado pro outro na sua cabeça ouvia "a vida é bonita". tanto tempo. era o tempo ainda que as coisas partiam de direção, o céu era azul e por isso a vida era bonita. depois tudo mudou, foi bem quando ele quis entender o que entendesse, sem que o dissesem. quis achar sartre um merda, e achar que podia ser dele também as verdades. foi um certo dia aí que ele descobriu que pra fazer uma verdade bastava uma mentira. e agora ele olha o céu e não vê nada. são olhos mudos. e ele come salada, e se sente uma vaca. ele digere tudo em pedaçinhos e não come nada. ele se debruça na cidade, e se sente olhando a grama verdinha e sem graça do pasto. ele come, vomita, e come de novo, a mesma massa verde (verde como o fundinho ralo que ele guarda na parte debaixo do estômago). caga sempre a mesma merda. e quase não tem mais paciência. dizem que a mentira é a verdadeira transcendência humana. a mentira é tudo e a verdade é nada, e nada é tudo. e todo mundo só quer trepar. mentira. tudo mentira. ninguém quer porra nenhuma. se tiver alguém que diz que quer chama aqui pra ver. lorota. medo. só medo. é só isso que te faz achar a vida bonita. e agora bem bonitinho senta e fica com essa mentira que eu fiz de presente pra você.

só pulsão, hein

estou pedindo a minha morte de propósito e de joelhos. em cada erro que eu faço. é como uma lição de casa, um exercício pro tônus. pílulas inúteis e inofensivas de arsênico. é assim que vou pedindo a mão da morte pra dançar comigo, de rosto colado. tenho certeza que ela não liga que eu danço mal. ela me ama a desgraçada, e é uma puta, com aquele vestido preto decotado, você devia ver que peitos!
graças a deus não pego mais ônibus, é uma hora a menos pra se torturar. hoje em dia eu só penso antes de dormir (tem reparado as olheiras?). e é também quando eu menos penso. ou menos existo. eu mais nada. nem dor eu tenho mais. eu tenho só esse nada, só lastimo que ele seja imenso. meio fora de moda, mas tenho que admitir que as vezes o meu coração desiste de ser músculo, e vira mar mesmo. juro mesmo, cê devia ver ele inundando tudo. e eu fico lá sujeita a esse corpo ridículo que eu nem pedi pra nascer com os olhos bobos perguntando o que aconteceu. só vou saber no dia seguinte, manchete: inundação na avenida sumaré, subtítulo: nenhum ferido já que chave não corta. (pelo menos foi isso o que ela pensou, ainda bem hein. porque o pai disse que a história era outra). preciso de alguém pra me dizer se a vida é mesmo esse eterno esvaziar-se pra não estourar. não estourar. melhor que terapia comprar uma porção de alfinetes bem brilhantes. ou bomba de bicicleta. ou morrer todo o dia um pouquinho. antes de dormir, os seios da morte seduzindo. e o sorriso de dentes cheios. pílulas da morte do doutor xavier.

dentro da vista

espera um instante, eu tô lembrando o que eu queria falar. olha, não briga comigo não, já tá vindo. é uma palavra com gosto metálico, faz anos que me esqueci. ou será que nunca soube? ou será que sempre soube. ela me vem a garganta, sinto com uma dor de regorgito. ponho todo meu esforço nisso, e até me cansa. não posso olhar, o olhar desvia. acho que é uma ordem, não quero me perder. acho que é um intuir. como uma tênia que vai percorrendo o corpo e não a acho. adivinho-a, tateio-me, e ela acha que me engana. mas tenho certeza dela. dela é o meu vazio. dela estou aqui. dela sou. não. não quero chorar, mas acho que descobri. acho que isso que foge de mim pelo meu corpo, que quase me escapa pela garganta.... será que é alma? agora estou com medo. estou sozinha, antes mesmo porque estou e depois porque, talvez, tenha alma. a palavra agora foi. se perdeu completamente. ou de repente a alma foi dormir na casa do cachorro. esse meu medo atrás do ouvido... será? agora não preciso de abraço, nada. escovar os dentes, os musgos dos dentes, o medo dos dentes. vou escovar os dentes e vou dormir.

quinta-feira, abril 12, 2007

amnésia, hein

naquela época eu não pensava muito, acho até que vivia mais. também não lembro de como tudo se passou, as formas do pensamento, as sombras...
a verdade é que ninguém pode confiar na memória, mas é possível que tenha sido mais ou menos assim:
o sol batia no conjunto de prédios do outro lado da rua, era um conjunto grande, cinza, quadrado, me lembrava às vezes 1984. e o sol (ou melhor, o reflexo dele no prédio) era sempre alaranjado. talvez porque eu sempre chegasse um pouco antes do entardecer, ou talvez porque os caprichos do tempo preferiram assim.
era um tempo em que se bebia demais, todos os dias. íamos quando podíamos, assim como os outros, e não saíamos nunca mais. não que fosse nossa culpa, não era, definitivamente. eram os músculos que se amoleciam nas cadeiras, os amigos que puxavam com suas mãos ocultas por mais alguns intantes da sua presença (que sempre duravam horas), até os garçons que nunca paravam de trazer cerveja eram mais culpados do que nós.
uma hora ou outra o nosso contínuo esforço de ir embora perseverava sob o ímpeto daqueles Outros, que queriam fazer do nosso fígado patê pra passar no pão. íamos embora então, às vezes cabisbaixos, mas na maioria das vezes esquecidos de qualquer coisa (que talvez até hoje não lembramos).
o gosto amargo, concentrado, da cerveja ficava nos cantos da língua, tinha o rosto suado, os cabelos despenteados, mas a certeza de que a vida era linda. andava tonta pelas ruas, preferindo sentar por poucos minutos nas sarjetas do que pensar em voltar pra casa.
Pois bem, voltei pra casa, e aqui fiquei... já passaram os dias que eu me esquecia pelos cantos. agora são os dias que a gente se lembra de si (isso são o que Eles dizem). todos os dias escrevendo o nome em todos os lugares, assinando os papéis da burocracia, condensando números ao lado do seu rosto. sim, Eles nos lembram de quem somos todos os dias. eram aqueles os dias em que a gente se esquecia. pois sim, pois sim.

terça-feira, abril 10, 2007

caminho

escapa-me um suspiro, eis que ergo-me viva perante olhos que olham para fora. então onde estou? para que ângulos e dobras olham esses olhos? ouço ecos. onde estou? pergunto-me tateando portas e fluxos. serei o ser que se forma das sombras, dos delírios?
outro suspiro sai à fonte. como os minutos que levam um pensamento. exatamente como eles, insuspeitos, embora se percam com a menor desatenção. estou atrás desses olhos. firmo-me atrás desses suspiros. me admito. pois sim, fui eu. quem irá elevar a voz perante esses descuidos? se meu crime não passa da admissão dos teus. pois levo como arma, e apenas isso, um meio sorriso. é que então vou aprendendo esse ser. enquanto inundo-me, o tempo passa sob o meu corpo. ou talvez seja o contrário, o tempo convencendo tudo ao infinito. não saberei, ainda não. embora persista, evito pisar em falso. e por enquanto basta. possuo algumas dessas verdades, talvez sejam delas a cal dos meus passos. sobretudo quando minto e ardem feridas abertas nas costas. há tudo o que imagino ser, imaginando apenas pois há medo. e por fim, há o amor, e acima de tudo é o amor que admito. e então ser torna-se sentir, que torna-se saber. e então sinto que passos caiados, que nuvens, que sonhos, delírios, tem a latência delicada dos traços brancos do ópio. e que sorrisos deixam de ser armas.

noite

-escuta...

terça-feira, abril 03, 2007

descarte descartes

eu tenho medo de que não me levem à sério.
ai das emoções falsas que andam escrevendo por aí,
quem se negar emoção devia .........
......meu corpo vai pedindo isso tudo que sente,
gritos e risos desconhecidos e - sem sentido.
é que eu fecho os olhos e tenho vontade de dançar,
vou dançar, a abôbada celeste me cobre a cabeça.
eu vejo as estrelas com as mãos.
e só então sei que estou com sede de me cobrir toda de mar.
mar me leva, me cobre, posso estar nua, posso estar viva,
que há o mar, há o escuro, pra me engulir.
eu não sei falar as palavras que o corpo me pede,
só ele diz,
ele chora e sente fome,
e grita.
eu me deixo porque vou aprendendo que nós dois nos-somos,
sem medo,
como no mar, sob o céu,
o mesmo mar.

domingo, abril 01, 2007

cactus

amar é ter sede.
ter uma sede árida do outro.
árvores crescem
filhotes viram adultos
porque tem sede.
não é nada além disso estar vivo.

cara batalha

eu fico com o drama que sobrou de toda solidão,
sei que a vida é vontade de morrer,
e espero que arda mesmo.

eu sei que vou beber,
eu vou escutar chico e chorar.
eu vou arder e vou gozar.
e vou morrer, e vou morrer.
só porque me cansa viver.

ainda, depois, espero
ser abandonada no meu próprio desperdício,
ser o resto de um rarefeito excesso.
sem desprezo ou pena,
ser tão miseravelmente triste,
que se torne uma certeza.

deixa balançar a maré

o que dói é quando eu me vejo torta,
como um quadro na parede que por mais que você tente ajeitar,
não rola.
você solta os dedos e o quadro entorta de novo.

queria que freud me contasse,
o que é ser torto e o que não é.