quinta-feira, novembro 30, 2006

prisma

Eu sou o labirinto.
Eu sou as milhares de veredas que não levam a lugar algum.
Eu sou cada caminho que além de suas curvas guarda novas promessas.
Eu sou o medo, de nunca chegar a nenhuma parte.
Eu sou o fim no meu próprio cerne,
e tenho nesse fim a morte.
Eu tenho a alma desvairada,
que sobe pelas paredes com as unhas mal cortadas.
Eu tenho a alma perdida,
que calma vaga por essas brumas.
Eu tenho para cada passo em vão um sonho perdido.
Tenho a indigestão do ócio,
a amargura do tédio,
e as cólicas da solidão.
São todas minhas as esquinas perdidas pelos reflexos.

Mas não,
não sou nada.
Nem Fernando, nem pessoa.
Não ouso ser nada.
Não ouso ter nada.
Além do labirinto,
nessas curvas miseráveis.
Não há nada além disso,
nem uma migalha, não há um resto,
sequer,
que deforme o labirinto nos espelhos.

quarta-feira, novembro 29, 2006

ne me quitte pas

das vezes que se mexer é insuportável e mesmo que você tenha dormido 12 horas, mesmo que você tenha passado a noite inteira tentando se esquecer, e de repente tenha virado dia, e mesmo que já seja de tardinha. ainda sim o mundo é pesado demais pra você e é melhor continuar dormindo. tencionando os músculos na cama pra acabar com essa energia repentina. dormir e se esquecer. assim é ótimo. já não há mais mundo.

e então já se passaram dias e seu corpo tomou a forma da cama. a pele mole, o suor acumulado na camisa. o desespero alimentado. aí alguma coisa acontece. começa a chover estrondosamente. seu pai aparece com um taco de beisebol. ou você está a um passo de bombar na faculdade. e então você se levavanta. e o mundo é frustante.

segunda-feira, novembro 27, 2006

tupperware

era frio frio frio........
todos meus pelos gritavam,
tudo em mim pedia morte,
imediata, coerente.
não..


minto.
olha, é difícil explicar sabe.
não posso dizer que não houve,
que aconteceu tenho certeza,
foi a ordem dos fatos entende?
teve o frio úmido,
(mas ainda não tenho a certeza ímpia de que o frio era
ausência de calor.) tem desses por aí também.
e tem outros.
mas isso foi antes, e foi depois também.
entre o frio, teve um calor,
úmido também, que fazia as costas pedirem socorro. dessa vez.
(aí foi um entre, mas foi um entre antes).
daí no fim foi o frio de novo,
mas outro. não de clemência,
mas de lembrança.
esse aí nem doeu não.

sábado, novembro 25, 2006

do meu lado

de repente era tudo muito pouco.
soma irrisória de acontecimentos,
dias seguidos, intercalados por noites,
vazios - úmidos.

de repente já nem era mais real,
mais uma questão dessas de viver agoniada,
um quase nada,
seguindo o fluxo constante dos segundos.

suspeito que esse andar assim,
não leve a lugar algum.
sei que o transtorno da melancolia
é porque teimo em não escutar.
seja o patético ímpeto da alma,
ou ainda a famigerada vivência dos poetas.

acabo por me tornar uma viciada em solidão.

terça-feira, novembro 21, 2006

hare rama

é que eu tinha dentro de mim um troço de um mundo.
e as pessoas iam ser o melhor delas.
e elas pensariam coisas belas, simples e profundas de monte.
e não seriam fúteis (mas tão fúteis como o são).
e não ligariam pra coisinhas pequenas como formigas,
(mas ligariam pras formigas.)
e a paisagem seria tão bonita que era alimento.
e todo mundo era gentil,
pra pensar em todos com carinho,
com calma.
porque eles iam se dar o tempo de ser.
iam todos ser juntos.

e daí eu descobri que esse lugar existe.

quinta-feira, novembro 16, 2006

lira

eu não sei,
de quase nada,
do que veio depois,
do que veio antes.
de quase tudo,
eu não sei nada.
do que veio antes do depois,
e que foi depois do antes.

eu não sei do tempo, nem do erro, nem da morte, nem de sartre.
eu não sei dirigir caminhão, andar só com as mãos, ou ouvir um não.
sei só o saber
do melhor é não saber.

segunda-feira, novembro 13, 2006

domingo

créditos rolando no fundo escuro, música brega, mais uma ilusão americana.
massa cinzenta.
lentamente tomando consciência de si mesmo. costas doendo, uma vida inteira nas mãos:

-não é possível voltar a viver assim, repentinamente assim. - pensou num ímpeto inexato, com a cabeça baixa para que não vissem as lágrimas que, de qualquer forma, não estavam ali.

saiu
escoltado pela multidão.

perdia-se de si, e voltava a regurgitar pensamentos:
sussurrou amargurado, repetidamente, rendeu-se, lacônico. mesmo achando que eles nunca compreenderiam o sentido daquilo tudo. não, definitivamente não entenderiam. era um silêncio que nem ele mesmo ousava saber de todo.
apressou os pés, e voltou-se para o seu disfarçe. um homem tocava tranversal, o outro desenhava retratos, a chuva rala caía, e era noite. tudo se encaixava nos gabaritos da sua solidão. pensava, desleixadamente, queria um gravador para poder captar e destruir toda a graça dos fluxos de consciência.

espreguiçou-se lânguido na poltrona vermelha. um jazz distante, talvez do vizinho de baixo, os cigarros que ele já não fumava a anos. podia finalmente ser o jornalista desiludido, vendo os carros passarem com desespero através da persiana decadente comprada na 25 de março.

quedaria-se, em instantes, na cama, vencido pelo cansaço, perdendo mais uma madrugada em que ele poderia ser ele, um ele-eu, um gato, e mais outro gato que era a noite-tão-tarde: dois vagabundos insones.
sonharia um sonho branco, leitoso,
no final das contas acordaria e, quem sabe, seria mais uma vez o ainda ingênuo e pequeno, e pastoso, e piedoso, eu, que apesar de tudo
(todo o peso do tudo)
ainda achava divertidas as formas retorcidas das nuvens.

pássaro verde

era novembro, porém, a menina do ônibus tinha a mão pousada sobre o mês de setembro.

quarta-feira, novembro 08, 2006

depressão (II ou III)

: faz suas coisas, é só a serotonina tentando te destruir.
parece que tem uma nuvem pentelha te seguindo o dia inteiro, apontando as coisas ruins, mas é que se você for ver bem elas nem são ruins, é um puta troço perverso sabe. fácil perder o prumo, dormir até que ninguém mais ouse te procurar. não dá pra parar de se achar um merda e pensar que ninguém gosta de você, acreditar nisso nesses instantes é bem dolorido cara. isso aí é trabalheira de racionalização todo dia, pra não se enganar. meu medo é que não seja mentira, e a minha mentira é achar que não é verdade.

segunda-feira, novembro 06, 2006

caverna

quase que pessoa,
tenho em mim todos os medos do mundo.
estando ali, e não estando,
enquanto você fala, eu ouço.
é um leve desconforto de não ter coragem de enfim,
ser-se assim.

nem coragem de olhar os olhos,
de aninhar braços,
de ouvir um não.

de todos os meus medos,
o pior.
menina, você é melhor do que eu.

quarta-feira, novembro 01, 2006

miojo

os dois pratos de macarrão pronto em cima da mesa, tão assim, calados, sozinhos, cada um olhando prum lado. (na cozinha branquidão das sete da manhã). olhando pela janela com paciência uma espera a outra, nem se preocupando se o macarrão vai esfriar, enquanto apura os mínimos gestos do entrevir, as pernas, e os braços. sabendo que cada segundo gasto daquele ritual é um instante inteiro. a outra senta-se a sua frente, parcimoniosamente começam a comer, concentradas, cada uma tão só quanto seu prato. logo sentem-se mais a vontade e começam a discutir dos fatos da vida: ainda tão infímas mesmo em relação ao barulho dos carros que passam, mas, mesmo assim, tão imenso quanto pode ser a vida enfim. os dois pratos vazios anunciam a hora da partida. despedida de entrelinhas tanto quanto o é, e o foi, para o resto de seus dias.