terça-feira, setembro 29, 2009

sopro

eram os peixes que me beijavam,
que pele macia de mulheres,
os peixes eram todos encantadoras moças.
garçonetes, cantoras, frentistas.

baibeq

eu vi um muro de pedras.
eu que vi
dei um murro,
no muro de pedras.
antes de ver a dor era covarde,
sete dores em sete lugares.
dei um murro e a dor jorrou,
em dor e em cor,
para fora com a dor,
que eu quero ver os seus olhos beges.

oceano

eu senti com a boca o gosto do mar.
era um gosto branco do sal,
e não azul,
nem verde.

dança

ver de ver ela via.
a janela embassada,
os filhos correndo na cozinha.
ser de ser,
aquele corpo de movimento,
de pés e ciranda,
dança de roda menina bonita de se ver.
ver de ser ela se ria,
toda esbaldada na mentira
do charme todo que a mim e a ela unia.

segunda-feira, setembro 21, 2009

42

o quarto branco retumbava qualquer som.
houvesse gota ou sussurro.
o homem das prateleiras levantou o dedo e todos tremeram de medo,
anonimidade de destino, controle indesejável de acaso.
a voz grave do homem, como todo o resto, retumbou.
- número 42.
silêncio de precariedade no quarto branco,
só um respirar mais denso escondido por tantos corpos.
os números assustados foram abrindo prece, deixando nuzinho no fim da fila o 42.
era um homem negro e magro, com as carnes carcomidas de fome, os olhos secos de tristeza por demais antiga. o corpo todo demonstrava todas as fraquezas que podem dar no fora, as marcas e marcas de muitos homens por demais crus. a mente acesa nos olhos, entretanto, o andar de quem engoliu o mundo, preferindo que se cuspir.
o negro era além do corpo que o possuia,
causava o espanto nas pernas que a ciência disse que não o sustentaria.
a fome assentada em esquecimento,
e mais uma vez,
a mente acesa nos olhos.
a voz grave do homem inqueriu.
- e para que porta pensa que vai?
o negro em pé olhando as portas.
o negro com os olhos mudos.
o negro existindo com as duas pernas negras tremendo,
o negro para além das pernas, sendo.
não precisou juntar as forças para continuar a andar,
seguiu os próprios passos com paciência e passou o umbral da porta direita.
a voz grave do homem se calou satisfeita,
o homem negro não precisou pensar.

puxa

o seu peito passava a noite cantando promessas.
essas promessas eram: os sonhos lindos que vivia-ter.
metade era ter os sonhos,
a outra metade prometer viver.

então amaldiçoava o peito quando vinha a noite, e às vezes o sono, mas não o sonho.
não gostava desse cantar bonito,
que só fazia mais escura a treva.

outros nomes para a angústia

era de um dizer e de um sentir bem simples,
essas coisas que pensava.

por um lado a casa amarela cheia de filhos,
os filhos eram os sonhos,
porque a luz dos pensamentos era as cores que queria.
o desejo do possível,
do sem saber inútil,
bom da matéria vida,
cheio de leveza e presente.

no outro olhava ao contrário o relógio no pulso do professor,
pra que a aula fosse de uma vez pra fora daquela porta.
embora tivesse pena daqueles ponteiros,
cheios de ordinariedade,
apostando corridas como que loucos,
no ritmo da marcha eterna,
voltando sempre ao mesmo lugar.
era uma pena parecida que tinha às pessoas dos pontos dos ônibus,
dos pontos das companhias.
lhe parecia característica teimosa do tempo,
isso de ir e sempre voltar.

terça-feira, setembro 15, 2009

carlos drummond

ele primeiro viu o amor, viu a paixão, a desavença, o orgulho. ele viu o ciúmes, viu o perdão, os lapsos violentos passionais, e cheias de paz tranquilas tardes. ele viu o sexo quase vazio, e o amor da quase morte. viu a ebriedade infantil, e a sobriedade dos bem velhinhos. passeios no mar também viu, e eu vi ele nos acompanhar. estava lá quando dormimos juntas, sem se tocar e nem pensar, exaustas de gostar tanto. ele viu quando eu fiquei vermelha e você morena, quando eu perdi a cabeça e você encontrou (e soube devolver com jeito). ele viu quando você ficou vermelha, do susto de ser tão bonita. viu a púrpura na pele e os rasgões cardíacos, da conduta de baixo calão. viu quase traições e arrependimentos. erros ludibriados em acerto. gostos doces, alguns azedos. cheiros ternos, e outros fortes. ele viu as bocas, os corpos e além.. viu muitas outras coisas, que não ousou compreender.

moças

o gosto azedo na boca e amarelo de quando não se vê alegria.
nem se cheira.
a garganta seca com os olhos intrincados.
uma visão de seca em solo urbano.
rachaduras na terra desse seu asfalto.

a cidade morena alta,
a cidade bem pálida,
doente, distante, sem ar.

a cidade extra,
extraterrena terrestre.

os olhos da cidade por cima dos meus ombros,
olhando sempre além.

ô moça, pra onde você olha?
no que você pensa quando com essas pesadas gotas me molha?
com que humor transparece nessa chuva.

cidade de moça feia,
mal feita das pernas e dos jeitos.
moças dos olhares distantes,
de fome apenas na pressa.
de moças do olhar brilhante,
de festa e de fim.

moça e cidade de fim de festa,
nessa madrugada de lama,
na rua,
chutando pedras.

quinta-feira, setembro 10, 2009

pré

via, pois sim,
mas bem mais do cinza de quem sequer vê.
era ele ali quem cumprimentava,
chamava os nomes bons da parentada,
todos mortos e em fileiras,
prontos pro assovio e sua hora.

depois era a menina quem passava,
também dizia a benção,
politicando os caminhos de pedra cascalho areia pó e preguiça.

nas varandas esperavam o dia,
pois as cores do céu anunciavam,
naquele tempo,
o futuro - instância ainda cru do porvir.

o pó também participava da brincadeira do tempo,
agasalhando os móveis
e dando o que fazer ao tédio das mulheres amareladas.

ninguém ali tinha fome,
porque um dia todos combinaram de esquecer
e hoje vivem de esquecimento.

a vila obliviada subsiste do seu comércio,
trânsito incoberto de viver recordações.

dia

ah, se acordar levasse embora o anoitecer.
da transparência das pálpebras,
do escuro do dia,
vazio gotejante de chuva contínua.

ah, se o sol também pudesse
encher-me de fogo por dentro
como por fora o dia nasce.

mais nada,
se os astros me conduzem,
dou-lhe as mãos e o passo largo.
nenhum sorriso,
os olhos bem fechados.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Quando eu era menor ia muito a casa da minha vó. Ela era muito elegante, e ao mesmo tempo calorosa, nos tratava com a intensidade de afeto que recebem as crianças, mas não com a forma.
Ela nos falava coisas de povos antigos, e de línguas estranhas.
Nos mostrava os objetos sedimentados de suas viagens,
e seu conteúdo arqueológico.
Foi ela que me ensinou: in vino veritas.

terça-feira, setembro 01, 2009

a porta

Ela me chamava de detrás da porta.
Ela que sabia meu nome, me chamava.
Ela que me amava clamava, atrás da porta.

O som da madeira é oco,
agasalhado.
A porta não deixa a temperatura passar,
protege o verão dentro da casa.

Também não a vejo atrás da porta,
se ela tem olhos claros,
modos escusos,
não sei.

Se ela rói as unhas ou gosta das nuvens,
isso tudo só posso perguntar.

A porta não abre,
a porta sem ferrolho,
e sem lado de lá.

A porta passagem
e também ausência.

A porta amor.
Mas amor sem oco,
mais eco.

Amor agasalhado sem porta,
só janela.

a paz do mar

Ela sempre chega,
mansa e ilesa,
e sempre parte.

Quase não conversamos,
não nos olhamos,
mal dou-lhe a face clara
para beijo de reconhecimento.

Ainda assim,
no entanto,
sinto-a próxima.
Densa dentro de mim.

Como uma conversa calorosa,
sobre tempos tão antigos
quanto o mar,
com seu azul, sua calma.

A paz do mar.