terça-feira, outubro 27, 2009

son visage

Ontem eu te mostrei minha blusa branca, segurando o tecido com o nó dos dedos. Enquanto te olhava, dizendo pelo contexto: olha, essa nódoa fui eu que fiz, não por desajeito físico, mas por pouco jeito humano.
Você me olhou de volta, tão séria que me faltou ar.

Em algum lugar distante ouvi um terremoto, dentro ou fora de mim.
Em algum lugar a água encheu o chão, alcançando os ouvidos, o nariz, os olhos e a boca. Em outros lugares, dentro e fora de nós.
Nós em um quarto.
O quarto seco, quase árido,
o solo estável.
E todos os objetos respiravam silêncio.

Eu vomitava palavras sob o seu rosto inerte,
nosso fogo morto.
Se fosse sonho eu cuspiria,
gritaria de todas as cores em cima de um balcão frio ao alcance da sua janela.
Se fosse um sonho você não teria rosto,
teria apenas pedra.
Embora eu ainda não dormisse quando eu me calei fraca e você me beijou,
abrindo a porta para outro sonho,
mais azul e mais bonito.

quarta-feira, outubro 21, 2009

benedito

era um nome que soava no ar,
eram dois, dez,
era uma cidade.

era uma rua nua em plena quarta feira,
bandeiras e faixas de pedestre.
eram os chopps e os hálitos dos pais tardios,
no cheiro dos seus beijos de boa noite.

eram as estrelas,
embostadas pelos carros,
e a falta
de quem os declarou infames, heréticos,
brutos demais para o nosso enleio.

essa dança mansa nossa,
de hálito também e troça,
essa roda toda,
é minha voz que chama,
com silêncio
e com saudade.

terça-feira, outubro 20, 2009

para tito que há de lembrar

um pouco erradamente torta aquela dor que se acertava exata dentro e fora do seu chápeu. no metrô, ou no ônibus, se os pegasse, nos passos talvez pela cidade; mas não, pois só andava no carro que a levava e principalmente a levava embora dos lugares que era possível ser melhor ficar. o pensamento sempre em outro lugar, não por ser melhor, mas por ser outro, plano detalhe nos pés inquietos, os olhos estrangeiros, os hábitos os mesmos, mas não a pátria. punha as mãos nos bolsos pra melhor se proteger, das intempéries sociais que tanto a acometem, mentir para se safar, os personagens criados, retroativos, bem ou mal criados, sempre vivos. era assim que percorria as esquinas temáticas, bares, faculdades, bocas cheias de dentes, alguns estômagos de poesia. ainda a menina, que ela gostava tanto inteira, o corpo conversando, papo mole e bom, dizendo besteiras, e às vezes (só às vezes) passando a mão. a menina ela amava, e isso diferia, pois quando não mentia era não mentira bruta, de um estar quase vida, que se chamava bem. o resto continuava como devia de o estar, a velocidade dos trens, os hábitos equacionados das rãs e dos telescópios, a vida que se esvaia ia ia ia... vaia para essa vida, ela era da poesia, mesmo a antiga e quase esquecida poesia da matemática das flores.

à propos de hiroshima

no amor feito
a tecitura,
rígida e soturna,
do esquecimento.

a pedra do trauma,
o suor das palavras claras,
nuas,
de dois corpos que conversam.

a areia dos fatos,
de difícil contato,
insolúvel, indócil,
vento tempo e pedra.

dispersas as lembranças,
um enfim dois,
enfim despidos,
enfim calados.

segunda-feira, outubro 19, 2009

espelho

O espelho sozinho no quarto.
O espelho sozinho e a voz dela, ressoando, como memória fugídia de outros dos seus tempos.
- se saber era o bastante para o tempo que voava.
Ela se esquecia da memória perdida,
E esse era o nome dado a história.
História de um homem e talvez de uma mulher,
O hiato entre os fatos e os hábitos,
A história.

A câmera se vira e a mulher se vira.
A mulher que se olhava no espelho,
Procurando em cada traço os fatos esquecidos.
A mulher que se vira e aguarda o mundo,
Sempre muito para seus pés, suas flâmulas.

domingo, outubro 11, 2009

duali

estávamos aqui.
esse era o começo da história.
porém,
era o começo de uma história que tinha seu próprio fim,
pois assim ocorriam os contos quando no reino perverso das palavras e dos estados, ser tornava-se palavra chave,
vencendo sem nocaute a disputa das predominâncias.

era também o início,
uma vez que o que já se sabia sendo
era, por isso mesmo,
matéria rica, úmida e fértil,
para as boas histórias.

O meio de tudo estava no sol que fez,
secando o úmido,
iluminando as reentrâncias da tristeza,
as curvas ainda escuras dos olhos.
e também na temperatura da água,
atingindo o calor recôndito,
mas também dançando ao par com um frio antigo e sem nome.
tristeza e alegria combinadas,
dentro do meu corpo e fora,
calor frio, secura e umidade,
levando pela mão meu corpo para uma dança.
movimento, mudança.

no cerne do dia belo - ser.
que é encontrar a síntese das coisas cheias,
claro e escuro como dentro e fora,
não mais lados,
sim estados de um mesmo estar.

terça-feira, outubro 06, 2009

neptune

a neptune fish,
what you win if asleep.
but when there is land in your mouth,
ants coming through the nose,
don't remember if you dream or dies.

domingo, outubro 04, 2009

chuchu

eu queria te escrever algo bonito,
pra você ler se fosse um momento triste
ou se fosse um momento morto,
e sorrir sozinha numa sala pequena em relação ao mundo.

eu queria te escrever algo que tivesse o discreto aproximar-se de um abraço
e o mesmo calor involuntário.

eu queria palavras que retribuissem a doçura de você ter cuidado de mim ontem.
queria te mostrar como anda o carinho que sinto por você.

queria te traduzir em mar
e em sexo.
dormir com você sem trepar porque também é carinho.
dar um beijo de boa noite e um de bom dia
(como se a noite não tivessemos nos perdido em tantos labirintos escuros).

queria ter um jeito absoluto de viver isso que a gente tá vivendo e tá sendo tão bom,
mesmo sabendo que nada é melhor do que simplesmente viver.

viver hoje e com você.

maria triste

pálido
abrupto.
uma voz ecoa no meio da noite.
no asfalto das ruas sem ninguém.
Sem alguém que ouvirá.
Todos os dias nas ruas vazias,
quantas vozes hão de existir,
para ninguém ouvir.
Eu sei que essa dor de garganta
é dor de silêncio apriosionado.
Que a dor de ouvido não é maltrato
(que na nossa classe desse mal não padecemos (muito)),
é querer igualdade e calar aos outros.
Quantas bobagens procriadas,
na fome do entendimento.
Ela passando
a luz bem baixa
vestido no vento e saudades.
Há paixão,
mas também a vida,
não basta.

branco

Era assim,
e mais nada
o silêncio da raiva.