terça-feira, agosto 30, 2011

cu

eu quero comer tinta até parar de ouvir o relógio da cozinha tocando dentro de mim.

quarta-feira, agosto 24, 2011

lodo



Os corpos brancos e arredondados das mulheres submersas nos mares de barro.

Afundam um centímetro a cada ano,

e do seu sorriso entreaberto e irônico,

vejo fumaça saindo.

Toco n'água com a ponta dos dedos,

minha língua sorve os restos adstringentes.

Cabelos cruzam meu olhar,

não posso me defender.

Tampouco frio, os mares enlodados são gelados,

simpáticos ao que se passa dentro daqueles corpos.

Passo os dedos entre os seios patéticos

e penso que deviam chamar melancolia, o que usualmente se chama mulher.

Vejo seus narizes de 15 anos marcados pelo uso contínuo do pó,

a carne descolando sincera de suas costas.

Tão frágeis as meninas mais violentas,

fragilmente violentadas,

tão loucas.

Como são poemas, ou poetas desvairados,

são como cachorros abandonados ou coléricos.

O reflexo do céu branco em seus olhos acredita alguma paz,

além mar, escuto seus rumores.

Invento no silêncio sussurrado que escuto:

para além desse pântano

um enorme planeta

onde elas possam desaguar.

Talvez seja plutão.

Os corpos brancos e arredondados das mulheres submersas nos mares de barro.

Afundam um centímetro a cada ano,

e do seu sorriso entreaberto e irônico,

vejo fumaça saindo fio de sangue.

kino

o buraco é uma toca de coelho. e eu sei que não vou brincar com ele. não vou brindar suas cores. não pisarei em sua água sem botas. eu conheço o cheiro abismal do lodo. o cheiro de nada. o ar o ar o ar. entrando na minha cabeça em excesso e me torturando em confusões conhecidas.
só o movimento pode me salvar.
e a música.

sábado, agosto 20, 2011

tempo ancião tempo

não me cabe mais o ódio. nem o gosto amargo do gin: minhas cores brancas reclamam de tais ausências de pudor. não me cabe mais o ópio: os textos bem cravados, flechas delicadamente acesas.

tampouco me cabe a tristeza, o luto velado por um maço de cigarro no fim.

já não caibo mais nas estrelas. nem nos pântanos. não caibo na lenta velocidade com que as emoções se decompõe.

nada disso mais me cabe. nos cabe.
cabe pouco, quase nada.
uma migalha de perdão para simplificar o silêncio,
o que sobrar de compaixão.

Precisamos.
somos como dois velhos que dificilmente se ajeitam
num mesmo cobertor.

quarta-feira, agosto 17, 2011

branca

não sei por que minha mão se fecha tão bruta no seu pescoço alvo. talvez seja o meu senso de proteção. que quer te dar um lar. quer te amamentar com cachaça e bom ar. o meu seio sentido, o meu sexto imenso senso, para você e talvez para mim. não sei se é a morte que te quero enfeitiçar. talvez eu simplesmente queira te matar, como um dia quis no berço a morte. talvez eu queira te conter, como se contêm o mar. mergulhar, adensar, sufocar, e sair molhada e sem posses. talvez eu queira te ferver, para poder ver a água partindo lúcida manhã por cima das montanhas longe longe. talvez eu simplesmente queira te amar. mas então não entendo minhas mãos correndo em perigo, nos errados lugares dos lugares antigos. navalhas, socos, unhas levantadas, violências amorosas e o desejo de contenção. eu devia te amar sem mãos, só bocas, umidades escusas, cheiros e curvas. as armas não letais que ser mulher me deu.

água da palavra


tem gente que escreve para poder amar.
tem gente que ama para poder escrever.
tem gente que escreve para se sentir amado.
tem gente que ama para se sentir literatura.

tem gente que só ama depois de ler,
gente que escreve para alguém amar.
tem sexos que são
como que uma palavra.
tem gestos, reflexos,
amores projetos como que um conto.

tem gente que ama para contar.
e tem gente que ouvindo o amor escreve.
tem gente que ao mesmo ama para projetar o texto que amando escreve.

tem gente que preste.
e tenta mesmo assim
viver o presente do presente de tudo:
saber amar mudo.

neméia

essa noite
costurei com as mãos uma canoa.
cacei o leão,
lambi as feridas de um deus morto.

tirei neméia das costas
e pus no mar.

essa noite
procurei no cheiro do vento
as direções negadas pelas estrelas
para chegar a sanga da praia de pedra.
a praia da selva.

lá o calor deitado por todas as coisas,
e a carne verde ficando vermelha
bananeira, manga, mim, mamão.
frutas maduras
inventando verão.

essa noite
tirei neméia das costas e pus no chão.
essa noite
cavei na minha carne o doce, o tenro e o alcóolico.
essa noite
uma fruta chamada leão.

domingo, agosto 14, 2011

#

delicada força bruta a levar meu coração embora.

sábado, agosto 13, 2011

todas as coisas que eu queria um dia.

saber abrir e fechar a torneira do pensamento.
perder o medo de barulhos muito altos.
aprender o tato sincero da ressaca.
descobrir o cheiro da solidão.
agarrar com as mãos a paz.
morder sem morrer milhão de flor.
dar-me o nome que sempre tive e que nunca ousei saber.
abrir todas as portas até encontrar.
deglutir vento.
misturar sal, vermelho, veneno e amarelo.
descobrir os caprichos do amor inseticida.
enfileirar palavras trôpegas.
achar um som para cada tipo de .
engolir o mundo sem ter lombriga.
encostar no lodo da vida
depois de mergulhar bem fundo.


vozes da minha cabeça

eu só quero que se funke-se

vozes da minha cabeça

Às vezes até eu me acho louca.

vozes na minha cabeça

santa ressaca de todo dia.

segunda-feira, agosto 08, 2011

pianista não

você pegou minhas mãos como quem corta folhas.
como quem pinta quadros na terra.
você pegou minhas mãos
e as transformou em buquês.
você olhou minha veias e disse que eu devia ser escultura.
você olhou minhas mãos pequenas
e achou que elas eram grandes.
você me olhou e não viu nada.
nada do que eu era,
mas viu muita coisa.
você viu mãos grandes
e quando você descobriu que elas eram pequenas
você foi embora.
então eu peguei minhas mãos pequenas
e montei um buquê.
então eu peguei minhas mãos pequenas
e fiz um poema.
então eu peguei minhas mãos pequenas
e cometi uma bobagem.
então minhas mãos me pareceram grandes,
e eu percebi que ter mãos era tentar entender
talvez o por que
de algumas mãos serem grandes,
e outras pequenas.

domingo, agosto 07, 2011

praça

por que que seus olhos são tristes?

vem cá, quero te ensinar a contar
as pétalas em número primo.

o sol vai descendo atrás do mundo,
fazendo carinho
com seu calor meia boca.

nessa praça tudo é tão leve doce,
as crianças põe tudo na boca.

os cachorros me olham
para eles tudo parece natural.

rima grama, sol, fim do dia.
talvez seja bobagem,
mas também rima alegria.

o mundo é muito maior,
e mesmo assim é importante
estarmos juntas aqui
balançando no ar leve.

-

as pintas do seu braço
foram pintadas à mão?

declaração

eu quero saber da piscina.
da margarina.

eu quero saber de você.

-

hoje acordei com os dentes cheios de bobagem.

-

dar descarga denuncia minha presença.

quinta-feira, agosto 04, 2011

-

eu queria te ver mas você não passava de uma imagem balançando sobre meus olhos.

quarta-feira, agosto 03, 2011

dia ruim

não sabia como começou porque aonde que merda. quando que a mãe de repente estava com as mãos no seu pescoço, gritando algo, coisas bíblicas, pássaros. quando que jurou de morte, expulsar de casa, sangrar os bois. não sabia.
talvez tenha começado quando a mãe ordenou que subisse as escadas para pegar um casaco para o pai. e ela respondeu que pegaria sem problema, não precisava de ordens.
talvez tenha começado aí.
ou talvez quando olhou o olho da outra e viu labaredas.
quando estendeu os braços e disse em voz firme.
eu vivo
e estou aqui.
essas palavras eram demais para a mãe,
que vivia na psicose de que era a única pessoa real de sua casa,
e que podia manipular os familiares como títeres,
uma vez que se não cumprissem com suas estipulações absurdas
ela se mataria.
quando a menina olhou em seus olhos e disse - eu vivo e estou aqui,
a mãe reagiu como reagem todos os ditadores,
o extermínio.
mas a violência de uma mãe contra uma filha era algo que a razão não era capaz de explicar.
não sabia como começou porque aonde que merda. quando que a mãe de repente estava com as mãos no seu pescoço, gritando algo, coisas bíblicas, pássaros. quando que jurou de morte, expulsar de casa, sangrar os bois.
não sabia.

movimento

ouvir a mesma música
escrever o mesmo texto
até que o movimento tenha se completado.
talvez gritar as palavras dispersas no peito
seja o mesmo
que desenhar um círculo com os pés.
quiçá falar da água
seja como chorar
emoções inventadas e contínuas.
sentir no contratempo da massa,
lamentar um cinzeiro,
lamber as feridas do sol,
encher o asfalto de sal.
comer folhas de dor,
escrever tintas de rios,
encontrar no silêncio
a perfeita desculpa
para poder falar.

marcas marcadas

quero insistir até te entender,
pelas mãos.
quero encontrar as cores que matizam o seu passo.
quero te servir os cheiros das amoras
imbuídas no espírito do álcool.

certezas maduras
são lentas e brancas.

no porto

você aprendendo a falar,
e eu te olhando entre os dedos.

é tão difícil te ver partir,
de um lugar que você nunca esteve.

quero pintar as estrelas com outra cor,
testar o paraíso com as próprias mãos.

ainda balbucio o seu nome nas noites mais frias,
e minha voz se confunde com o vento.

véus negros rompem os meus olhos,
é tão difícil dizer adeus.

terça-feira, agosto 02, 2011

serindo

sem razão.

sem ódio sem cor.
sem mérito.
sem porque,
indecisão.

assim são as coisas,
perdidas num mundo sem ordem
sem deus.

talvez por que haja tanto motivo para chorar

rir bonito,
rir azul.

rir um sol no dia de domingo.

rir de verdade,
rir de profundo.

de lágrimas feitas já existe o mar.