sábado, dezembro 29, 2007

tejo

quando existia no começo, existia mal e mal. voltava da escola sem nunca pensar estar pensando e dispunha toda a areia dos pés no lixo da entrada. olhava para as outras crianças com os velhos olhos arregalados esperando qualquer coisa possível. olhava-as esperando alguma coisa como sempre haveria de esperar. se alguém lhe tocasse o ombro e lhe contasse uma história teria a liberdade de torna-se um pouco daquilo e nunca mais lembrar de nada. se alguém a enredasse em sua atormentada ingenuidade choraria de pavor e juraria a vingança de quando fosse forte e entendesse o mundo.
passaram-se os anos e ainda lhe tocavam o ombro e a enganavam. ninguém a tinha muito em conta, nem olhava fundo nos olhos assustados. todos os dias voltava para casa, e já sabendo andar sem encher os pés de areia, tirava as tardes para pensar.
pensava em mundos outros, tomava posse de seus sonhos, e quando menos esperava, no décimo segundo andar de um prédio qualquer, tornava-se fielmente a menina dos olhos.
agora quando as mãos tentavam marcar-lhe os membros, esquivava-se como se nunca se acostumasse. era apenas sua, pois era de todos os mundos noturnos inventados desde a infância, que eram, na verdade, as mil e uma formas que ela inventara de ser.
os dias acabavam e as manhãs nunca cansavam de nascer. quando se cansava podia sempre deitar-se na pequena parte de chão que lhe cabia e olhar as poucas estrelas da cidade. olhava a imensidão do céu e algo lhe dizia que valhia a pena. a solidão dos olhares assustados, perpetuada pelos anos todos, e olhava o céu e se sentia olhada. e o vento batia e lhe contava as histórias que os homens esqueceram de contar. e pensava no mar para quando se sentisse muito nua, e ele pudesse a vestir.
pisava nas folhas porque elas estavam secas e estalavam do gozo de não estarem mais vivas. dos homens só esperava alguma coisa dos olhos, que sentia vivos, enquanto calados. então a noite chegava de mansinho, e ela dormia.

apesar-de

o som acabou,
para que alguém decida cantar.
choveu,
porque alguém quis se molhar.
o elevador parou,
mas você precisava mesmo pensar.
o dinheiro acabou,
e você parou de fumar.
viver é viver,
sempre apesar-de.

quarta-feira, dezembro 26, 2007

mentira

quando você diz o meu nome em vão eu procuro desvencilhar-me dos véus do discurso para encontrar o seu rosto fujo das palavras que não dizem nada acho tudo um desperdício e procuro no seu rosto os seus olhos que não sabem mentir quando olho no seu olho eu sei que a vida é isso e não outra coisa e que as palavras são inúteis perante a água e o fogo mas você não diz o meu nome e é melhor que seja assim eu não procuraria os seus olhos nem os encontraria no seu rosto porque hoje eles aprenderam a mentir.

laticínio

suores odores calafrios
dedos frios,
esvai-se o sangue.
no espelho os lábios pálidos,
no corpo oco,
esvai-se a fome.
sentir-se mais uma
outra vez
como a morte.
não sentir saudades,
não querer,
e perder,
esvai-se o nome.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

bêbado e tarado

Charles Bukowski

"sim sim

quando deus criou amor ele não ajudou muito
quando deus criou cachorros ele não ajudou cachorros
quando deus criou plantas ele não fez nada de mais
quando deus criou ódio nós ganhamos uma utilidade
quando deus criou a mim ele me criou
quando deus criou o macaco ele estava dormindo
quando deus criou a girafa ele tinha bebido
quando deus criou narcóticos ele estava louco
e quando ele criou o suicídio ele estava miserável

quando ele criou você deitada na cama ele sabia o que ele estava fazendo
ele estava bêbado e louco e ele criou montanhas e o mar e o fogo ao mesmo tempo

ele fez alguns erros mas quando ele criou você deitada na cama
ele gozou em todo seu abençoado universo."

bom humor

dormir pouco virando os olhos inconstante corpo profuso em doença física; caminhar passos de sempre ruas conhecidas vazias sem sol; passar algum tempo com a família encher o ouvido de confusão irmão primo pai de novo irmão. não esperar mais nada se é filme ou enche de melodia. pois seguir o dia como seguem todos no rosto só sorriso.

corpo amanhecido,
pôr do sol urbano,
anoitecendo de bar em bar.

sábado, dezembro 22, 2007

formol

a sala está escura,
o prédio está vazio.
nenhum som,
a não ser as folhas secas a tilintar o vento.
nenhuma vontade,
a não ser a de evitar o medo.

companhia dos passos ocos
no chão de cimento.
invado o estar sincero
das coisas desta sala.
vivas longe destes olhos,
imóveis diante da porta aberta.

são orgãos e vísceras,
de matéria carcomida,
embaladas noite adentro
pelo formol e sua sombra.
esperam a morte,
suspensas,
em um tempo úmido,
e sem valor.

tocam-me o bumbo
insurdecedor,
do rufar dentro do peito.
pois já não há espera que crie acalanto,
e nem poro que resista a outro beijo.

sem vida alguma,
jaz o coração suspenso.
e não é formol, nem espera,
o líquido que o congela.
é apenas o que resta,
de anos e anos de quimera.
escorrendo pelas beiradas,
a aguardente solidão.

equívoco

e no início a noite não passava do constante esforço de manter-se em pé, com os olhos lúcidos, e um sorriso no rosto. pediam-me como oculta vontade o humor, e eu despejava sob suas cabeças uma porção de histórias absurdas, embora factuais, para que pudessem transferir o diário desgosto da vida para episódios pouco eloquentes (já que ainda não lhes contara o segredo da insone amargura do café amargo).
nenhuma bebida, nenhum cigarro, nenhum carinho oculto por trás das esquinas. então entendia que a noite deveria ser encarada de frente, sem medo. para tanto, deram-me o riso como única defesa, e para quando não aguentasse mais, o ombro dos mais amigos para que pudesse enconder o rosto. porém, deveria acima de tudo persistir nos impulsos, e acreditar que dormir é sempre a última saída.

eis que a vida transborda das beiradas mal comedidas da vida, e que em ambiente tão infecundo, nasce um sentimento sem nome, travestido nos últimos dias pelo nome da saudade. enche-me o peito vazio desse denso emudecer, e mesmo que o saiba o nome de erro, é impossível esvazia-lo pelo tempo.
na noite proclamada, procuro as saudades, que recusa-me os olhos. e então é a primeira vez que me toca o peito algo que não via a tempos. toca-me e repousa as mãos, os dedos delicados, como o tecido da morte, por cima das veias saltadas e mal contidas. é a primeira vez na noite, e cansa-me tanto o sorriso, que nem sequer previno o ato.
pois o tempo segue sem medo, e sem medo também o inesperado ocorre. continuo a falar como se por trás do laconismo viesse a morte. sinto-me nua perante o bar que gira em voltas absortas dentro de um pensamento, e volto a me vestir, desesperadamente, com as palavras que não cesso de vomitar sobre outros ouvidos. os pressinto com o fundo de mim, e sinto infinito o negro gotejar percorrendo o meu corpo.
passam instantes. sempre instantes e as máscaras caiem. o cansaço invade a têmpora, caio de joelhos perante todo e qualquer esforço. o sorriso transforma-se em mudez, e a dor em consolo.
a mão, que antes delicada, amparava o músculo cardíaco no escuro do dentro, passa a asperamente o contorcer, como se o sangue fosse suco possível de infeliz resignação. o coração freme a cada aperto de mãos fortes, e sem resistência, cede à tristeza e seu estandarte.
o nada, antes previsto, devolve à palavra o poder do dizer mal, ou bem. maldição consumida em verbo, a lua amarela postada no ar que dizia aos incautos - mais cuidado. e bem a lua que da dor sabe, repetindo o não adiantar do cuidado, da precaução, ou dos pés calmos. pois quando o passo é largo, olha-se para o céu, e eis-se deslocado, novamente, na solidão de um erro.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

no próximo instante

cada vez menos.

no dia depois de hoje

nada.

reprise

o oco dos seus passos,
o eco da sua voz,
a sombra da saudade.

quinta-feira, dezembro 20, 2007

so nice

espere pedir uma xicara desse chá que tonifica a memória,
faz bem pros olhos, e para a alma.
chega com esse cigarro mais pra lá,
para de sorrir pra parede,
olha fundo nos meus olhos.

eu te engasgo com o meu olhar,
mas sei que você só quer se perder.
a cada esquina sem encontrar as palavras certas
- não encontrarás.

try

abriu
os olhos
esperando
um mundo
que se moveria
a cada vez
que as pálpebras
se fechassem.

ao contrário,
para além
do tempo
restava
apenas
o
sono.

segunda-feira, dezembro 17, 2007

gibraltar

o mundo criado é o mundo mentido quando ainda se é muito jovem.
enquanto por aqui chove quase todos os dias, e as plantas vão vencendo a dureza da pedra com a umidade da vida, penso em um tu que certamente não é outro que o próprio.
quando o vento bate nesses altos muros e ainda se vê o mar, a solidão sibila os caminhos tortos que levam às cidades, e os pássaros negros voam em outras direções. então, és tu que me faz companhia, presença opaca por trás do vapor do chá, pressinto os teus olhos enquanto leio os livros que me trouxeram até aqui.
e no entanto estou aqui e te escrevo. pois diz que não estás. que não és. esse tu inventando quando erámos jovens. diz que há outro lugar, em que os carros passam com fome de esquecimento. e que os mortos são sempre mortos por inteiro.
diz em tuas cartas que sente a mesma falta, mas não vês, a falta como os buracos negros criados por presenças que não podem ser substituídas por coisa alguma, sequer ar. não vê os meus olhos por trás das janelas, à espreita. nem os meus vícios nos personagens dos romances.
não sabe-me, nem sequer pressente. inventa outros ares, e com eles engana minha ausência.

domingo, dezembro 16, 2007

waltz

era um como quando, uma vez que a vontade já coçava o corpo todo em se mexer. a rua era muito mais suja e muito boa ainda pra ser. o sol iluminava a podridão daquilo tudo que no escuro nos acolhia. por medo. todos por medo. nós, os leitões acolhidos da chuva, nos abraçando em suor alheio e charfundando em toda espécie de água-benta-nossa-santa-cachaça-benzida. sentiámos tristeza e dançavamos solitários. tocava uma valsa e dançavamos. os olhos secos virados para o lado de dentro, sem espera ou deleite algum. as mãos como uvas passas tocando umas às outras. os ternos bem passados e as mulheres frígidas. copos e copos de alguma bebida desconhecida. o sol, o sal, nenhum gosto a mais.

e as ondas

dilatava a cada hora desgastada em verdades e mentiras na vontade de ficar um pouco mais. despia-me desse orgulho tépido, para que as noites de fato me vestissem com suas cores. não havia muito mais no que confiar. os dias passando, estandarte dos óbitos passados e presentes. esperava não sei com que fome que tudo se desdobrasse em outro estar menos sóbrio, e menos escuro. enquanto isso doia, e nunca pararia de doer, por trás de cada vértebra. de cada espera que teimava em brotar pelos dias. e que morria todas as noites. como semente para as manhãs que nascem. e essas são as únicas que não cansam de viver.

contagios

minha boca está seca,
como se ainda
a vida não passasse das mesmas tentativas frustradas
de sair de debaixo das nuvens mais escuras.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

imaginação

eis que desligaria a luz do mundo
com as mesmas mãos afoitas que invadiriam
o seu estar consigo. do susto provocado
te reestabeleceria do pânico com os braços
bem apertados. eis que nus,
em minutos perdidos, estaríamos vestidas de escuro,
bem no centro de tal tempo suspenso.

então o sol voltariam a brilhar,
os minutos a fugir,
e nada passaria de um sonho,
como sempre o foi.

libertango

por mim
te levava a todo lugar,
e transformava a solidão
no estandarte da tua ausência.
por mim
eu deixava a coerência de herança,
perdia todos os anseios pra crueldade,
e passava todos os dias,
te seguindo pelas ruas.
por mim
o nada seria tudo
e eu, vagabundo,
era só os olhos pro seu escuro.

domingo, dezembro 09, 2007

acalantaria

acorde dissonante,
meu toque no seu sono.
perco as mãos para a vontade,
e engulo todo medo.

o dia morreu,
a noite acabou,
e ela ainda dorme.

brisa

é num sopro que eu te sinto,
por trás da nuca,
quando todo resto há de bastar .

não vou me virar,
você sabe que não é preciso,
pois sabe todo o meu amor,
vivo no sorriso que não vês,
embora o pressinta,
como todas as coisas entre nós.

sorrir

eu tinha a pele que sempre tive como as marcas vão e vem num dia de sol bem feito. me alegrava com as pequenas coisas, bastava que sorrisse pra que o dia desdobrasse em outras memórias antigas. já não tinha fome, agonia não tinha, era toda feita desses vestidos rodados inventados pra se gozar a vida. pois era se submetendo por todos os dias a tais felicidades de momento que em cada cabelo ao vento te imaginava cantando. fazia parte uma vez uma toalha vermelha e branca com bolos e frutas. uma bicicleta de menino bem bem pobre com boina. tudo fazia parte e sendo-me como acabava de ser e vendo-te os olhos cheios de água, éramos aquela imensidão de tonalidades crespas, de ríspidas e bondosas emoções, tornadas poço de alguma prova em volta de todo aquele ar.

terça-feira, dezembro 04, 2007

ópio

todos os dias,
todas madrugadas,
mostram-me um mesmo caminho.

é que é preciso sempre dar boa noite à morte,
dizer que nos vemos outro dia,
que já é tarde,
e que hoje fico com a vida.

nos braços

a madrugada invade cada janela da casa até que não reste dúvida alguma da noite absoluta. o tempo, apesar do martelar dos ponteiros, diz-me com sua voz de vento que me espera o quanto for preciso. tateio com minhas mãos no escuro, e não te procuro. tampouco te acho. como se sua voz fosse consolo, a invento na falta de qualquer outra coisa, e não bem te vejo, já tu não me bastas.

sonos

a cabeça dói como se ordenasse o pensamento.
o corpo procura abrigo na obtenção de seus falsos desejos.
e a alma em pleno silêncio,
espera calmamente sua vez.

taquigrafia

vôo

como
voam
teus
pés
olhos
mãos
como
são
sou

como
és.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

palatho

rapsódia criada entre quatro paredes. as chamas crivadas toda noite no escuro. sobreposições do breu.
as transparências do vício,
e as vicissitudes do amor.

o sal torna a existência mais dura,
e o amargo faz tudo caber na devida dor.

gírus

comparcerar o talco usado na toillete diária das bonecas de porcelana, e as lâmpadas .
a vida como se não houvesse meio de vive-la.
os dias como atos indecisos de uma peça por acabar.

e o acaso mordisca os meus pés.

domingo, dezembro 02, 2007

(in)gentil

nenhuma palavra me merece.
o silêncio imerso da solidão engole minhas palavras.
dessa solidão para dentro, só resta existir para fora.
os olhos nas coisas. os sons do mundo.
quando as ausências passam dos contornos,
o silêncio contamina os dias.

sábado, dezembro 01, 2007

solidão

muita coragem
para se abandonar à distração como uma ordem.
dançam os nomes e as coisas,
nos círculos de fogo e de aço.
por entre as palavras de pedra,
eu prefiro olhar para as estrelas.

sexta-feira, novembro 30, 2007

o velho e o mar

minha voz assume um tom cansado quando te distingue no vão dos dias.
minhas costas se curvam por anos de pesado fardo.
e o sol e a areia tomam minha pele magoada.

com cal e sem medo,
transformo toda dureza em ternura,
que é pra você deixar de ser boba.

velamento

as mulheres na cozinha de uma solidão, andando como gatos. a cada passo das pernas rijas, o assoalho frio a endurecer a vida. vendo-me nos seus olhos desconhecidos, aprofundo-me num leito úmido, dos mil desdobramentos entre o sono e o sonho. tateio-lhes os olhos como se procurasse a profusão de um tu: o duro entrevir das pernas, as sombras dos quartos e os fantasmas dos ausentes. assim nos se-mos com todos olhos, e então será porque o olhar resiste às sombras.

quarta-feira, novembro 28, 2007

cem anos de solidão

raspar com as unhas o fel das paredes caiadas,
e o doce gosto da terra.
os corpos cegos
procurando-se sós,
silenciosamente,
com medo de acordar.

histórias repetidas nos mesmos nomes de outrem,
como sombras extintas pela luz.
as páginas cessam,
o livro nunca.

terça-feira, novembro 27, 2007

assídia

há dores de outras vidas,
mal cicatrizadas.
andam todas em filas,
passivas e caladas.
quando chamam seus nomes de dor
angústia, assídia, agonia;
mal olham para o lado.
preferem seguir em passo reto,
sem esperar nada,
com os mesmos olhos quietos.

sábado, novembro 24, 2007

triste fim de uma essência.

as mãos criadas antes do medo,
repelem o escuro com o seu silencioso gesto,
embora absoluto.
não há obtuosidade alguma que persevere sob os quartos de luz acesa,
entre uma sala e outra.
chamam nenhum nome. a lista é curta,
e ninguém nos salvará.
seguem os desenhos tecidos desde o ventre,
os padrões escolhidos por seus próprios dedos,
que se repetem até o fim dos tempos.
todos os dias,
todos.
cheios deles mesmos.

quarta-feira, novembro 21, 2007

pensamento

Do lado de lá do mundo tem uma sala.
Não tem sol,
tampouco lua.

Atrás da porta tem um aviso,
que ninguém nunca escreveu.
Como é o pensamento sem idéia,
e a palavra sem tinta,
além do céu é infinito,
para quem tem os passos leves.

domingo, novembro 18, 2007

#

como a violência comprimida por dentro da artéria.

cascavel

o desespero como forma de alimentar o medo,
desmanchando ausências em atos.

estou a poucos palmos,
sei que sou vazio transfigurado
em forma.
um pouco de luz invade o quarto,
e ainda posso ver.
aproximo-me com pouca exatidão,
não sei exatamente sob que forma o medo me invade.
temo a perda, metamorfose do pó,
se a vigília se perde em estado.
a pergunta perde-se na falta do pensamento,
se o desejo faz diluir
ou somar.
e a resposta é sempre a mesma:
ouve-se um não em cada fato,
demarcado e transcorrido.
a noite torna-se dia,
o tempo fechado.
estou cheia de nomes,
dados sem perdão.

com o passo perco a razão,
há fogo em tudo,
assim começa a ruína dos homens.

sábado, novembro 17, 2007

perigos noturnos

abriu-me no peito com armas de cobre os buracos sem nome, de anos, de todos. foi chamando que aos poucos virou-me do avesso até que não tivesse mais sombra. até que da matéria restasse apenas o verbo. como uma carne oca as pernas tentavam seguir pairando na mesma antiga despretensão de possuir apenas medos. a falta de algum pensamento a refletir a vermelhidão do sangue brotando das entrelinhas. os passos queriam seguir, atingir com precisão a nudez destinada. inclinavam-se fundo no gozo intépido a que estavam dispostos. ser como uma palavra estalada na língua, nada mais do que uma face sem nome.

vírgula

suco de laranja na bancada meio dia de sol.
o corpo estirado na varanda,
não tem para onde olhar,
e fuma os cigarros cheios de silêncio.
nenhum olhar já se encontra
.
toda intenção se perde,
músculos involuntários
e sem razão. dar-se inteira,
e não pela metade
é guardar-se para todos outros dias.

mas não um eu,
e sim um ela,
que quando a noite é escura e fria
não chama meu nome.
embora o tenha
embaixo da língua,
e longe do peito.
.

sexta-feira, novembro 16, 2007

fígado

o som da palavra cravada no ar,
matéria inventada da farsa,
desnuda.
ser cruel é ter nos olhos desejo do sangue.

i tu

as vozes
veladas
por trás de um sorriso.

os poros
à beira
impregnados pelos sentidos.

do som
a soma
a reverberar por todos ouvidos.

és como no escuro o grito,
e a presença torna-se
sombra.

terça-feira, novembro 13, 2007

eu preciso te contar uma coisa

pensem comigo
na lógica que está prestes a mudar sua vida.
1 - o tempo futuro é infinito
2 - a probabilidade do homem controlar as possíveis intempéries letais é grande.
3 - mesmo se a humanidade fracassar em tal intento e for extinta, nesse tempo infinito é muito provável que uma espécie evolua de forma nunca antes vista.
4 - considerando os estudos de einstein, da física quântica, etc.. torna-se altamente provável que tal civilização crie uma máquina do tempo.
5 - logo, estatisticamente a possibilidade de voce olhar para direita e encontrar um ser do futuro é de 50%. metade para o caso de ter, e metade para o caso contrário.

esbugalhar

o medo é tanto que não há mais claridade alguma
para que se possa chorar.
cada carne morre,
em algum lugar que ninguém pensa.

domingo, novembro 11, 2007

canalhinha

amor,
a mando,
mando,
uma resposta,
uma pergunta,
uma viagem,
de raspão.
no chão,
que arde e coça,
não pergunte,
só me ame,
amor,
não reclame,
deixa eu deixo,
passar a mão.

terça-feira, novembro 06, 2007

como se cauterizar todo o sangue dos dentes

prender em portas nunca adentradas a fome
caóticas paredes
sempre quatro
olhando a si mesmas
.
o desejo amortalhado pelo medo,
a atenção perecendo em segredo.
cada janela te espia,
enorme cidade vazia.

as valas públicas,
e as vidas vadias,
quem finge de morto,
e todos os outros:

paciências

refém do tempo,
pelo peito
sempre as palavras fazem o mesmo som
em uma só boca
uma só náusea.
o tempo corre escondido
por debaixo das visceras.
nada se pensa
nada se apanha
.
nenhum fruto
discórdia do desconhecido.
todos os segundos atentam
para esse eterno inomiável.
no escuro resta opaca meia vida da transgressão.
trabalho dos veios das sombras,
trama de mãos delicadas,
inventar a vida que já nos basta.

segunda-feira, novembro 05, 2007

don juan

eu não aguento mais mentir.
estar só
até que realmente não o queira mais.

trama

a vida, essa desconhecida, te aposta os dentes nas coisas, te faz perder os medos. a rua ainda é úmida, e o céu não transparece nada, além do leitoso conjunto. os pés já não sabem para aonde ir, e mesmo que nunca o soubessem, agora o tem como certeza. não há nicho que não seja isso, da mesma matéria involuntária e fria seguem as veredas do dia. os carinhos muitas vezes mentem, erram de endereço. os olhares, patéticos resquícios, por oras quase que iludem, até perder o viço. resta apenas o silêncio, do oco dos seus passos. do eco da sua voz. a sombra da saudade.

sexta-feira, novembro 02, 2007

cafundó

quando eu te passo,
atrás de mim tem o sol e tem a terra,
e mesmo assim é embaixo dos meus olhos
que você escolhe estar.

o que temos a nos dizer
é quase nada.
as manhãs se parecem,
e é quieto o nosso ser.

para ouvir o silêncio
tem que ter apaziguamento.
tem que virar o barulho do silêncio,
pra começar a escutar.

sexta-feira, outubro 26, 2007

casa 8

o oco sei de cor o teu encanto
ímpio,
falo da superfície escassa
hábil criatura
volúvel
primária
.
deita-me as horas do melhor sono
em forma de delírio.
cansa-me a pele,
apenas,
durante todo o dia
deixar-te a ferida aberta como solução.
borbulha em forma de nuvens isso que te foge a boca,
enche-me as panturrilhas.
sem emoção nada
cheia do que te fala
do seu não ser inteiro e sem perguntas
mas ainda tu
há tu
que me questiona.
questões longas dilatam nosso labirinto.
cai a noite, e menos ainda, ele descansa.
não há,
afoito,
luz.
frio ferro e fogo,
nossos olhos se queimam na água
inteira fome
medo
somos criaturas do medo.
de deus nos olhos,
e de outras dores.

quarta-feira, outubro 24, 2007

ato falho

se o ato
rarefeito
é silêncio
entrecortado

o grito respira
o que o ar incandesce.

poeminha de quinta (categoria)

guardei dos meus primeiros dias,
sorrisos,
para distribuir como flores,
ou pequena nota de antemão.
como um poema frouxo
na extensão da face.

deles roubaste-me os melhores,
os risos mais mansos,
a cada olhar correspondido,
com ternurna sem medo,
e estar sem decisão.

roubaste-me sim,
pois não foi de bom grado,
nem escolha de fato.
tão logo chegavas,
já estava,
minha boca tola,
a sorrir como desgraçada.

foi então que vi ser tudo de graça,
(tudo).
pois talvez não tenha entendido,
ou pior ainda,
nunca ter visto.-
-todos meus risos mais mansos,
guardados só para você.

sábado, outubro 20, 2007

quarto andar

o paladar muda,
e a fome continua

seca e surda.

parece justo,
o eco das palavras
e a falta
do excesso.

a manhã distrai os sentidos,
o erro ébrio sem perdão,
duas vezes cometido,

é a farsa
e a solidão.

terça-feira, outubro 16, 2007

haikai

opaco entender tudo do lado errado,
o mar bate no céu,
e deus está nos olhos.

segunda-feira, outubro 15, 2007

corpo rio

todo confronto de duas metades é um pouco inteiro, outro tanto despedaçado. uma metade é seca, outra nunca.

- você me dói como a umidade negra da pele que cessa de estar num rio. calor intrépido da derme contra a água da carne. os lábios frios sem medo. como tal, um abraço inesperado.

quarta-feira, outubro 10, 2007

almoço

as coisas nunca,
na vida que acaba.
mas sempre as coisas
na vida finita.

grupo de quarta

perscrutando os olhares a minutos.
o fundo da alma
é o verbo do afeto.

segunda-feira, outubro 08, 2007

diálogo

então ri e me devora,
em cada gole,
demorado para desculpar
o olhar.
não entender - eu não entendo,
pois esse vento
quem viu atrás da janela ficou.
eu te vejo e isso persiste,
é de rir de graça que eu gosto,
e eu tenho rido até chorar.

quarta-feira, outubro 03, 2007

rei de paus

cada erro acerta no reflexo que é do tempo,
impressão opaca.
tudo que é reflexão revolucionada do instante,
não há nada.
além sobra,
de um espelho dentro do outro.

as marcas na lama,
são feitas de sombra.
tudo o que é volta a ser
a palavra exata.
se juntos ardem
ainda me resta saber
o que um espelho no outro vê
se o nosso olhar é de graça.

terça-feira, outubro 02, 2007

tento

passo as tardes nos seus olhos,
alguém canta,
sem nunca mais parar.
passa o tempo e eu imagino
mergulhar fundo
em um teu perto do que tenho.
nada quer dizer tanto
quanto resta de nós-duas.
passa a vida
e eu só quero te ter sua,
para ainda assim estarmos mudas.
chega a manhã vento para te ter,
e eu te tendo, eis que estou.

quinta-feira, setembro 20, 2007

zinco

ódio por você,
ouço a música feita com a sua fome
e meu pescoço se prepara.
eu fecho os olhos e me deliro pra frente.

segunda-feira, setembro 17, 2007

lado b

hoje fez nuvens em meu peito
no escuro não ver lágrima
pra lavar a minha dor.

dor foi e não partiu
esse vazio só acaba
na próxima temporada.

domingo, setembro 16, 2007

gutural

mãos dobradas por cima das falanges,
os céus que abatem a vegetação rasteira
nele o mar bate.

eu não me importo,
só um pouco ao menos,
pra que eu possa ganhar ar (e tempo).
cada dia que passa, eu não tenho medo.

quinta-feira, setembro 13, 2007

cerco

ato 1:

em cada resto inoculto dobravam mil decibéis. ébria cissão entre o fora e o dentro, me esparramava com a boca enlameada sujando os seus tapetes. pouco me importava. era então ódio do começo ao meu fim, o deslizar secreto do que parece mais natural, os olhos passando pela sala, fixos nas garrafas vazias que serviam nosso banquete.
olhava intermitente o casal fuso nos sofás, flutuando na música altíssima e dissipada daqueles dias. era o ódio quem tornava tudo muito natural. olhava as garrafas - as garrafas são de vidro.
olhava para o casal - o amor que é de vidro.


ato 2:

então veio o sol e diluiu tudo na rubra aurora.

terça-feira, setembro 11, 2007

tédio

ali naquela sala opaca indecisão entre o tudo e o nada eu me dizia em voz alta: iria morrer cedo. por ali ninguém desconfiava com seus ternos de vidros, os bolsos cheios de segredos.
as palavras cediam, eram pedras que a horizontalidade da água vencia.
eu te pedia com os olhos por um pouco de água, meus dentes estavam cheios de sede,
logo em pouco iriam sangrar. eu gritaria,
correndo por entre os obstáculos, os derrubando com beijos,
iria Gritar: quem pode saturar os caminhos nessa febre de sal,
as gengivas irão sangrar, e ninguém vai me livrar do tédio.

por obrigação

como as palavras secas que estalam nas tortuosas veredas
da garganta
olhos sem deixas
atos sem intenções
achar-se sem dons
umbigos
carinhos - vazios
beijos por obrigação.

domingo, setembro 09, 2007

gipsy

nem todas as mulheres olham para mim.
essas jamais saberão dos segredos por trás do meu violão.
há algo levemente azul e morno,
distrai os olhos,
cessa os vícios.

domingo, setembro 02, 2007

carta pra passado

hoje eu me escondi num canto escuro da rua e desfaleci o inferno de dentro num mar de lágrimas. eu chorei até fazer daquela água suja um troço, uma imundice de mim, um acumulo de amargura. e, despida de tanta loucura, desamparo de me encontrar em mim, veio uma coisa muito forte. as lágrimas começaram a fluir cada vez mais intensas e foi porque eu lembrei de você. e lembrei de um amor por você que eu tinha engulido, que eu tinha esquecido. lembrei de um joão que já não é mais. e me deu tanta saudade. tanta saudade. e eu até te liguei nesse desespero. mas voce nao atendeu. é que eu precisava de voce naquela hora. mas só de voce. e do joão que foi e eu já não sei se é mais. que eu nunca mais vi em bar, esquina nenhuma. um joão que tinha ingenuidade, paixões, e esperanças. que gostava de drummond de peito aberto. que me dizia que nos relacionamentos ninguém perde, ninguém ganha. um joão que eu tomava com exemplo, que eu achava que nunca mais ia perder. um sei lá. um amigo. um amor.

sábado, setembro 01, 2007

estarém

estava com a boca seca para as intenções daquela manhã quente e sem dono. as árvores estavam verdes, o ceu quase sem nuvens, a luz amarelada. só rapidamente e sem muitos compromissos adentrava às visceras de um além tempo, apoiado veemente nas rodas do carro. não importavam os minutos, quanto mais o que sob ele ocorria. o sol esquentava seus dentes estragados pelo hábito. não tinha cólera, apenas no corpo a ausente sensação de um banho tomado. a oleosidade nos cabelos cheia de fábulas fanáticas. nada importava e seu estômago queimava. a música não o abandonava. as fezes não o abandonavam. a dor o abandonava. ao som de quem bem não conhecia. tens medo? perguntava juntando os cacos. tinha nos olhos outros lugares, paragens, vertentes e cachoeiras, assim era seu deus. não dormiu por esse mesmo medo, de ter um deus nos olhos, atrás da pele seca que a morte aos poucos transformava em pó manso. o cansaço comprovava a existência de algum outro-então deus, dessa vez demônio, talvez, esse, visse apenas no reflexo de seus olhos num espelho. apesar de tudo ainda não tomara banho, e o dia, apesar de tudo, estava quente.

segunda-feira, agosto 27, 2007

hai kai

não tinha medo das palavras,
diluia-se no impensável
enquanto o chá ficava morno.

páginas

aos passos pesados, lembranças do futuro,
reinventava como um menino,
as pombas cansadas nos tetos de zinco,
a chuva que jamais faria.
uma por uma, como um menino,
todas as manhãs perdidas.

segunda-feira, agosto 20, 2007

rio

Não dura um segundo a fome de minuto, é que te peço sem medo algum pelo pressuposto do que virá. Te rogo, assim fica mais pleno, tenho a consciência do que jamais será. Pede que te molhe o tempo, pede que te melhore a imagem. Não peça - faça, se lambuze no desfaçelamento intrépido da vida.
Fez com as palavras um muro intransponível, subindo cada dia mais um nível, fez do ódio argamassa dos seus riscos. Peça-me que fale tudo que já sendo, e mesmo assim quando te olho, te rogo, te perco. Faz-me todos os seres que dentro de mim se contradizem, impossível a comunhão de dois, te digo, quando começa o outro o um acaba. E então poderia te enganar nessa ladainha até o final dos tempos, a anonimidade perversa das palavras, vês, o limite frágil entre a mentira e a verdade. Antes o erro, depois o fruto. Depois do fim, segredos que a curva aguarda, faz-se sólido o teu Acaso.

quinta-feira, agosto 16, 2007

turbilhão da vida

passam os seus olhos mudos pela rua,
passam nus, mas não vêem nada.
atrás das cadeiras de vime,
perto de onde os sorrisos não mais tocam,
eu não te guardo.
teus olhos
estão cegos de dentro para fora.

minha boca está seca nesses seus olhos,
eu te peço, te rogo, alguma palavra.
sempre fomos tão mudos,
mesmo quando eloquentes,
a ordem das palavras nunca mudou a ordem do silêncio.

escuta
os olhares que passam na rua.
o teu sorriso não aguarda,
nem sequer teus braços prendem.

quarta-feira, agosto 08, 2007

história

sento-me à secretária - perante os ruídos silenciosos da tarde - examino as mãos turvas de idéias e as páginas sobre elas, pálidas. a responsabilidade aguda de inscrever em tamanha solidão preenche-me as têmporas sob a forma do temor. Maldita arte da inversão, futuro em branco tornando-se passado-página, história passada em futuro- o fruto.

vagabundo

o vislumbre desfaz-se em miragem,
quando sob ele pouso meus olhos.
Perco para os pés a gravidade,
para os braços
as mãos umas vez unidas.

terça-feira, julho 31, 2007

antonico

tudo é tão longe
por mais que a gente tente atingir com as palavras, afia-las como dardos, elas perdem a força nesse ar cético

peitos com coletes de chumbo
e cera nos ouvidos

vereda

é que nesse instante indeciso entre o passado e o futuro (como o ar que a corda do equilibrista divide em dois) não pedem nada de mim. mas olham bem nos meus olhos e me fazem o pior. olham-me com esses olhos calmos e não pedem nada, não mandam nada. nada que eu não queira. no silêncio assim rompido não posso dizer não, não há não, não há palavra que se mantenha no silêncio desse instante que te digo.

sexta-feira, julho 27, 2007

vênus, meu amor

libação sem vinho é palavra
e quem ouviu falar
os sons que nunca se calaram,
no ar.
o silêncio da onda é um segredo só pra quem puder ouvir.
vêm no meu ouvido e diz o segredo do mundo,
bem baixinho, como quem não quer chorar mais.

polenta

talvez na ordem das palavras eu possa encontrar algum consolo pra minha própria desordem.
um desenho, um risco. algo que agrade, como um cheiro perdido no ar.
um cheiro de comida da vó que ninguém sabe donde veio.
uma frase inédita, sincera, e anônima

terça-feira, julho 24, 2007

lunáticos

a irmã saiu do quarto descabelada, os olhos fora das órbitas, recém saída daqueles famosos surtos que a acometiam intermitentes ao sonhos:
- eu sou maluca?
- acho que não.. mamãe disse que maluca é quem mora na lua.

medula

engolindo aqui uma porção do vinho ruim que minha mãe me deixou de herança. se você visse minha cara ia ser a cara de quem mastiga pétalas e mais pétalas de flores, embora sem expressão alguma. é uma fome convulsa que te deixa amarelo. faz salutar essa tua ironia. pra mamãe o melhor é deixar de presente uma frase bonita, ou duas, junto com a bandeja do café da manhã. aí ela sorriria forte e o dia ia nascer bonito, com um sol lá em cima acreditando em tudo. coisas de barulho de pedrinhas de sabão escorrendo no rio. coisas de saudades de ninguém porque eu não acredito mais em pessoas, ou de insônia dormindo porque esses segundos também são oníricos. tem alguns momentos, poucos, que não precisam ser salvos por essa doçura amarga do vinho. cintilam, percebe. e doí então cada vértebra.

domingo, julho 22, 2007

horus

não, não existo.
deixa eu te dizer uma coisa,
isso tudo aqui não é real.
eu sou uma alucinação individual,
mas podia ser pior,
imagina só se fosse uma alucinação coletiva.

praia

O mar é bom,
o mar inunda.
Te tocar em cada poro,
em cada fundo,
se fosse útero.
Inunda e mata,
se bastar,
o ar te falta.
O mar à noite,
mas não tão só.
Abraço n'água,
esse todo mar.

quinta-feira, julho 19, 2007

tre

há esse acorde que se perde pelo ar, como quem passa por uma sala vazia e suspeita outra presença oculta. como o calor de um abraço que não se cumpre, é a promessa da morte que logo se dá.

terça-feira, julho 17, 2007

ou é por quilo?

1. sinto o cheiro
a. abate o corpo a falta de coragem
b. finjo que disso não sei
2. olho-a bem, franzo o cenho, e me entrego
a. sobe a boca resquícios constantes Ácidos
b. ponho para dentro sem nem saber
3. depois de umas 5 ou 6 me embriago
a. diluída num clown patético

meio amargo

no ímpeto agudo de todos os poetas,
ainda
tempo vento e morte - persistem,
pois dizem que o mundo é justo.
matéria de veia que incha e inflama,
sangue que erra num constante passar,
se fosse andar com os pés dessas dores
- bolhas, espaços perdidos,
entre isso e aquilo.
tenho certeza de que tenho certeza de que tens a certeza
E ainda somos tão pouco.
ralar o coração na falta de ter coração.
pensar nas coisas mais estúpidas por excesso de tempo,
ou de medo.
vivo (ponto final).
essa seria a palavra que eu escolheria.

sábado, junho 30, 2007

tempo demais

olha nos meus olhos, eles já não dizem mais nada.
faço esses desenhos poucos com os dedos na areia,
o mar às vezes bate nas nossas pernas.
se você diz alguma coisa eu até respondo,
embora tudo continue calado.
os gestos e as mágoas.
as nuvens e as marés.
os amores e os ódios.
o mar às vezes bate nas nossas pernas.

quinta-feira, junho 28, 2007

pathos

agora começo a entender. indecisa como uma caminhada, sujeita às veredas. cúmplice, e apenas isso, de um momento que se conjuga no cerne mais denso do presente. se foco os meus olhos para os passos passados, deixo de adivinhar a marca pesada dos meus pés na areia: o vento os apaga, o calor do sol os confunde. então não posso mais com isso, mantenho meus olhos sempre a altura do horizonte-futuro, sempre o porvir. não existo, se inerte morreria. assim continuo no meu exercício maldito, dos passos inesgotáveis, da meditação inesgotável. o sol extrai sem esforço o suor, a areia nele se difunde, renova-se pedra em meu rosto. meus sentidos tornam-se dispersos, entenda o ritmo a que me submeti como uma sucessão de tambores, mantras, preces. torno-me, no deserto, projeto vago de sinestesias. estado de dissolução - moldura. começo, meio e fim - nível d'água. vida seca, rarefeita. olhos embotados de sépia. assim me proclamo, como uma ordem fugaz no deserto.
as nuvens confundem a natureza da água salgada que toca o solo. não deixam de passar, em absoluto. tenho como exemplo as formas de suas curvas. idéias e mundos que passam por vezes despercebidos. a espécie de segurança da gratuidade que tem o afeto de um felino.
sou seca, rala, pouca. fecunda. não me diferencio do solo, da vegetação rara, ou então das nuvens. o ritmo da terra, batimento cardíaco lento, toma conta do meu ser. caminhada letárgica.
tais imagens sem nicho, flutuando por todos os ares, invadem-me o estar que torno como uma obsessão: repentinamente as linhas de um círculo que dele toma posse. círculos, retornos imersos nos caminhos. no meio do deserto sem fim encontro um cactus. forte, linha bruta do constraste. resistência agreste da vida que se cumpre. signo inteiro da fecundidade.
fluxos do tempo, e do meio, no outro áspero, desfaço-me da pedra, despojo-me da areia que formou-me, entrego-me. mato e morro. fim concluso da procissão, sem linhas retas. libero-me da minha carne, arrebento-me no meu ser. sou outra vez.

quinta-feira, junho 21, 2007

tereza

lente branca pra essa quarta feira,
a fuga da fuga
em doses homeopáticas:
cerveja a cada dia,
pedaço a cada esquina,
eco sem sujeito, óculos sem miopia.

não se procura e não se acha, enfim a sua resposta:
o nada.
no mais, só
as palavras
que nunca
se calaram no ar.

domingo, junho 17, 2007

desconstruindo werther

se eu pudesse escrever uma carta de amor agora, não seria para uma camila, nunca. tampouco uma bia, talvez uma lia. lua de lia. morena de samba. duas horas da manhã e me bastaria uma lia.
eu lembraria do seu sorriso,
e não é que quando me encanto sei transpor isso ao outro, no instante de uma palavra?
por trás de cada sílaba antes o ritmo do que o fatídico sentido,
sei sim,
e o sorriso de lia.
a faria um samba, se é que tu me entendes.
como uma ladeira iluminada de sol,
como uma saudade,
gato, gato. rato. triste saudade.
triste saudade de lia.

chá de romã

enlaço o chá nas mãos, até o ponto que ele permite (e ele não permite muito, vai logo queimando minhas mãos, minha língua. é um amor difícil). ele esfria, como tudo há de esfriar, todos somos iguais, é só esperar esfriar. entorno em vagos goles, mata a minha sede, e intermitente, me chega a boca o profundo cheiro do nada.
pois não é como se fosse cheiro algum, pois está lá. é o profundo cheiro do nada. enquanto isso volto a minha atenção ao filme que passa. que babaca, sem propósito algum. e eu penso no que penso. minha cara, sem propósito algum. como se nadasse e meus pensamentos fossem espuma do mar, não importa que não tenha nada além da espuma, o que importa é que eu sinto.. :que há algo, só não sei se já encontrei.
dou mais um gole no chá,
como um tapa na cara a verdade se revela:
o profundo cheiro do nada.

sexta-feira, junho 15, 2007

debaixo do pano

na verdade é apenas uma construção. uma equação talvez.
entre as suas expectativas, e o que o punho fechado guarda.
-não. eu não falo de pombas voando.
eu penso no que do tempo me aguarda.
este é o se perder: esperar.

o pôr do sol tem hora marcada. quase.
mas nada tem hora marcada.
-é que me perco.

poesia de cego.
mágica pra ninguém ver.
mudar as expectativas.

quarta-feira, junho 13, 2007

leão

acorda.
sabe que seus olhos estão vermelhos.
ângulo torto de si mesmo,
descobrindo o mundo que fez-se sozinho nas noites passadas.
levanta, olha.
o que mais desdobra da falta aguda do pensamento?
o mundo se arrepende,
sustentado na fraqueza ébria de seus joelhos.

quinta-feira, junho 07, 2007

feno

minha boca:
os fios de luz passam

instante de samba


só a vida
deixa ser

terça-feira, junho 05, 2007

quem sabe um dia

o que eu tenho?
procuro e acho que sei,
mas nunca sei.
fecho os olhos de desespero. abro os olhos e me tenho.

domingo, junho 03, 2007

desconstruir

eu vou demorar cinco segundos a mais
para escutar tudo o que você tem a dizer.
quem sabe assim eu ouça o que sempre quis ouvir:
os seus fins vão ser os meus começos,
a minha mentira vai ser a sua verdade.

viver

não é assim tão justo,
não há algum contrato
que de fato
nos proteja.

nascer sem petição,
morrer,
por ventura,
por acaso.

e entre isso e aquilo,
todas as pedras,
no meio do caminho,
no fundo do sapato.

quinta-feira, maio 31, 2007

total

a vida que me apresenta de pés descalços e me chama pra dançar. recuso, pois já não sei. nem sei mais meu nome. a verdade é que tenho medo. a verdade é que a verdade não é fome, nem sono, nem medo, nem desejo. é qualquer outra coisa. de pés descalços. a verdade é que eu quero fugir. será verdade que eu vou. será partir uma grande e ciumenta ilusão da vida que te reparte em dois e come teu fígado como se ainda fosse dia? é. eu tenho fome dessa vida. descalça, mansa, e inteira. me diz o tempo todo que está lá à minha espera. ignoro sabe? finjo que não. finjo que está tudo calçado com sapatos pretos de ir deitar calçado (acho que era drummond que falava assim da morte). meu amor. a vida é pra virar as páginas do coração, mas é sozinho. sempre sozinho. sempre úlcera. e te amo tanto quanto pode-se amar no mar. quero ir pra praia. e um dia quero que uma das suas páginas seja virar peixe comigo. a vida é bonito já diziam. e é mesmo. mas só descalça.

instantâneo

Te aparecia a uma esquina, estavas de chapéu, inventada no esboço de um sorriso. Eras toda felicidade de passado. Encantava os retratos sem fome, como se fossem doces, os dias, aqueles. Olhava a flores para mim, era toda de cheiros, dançava outonos. Aos sonhos feitos de nuvens, a foto morna como no rosto a sensação de um beijo que acabou de ser dado.

bike

Eu ganhei de aniversário uma bicicleta vermelha, com um laço, sem laço, era tudo aquilo que eu lembrava. Grito de um vermelho contra uma mansidão de cinza. Cachorro do mato. Grito que ninguém deu. Palmeira de Drummond? Riso perdido pelo chão. Vejo um tempo de tocaia, era um sonho que se escondeu na contra mão de um pensamento. Eu digo ninguém nunca viu o vento. Atesto, proclamo, transformo tudo em cruz, sacrifico os cordeiros. Mão que toca meus ombros, não posso olhar para trás, como passado, ou como silêncio.

segunda-feira, maio 28, 2007

7

espero da frieza da sua boca a palavra de ordem.
navego pelos mares secos que foram essas horas,
reformulo as palavras que ficaram suspensas no ar.

os rostos,
os rostos, todos deformados:
será miopia dessas gotas d'água?

a palavra nunca.
o braço imobilizado,
ato sem fim,
semi círculo.
por essa estrada
nunca avançará.

dos grãos de tempo,
castelos de areia, pequenos contos.
compulsivamente me alimento
dessas migalhas que achei pelo chão.
se todas as fomes são infinitas:
enfim o seu não.

por tudo o que foi fácil,
não suprirá a falta:
vejo a vida com suas tetas imensas,
apagando brancos incêndios.

sob os olhos de aproximar-se
de um instante, tempo e espaço,
descubro a matéria do vazio:
eis a infinita chama.

a dureza desses passos,
marcas fundas no solo.
o tempo passa:
estamos salvos,
ainda somos.

sábado, maio 26, 2007

é lava

qual é a palavra que salga sua boca? é a solidão.
é se encontrar chorando, perdida em si mesma,
e não se encontrar.
e não ter pra quem ligar.
é uma ladeira que não dá pra enfrentar sozinha
e não ter com quem ir junto.
é fingir que não precisa de ajuda e então ter que não precisar.
é querer se matar, mas não ter coragem.
é gritar e gritar e gritar, e não saber gritar,
e precisar, e não saber precisar, e não vir ninguém. é isso.
é essa lágrima que caí sozinha.

sexta-feira, maio 25, 2007

que instâncias da personalidade?

- tô me sentindo uma merda. tô sentindo dor, e to fingindo que é poesia, e tô falando que ela tá ardendo em mim.
- despressuriza bicho.. escreve, escreve tudo! pôe no papel, finge que isso tudo é deles também...
- eu não quero escrever. eu quero viver.

paúra

tá tão frio, e a cidade anda tão bonita. a rua tá cheia de pessoas com frio. não importa muito o que elas pensam, elas são o que elas são de qualquer maneira. pensamentos são só espaços brancos com desenhos. uma mulher de casaco roxo escova os dentes e com os olhos olhando pra dentro pensa em qualquer coisa. eu olho pra ela e eu vejo ela. basta olhar pra dentro.

faz uns dias que tem uma dor no peito que atesta que eu existo. minha hipocondria vigilante já tentou mil diagnósticos, de gases à botulismo. parti pra freud, pensei quais eram as pulsões que eu reprimia, em que buraco eu me metera. mas prefiro não pensar assim. eu sei que se a vida deixar de ser só esse empurra empurra, se escondendo nas entrelinhas para não tomar chuva, eu vou chorar. dor no peito de se encontrar sozinha.
sabe, cada dia mais eu penso que existir é isso, existir mais por inteiro, é achar-se sozinha.
eu me prendo às pessoas, às teorias, aos livros. ao mar. talvez tenha desaprendido a viver sozinha. a estar sozinha. eu sempre penso que uma música vai me salvar. o que eu tenho é medo.

quarta-feira, maio 23, 2007

concêntrico

A luz é pouca. É luz da madrugada. Os grilos me trazem esse silêncio imenso que chamam solidão. Não ligo, sou esse outro. Corpo ao vento. O redor me engole como seu, como um nós. Inventado, já que me esqueci.

Aos poucos as unhas vão se encardindo da terra que não consigo evitar, os pelos vão se coçando da grama que incomoda entre as pernas, e já nem incomoda mais. Não há luz que me chama, não há voz, nem mesmo sopro. Não há ondas que não poderia romper.

Talvez venha um cão aos meus pés, cumplicidade de olhar no mais fundo de nós dois. Ele se entrega e eu me entrego. Amor barato que prefiro. Estar só, sem vozes. Reverbera o som e o calor.

celeste

passa toda a história que se esgota
todo o tempo que passa
sabe mais quando não diz
tanto bem e todo mal.

nas nuvens

vem, olha esses passos.
dá-me tua mão.
hoje eu vejo tudo com novos olhos,
olhos de quem nunca viu.
aqui dentro como flor única,
pés decalços em piso de madeira.
indistinto ir sentindo
corpo todo, alma aberta.
esse existir leve,
carinho de pluma,
passos de lebre.
escuta esse silêncio todo,
e me dá tua mão.

sábado, maio 19, 2007

brother jack mcduff

- que diálogo seria possível?
- não sei. impossível reter os flocos das pessoas reais. por isso que eu não gosto de cinema, os personagens quase nunca tem mapa astral.
- mas quiçá... quiçá criar é quase psicografar, umas coisas de inconsciente coletivo, manja? mapa astral, jung....... física quantica e qualquer coisa é possível..
- inclusive criar.
- vai ver..

papirus

tem algo que eu sou agora, reconheço.
já não sabe mais das histórias do passado,
não é lúdico, tão pouco sábio,
sem matéria, ou futuro.
peito agora de se ver por inteiro,
quem sabe sentir o momento.

fluxo, instante fluxo do erro.

quarta-feira, maio 16, 2007

desabafo

como não sentir-se os restos batidos vendo essas moscas rondando às voltas da minha cabeça. franzo o cenho desse odor contínuo, perco o orgulho nas vicissitudes do momento. o sal que escoa minhas palavras, as silencia, é a ira. ela que embora carregue uma cruz que não a pertence, também sabe que as causas são apenas minhas. infrinjo-me as dores, este é o não sucesso, chama-se frustração. não durmo, não digo. sou um resto. sou resquício de chama que se apaga com o vento. fruto contínuo de certo desamor. céu sem nuvens. sonho sem noite.

segunda-feira, maio 14, 2007

faísca / retalho

cansou-me esse lastimar que eu era. anos de alguma incongruência com os fatos do mundo, dia após dia, me tornando aquela coisa aberta de quase morte. tornando um resto qualquer, uma poça de emoções amargas. eu talvez fosse um lago ou uma casa, era uma carta que ninguém nunca leu, permitia no mais fundo do meu silencio ser pouco menos que um buraco. eu era um nada, achando que assim eu me tinha inteira. me guardava no escuro, aguardava outros tempos, e nada. todo ato se desvanescia no ar, pimenta aguada nos olhos, medo-espécie-de-amargura.
dúvida de que essa existência ébria e escura, por só, fosse como minha. era nada! era pouca. aprendi quando me esqueci, porque me encontrei no ato. no que de mim retornava quando eu fingia não ser. me encontrei em todos os enganos, pois me entreguei. foi assim que novamente o erro encheu minha boca de palavras: quando a melancolia com sua ladainha atraente conquistou-me numa esquina. encheu-me matéria vazia no peito.
bebi, e não voei. só pude andar. princípio do fim a falta. enleio da matéria. é isso que somos.
o oco inadimplente retorna. e então somos nós.

o tempo

quero morrer antes que seja tarde

sábado, maio 12, 2007

o haiti não é aqui

gosto de porra de gordo na boca:
- a vida não é pra ser digerida.

pra não perder

tenha alma de entender clarice,
tenha signo de também ser útero,
tenha olhos de entender no escuro,
quero um homem que nunca seja bruto,
da poesia ser também mulher.

sexta-feira, maio 11, 2007

manga

pego uma manga na mão.
é uma fruta - me dizem.
pego uma manga na mão
procuro uma fruta.
a mordo - procura a fruta da fruta
a mordo - a devoro - a sou.
procuro a fruta da fruta
chego ao caroço
e me encontro
a fruta está no oco

muito pouco

a solidão me gasta a pele como o meu medo de não ser. apenas como isso. eu deveria me lembrar de que os passos se dão por negação. a força das pernas vence a preguiça.
se não for para ver o time ganhar, basta andar pela cidade. eu ouço melodias no meu oco, eu sorrio de uma alegria qualquer. esquinas e esquinas, anônimas. esses são os meus passos (eterno desconhecer de suas meninas). o céu me cobre, a rua me cede,eis que invado a vida, com seus pés de aço: venço seus vãos. assim que esvazio o sentido da inversão que é ser para dentro. a cidade me faz tão pouco, me rareia, não passo de um não nome. andar desse existir para fora.

quinta-feira, maio 10, 2007

cruz das funções

acho que o pensamento é uma merda. uma construção eterna e incompleta. milhares de barreiras, milhares de instantes, e nenhuma verdade. eu acredito no sentir. o sentir me conta dele próprio, sem passado e sem futuro. o tempo foi inventado quando desistiram de sentir e passaram a pensar.

segunda-feira, maio 07, 2007

mao

acalma menina respira
pensar é sua terapia
me diga dos seus dias
deixe seus pés no chão
não voe tão alto
é árido o ar
rarefeitas são as sombras.

o caminho e as pedras
as pedras e o caminhante.

(sim, tema. pois o erro também está lá) .

o fim não existe até chegar,
qual projeto que não é como horizonte,
qual delírio que seca antes da fonte.

o caminhante, meu amigo,
é o todo, é o próprio caminhar.

domingo, maio 06, 2007

metafísica

por engano
sei desse marca passo
dos erros
finjo a nostalgia do controle
tensiono todos os músculos
nos dedos evito
abandonar-me num largo precipício.
e penso
e sinto
e tento
o fim é sempre o fim
e o erro é inevitável.

quarta-feira, maio 02, 2007

mariposas

cada dia que passa faz mais tempo,
eu descascava a vida como se fosse uma cebola
e em poucos instantes lá estava eu
e a vida. sozinhas.
algo como se luz
de cozinha iluminasse tudo.
não estava preparada
e chorava molhando os ombros fortes
do meu pai.

segunda-feira, abril 23, 2007

rogar. em vão

penso em claro. e com isso quero dizer que ao invés de dormir, pairo em pensamentos com a luz do abajur a obscurecer quaisquer ilusões que porventura apareçam. resisto ao sono, não me deixo tocar pela mão do terreno livre. terra de ninguém, cenário indeciso dos meus sonhos. não bem resisto, pois senão não precisaria de palavras. as palavras vieram com a fome. com a vontade de dividir os gritos, ou a carne. o expresso.
quem tem paz e dorme não precisa de palavras. te inveja um olhar macio que pouso na-tua-nuca. a maneira qualquer como esparrama os cabelos, sem jeito, na cama. o sono sem culpa e ateu. consolo-me com um apesar-de. é um desconso-lo do ser. sou toda pra fora. esbanjei já minha dor ao nascer, e todas as lágrimas no decorrer dos dias. sou vasta e árida. já passa meu tempo e prevejo. por isso os sábios sorrisos que os bons velhos me dão na estação de trem. eles preveem, além deles, o meu fim. sinto-me num aquário. viver sufoca-me como não ser água, como não ter ar. tem vezes que é impossível não debater-se no medo de nunca subir a tona. tem vezes. como não dormir por medo. lisura da pele quadrada. estou naquela casa e só eu posso me salvar. do medo. eis aí a ambiguidade.
amanhã é terrível. não suporta minha cabeça num travesseiro.
a madrugada conforta-me. parece imensa. seu tempo mente. é eterna, e estou só enfim.
a luz do dia que virá é como viver em claro. desta vez é o sol que obscurece as ilusões (sim, na ordem inversa). trás os passos curtos e garantidos, e também sombras. na noite tudo quanto é gente é sombra. de dia só restam os espelhos. vis. não me confortam. cínicos. os odeio. minha morte será como a noite. será uma madrugada sem fim.

consolo

os corpos distavam um do outro em pouco menos que cinco centímetros. as mentes, entretanto, planavam em pairagens nunca vistas por olhos nus, tão distantes quanto podem dois universos dispostos. ele pensava nela, mas num Ela sem corpo, sem medos, sem o terror da materialidade. ela, por outro lado, consolava-se em uma banalidade de poucos limites: a janela, o chá, a tarde, talvez até o futuro. ele se perdia em labirintos obsessivos, desaprendia formulas e repetia orgulhoso as temáticas do inferno, da perdição, dos sexos, das saudades. inflava o cenho de uma poética inventada (não por ele, mas por outros, antigos, nobres, e poetas). criava-se vivo perante essas contradições eternas dos homens e seus pares, voava a milhas de distância daquela sala escusa, filiava-se pródigo de grandes nomes. vasto e repleto. os olhos cegos e um projeto infantil de riso.
a água do chá da menina fervera. ela, sem medo e etereamente terrena foi à cozinha. da altura infinda dos seus pensamentos, o menino despencou com ossos fracos (perdido no seu próprio vazio. nos seus pelos feios. seu olhar de monstro. seu nome de joão paulo). caiu dos seus infernos e paraísos criados no erro que concebia, segundo após segundo, querendo quem não o queria.

domingo, abril 22, 2007

juventude viada

-todos os dias o mesmo oco que é ser. fome maldita que estraçalha os melhores colchões, a melhor música fudida. será uma expressão incontinente de um desejo fantástico e (até) mórbido? fome essa que não se basta em nada. alimenta-se do intante e perde-se no momento.
ah! esses dias em que alberto caeiro é precioso, pra livrar-nos desses maldito martírio de Ser. muito difícil viver em paz nessa panqueca de ecos freudianos, niilistas, moralistas, pugilistas; transformaram existir numa escolha de vida. decidiram por quais vias devemos testar nossos passos antes de andar. eu só quero andar, e gritar, e esquecer toda essa porcaria sem sentido que andam ensinando por aí. enfie kant no cu, cuspa em nietzsche, ponha o dedo no nariz de adorno! cansei dessa briga efêmera de grandes autores anônimos, de pequeninas letras xerocadas. eu quero ver o mar. em paz. e formular minhas próprias teorias.
-é cara!

sexta-feira, abril 20, 2007

beleza pura

Da Maior Importância (escutem!)
Caetano Veloso

Foi um pequeno momento, um jeitoUma coisa assimEra um movimento que aí você não pode maisGostar de mim, direitoTeria sido na praia o medoVai ser um erro, uma palavraA palavra erradaNada, nadaBasta quase nadaE eu já quase não gostoE já nem gosto do modo que de repenteVocê foi olhada por nósPorque eu sou tímido e teve um negócioDe você perguntar o meu signo quando não haviaSigno nenhumEscorpião, sagitário, não sei que láFicou um papo de otário, um papoIa sendo bomÉ tão difícil, tão simplesÉ tão difícil, tão fácilDe repente ser uma coisa tão grandeDa maior importânciaDeve haver uma transa qualquerPra você, e pra mimEntre nósE você jogando fora e agoraVai embora, vá!Deve haver um jeito qualquer, uma hora!Há sempre um homemPra uma mulherHá dez mulheres para cada umUma mulher é sempre uma mulher etc., talAssim como existe disco voadorE o escuro do futuroPode haver o que está dependendoDe um pequeno momento puro de amorMas você não teve pique e agoraNão sou eu quem vaiLhe dizer que fiqueMas você não teve piqueNão sou eu quem vaiLhe dizer que fique…Mas vocêNão teve piqueNão sou eu quem vaiLhe dizer que fiqueNão sou eu quem vaiVocê não teve piqueNão sou eu quem vaiLhe dizer que fiqueNão sou eu quem vai

basta quase nada

a princípio você perde o equilíbrio.
-tem vontade de encontrar as paredes (as perguntas)
-tem vontade, a máxima e única de abrir os olhos.
mas não. adivinhe o som do vento no escuro da sua própria vida,
e não abra os olhos tão cedo.
ceda ao exagero,
solte seu corpo na falta de acreditar na gravidade.
reinvente os nomes das cores.
'seja quem você nunca será.
não tenha medo do que virá - ele virá.
porenquanto abrace o agora e seu nome de erro.
nomes não passam de nomes.
eu só acredito no rio que passa dentro da minha aorta.

quinta-feira, abril 19, 2007

gabriel

sete os buracos da cara,
pregos na parede,
dias da semana,
planetas flutuando.
doze passos de cristo,
anos de castidade,
meses do ano.
três pernas se bastam,
duas pernas procuram,
uma perna sozinha,
perde-se ao vento.

quarta-feira, abril 18, 2007

boi voador

meus dentes ardem da quase morte que eu inventei. não sei de que matéria imagino não ser assim viver: recuso-me a comer, visto-me do nojo que tenho dos outros. hábitos de um vampiro. Trato do sangue, signo claro de um certo tipo de dor. faço da minha cor clara um exagero pra te agradar. agora que te escrevo, tremo, mas já não mais de medo. não querer ser-me recusa-me o medo.
dizem que a pior coisa a fazer é se abandonar. eu digo que são patéticos os apelos do corpo. não sentir. não ouvir. não ver. primeiros passos pra vida de fato. travessia da indiferenciação. liberdade de regressão evolutiva.

tia edna

invejo a calma pacífica com que você dorme. Quando me desespero tento me concentrar nessas certezas caladas. o mar indo e vindo. talvez você inveje o jeito que eu me movo, ou quase morro de dentro para fora. Talvez.
eu passo os dedos na linha da sua coluna, e acho tudo isso uma bobagem. te vendo daqui, dormindo. a ternura é quase a única coisa que toca meus poros.

domingo, abril 15, 2007

hein

suspeito um pouco que tenho signos de água demais. água nos olhos demais. e então, depois disso, começo a suspeitar que não há nada de errado nisso. chora menina que é bom, e quem disse que a hipocrisia dos outros é desculpável? sim. aprender com os erros, apreender a verdade. há pessoas bonitas no caminho que te encorajam. você até tem doçura no coração. às vezes. quando não é a amargura no fundo do estômago. eu não quero que você pare de acreditar na ilimitalidade do mundo. só se for por experiência própria. medo. esse é o grande imponderável. sexo. outro obstáculo à frente. dois morenos e você fumando cigarros. te dói a impotência absurda de só não o ser, pois não o é. não nasci homem pra fazer gozar as mais fracas de osso.

sexta-feira, abril 13, 2007

com um laço vermelho

-a vida é bonita. - disse só porque se espreguiça-va tranquilo, fazia um solzinho nas ventas e ele não usava óculos.
ele ouviu. e depois ele lembrou. porque afinal já fazia muito tempo que a vida era bonita. agora ele se debruçava em cima de uma madrugada doente (os fluxos doentes da cidade, os canos, os ratos - o porco. que matéria mesmo essa que o lembrara do "idiota"?). tarde demais pra lembrar. debruçava-se sem sono em cima da cidade e de um lado pro outro na sua cabeça ouvia "a vida é bonita". tanto tempo. era o tempo ainda que as coisas partiam de direção, o céu era azul e por isso a vida era bonita. depois tudo mudou, foi bem quando ele quis entender o que entendesse, sem que o dissesem. quis achar sartre um merda, e achar que podia ser dele também as verdades. foi um certo dia aí que ele descobriu que pra fazer uma verdade bastava uma mentira. e agora ele olha o céu e não vê nada. são olhos mudos. e ele come salada, e se sente uma vaca. ele digere tudo em pedaçinhos e não come nada. ele se debruça na cidade, e se sente olhando a grama verdinha e sem graça do pasto. ele come, vomita, e come de novo, a mesma massa verde (verde como o fundinho ralo que ele guarda na parte debaixo do estômago). caga sempre a mesma merda. e quase não tem mais paciência. dizem que a mentira é a verdadeira transcendência humana. a mentira é tudo e a verdade é nada, e nada é tudo. e todo mundo só quer trepar. mentira. tudo mentira. ninguém quer porra nenhuma. se tiver alguém que diz que quer chama aqui pra ver. lorota. medo. só medo. é só isso que te faz achar a vida bonita. e agora bem bonitinho senta e fica com essa mentira que eu fiz de presente pra você.

só pulsão, hein

estou pedindo a minha morte de propósito e de joelhos. em cada erro que eu faço. é como uma lição de casa, um exercício pro tônus. pílulas inúteis e inofensivas de arsênico. é assim que vou pedindo a mão da morte pra dançar comigo, de rosto colado. tenho certeza que ela não liga que eu danço mal. ela me ama a desgraçada, e é uma puta, com aquele vestido preto decotado, você devia ver que peitos!
graças a deus não pego mais ônibus, é uma hora a menos pra se torturar. hoje em dia eu só penso antes de dormir (tem reparado as olheiras?). e é também quando eu menos penso. ou menos existo. eu mais nada. nem dor eu tenho mais. eu tenho só esse nada, só lastimo que ele seja imenso. meio fora de moda, mas tenho que admitir que as vezes o meu coração desiste de ser músculo, e vira mar mesmo. juro mesmo, cê devia ver ele inundando tudo. e eu fico lá sujeita a esse corpo ridículo que eu nem pedi pra nascer com os olhos bobos perguntando o que aconteceu. só vou saber no dia seguinte, manchete: inundação na avenida sumaré, subtítulo: nenhum ferido já que chave não corta. (pelo menos foi isso o que ela pensou, ainda bem hein. porque o pai disse que a história era outra). preciso de alguém pra me dizer se a vida é mesmo esse eterno esvaziar-se pra não estourar. não estourar. melhor que terapia comprar uma porção de alfinetes bem brilhantes. ou bomba de bicicleta. ou morrer todo o dia um pouquinho. antes de dormir, os seios da morte seduzindo. e o sorriso de dentes cheios. pílulas da morte do doutor xavier.

dentro da vista

espera um instante, eu tô lembrando o que eu queria falar. olha, não briga comigo não, já tá vindo. é uma palavra com gosto metálico, faz anos que me esqueci. ou será que nunca soube? ou será que sempre soube. ela me vem a garganta, sinto com uma dor de regorgito. ponho todo meu esforço nisso, e até me cansa. não posso olhar, o olhar desvia. acho que é uma ordem, não quero me perder. acho que é um intuir. como uma tênia que vai percorrendo o corpo e não a acho. adivinho-a, tateio-me, e ela acha que me engana. mas tenho certeza dela. dela é o meu vazio. dela estou aqui. dela sou. não. não quero chorar, mas acho que descobri. acho que isso que foge de mim pelo meu corpo, que quase me escapa pela garganta.... será que é alma? agora estou com medo. estou sozinha, antes mesmo porque estou e depois porque, talvez, tenha alma. a palavra agora foi. se perdeu completamente. ou de repente a alma foi dormir na casa do cachorro. esse meu medo atrás do ouvido... será? agora não preciso de abraço, nada. escovar os dentes, os musgos dos dentes, o medo dos dentes. vou escovar os dentes e vou dormir.

quinta-feira, abril 12, 2007

amnésia, hein

naquela época eu não pensava muito, acho até que vivia mais. também não lembro de como tudo se passou, as formas do pensamento, as sombras...
a verdade é que ninguém pode confiar na memória, mas é possível que tenha sido mais ou menos assim:
o sol batia no conjunto de prédios do outro lado da rua, era um conjunto grande, cinza, quadrado, me lembrava às vezes 1984. e o sol (ou melhor, o reflexo dele no prédio) era sempre alaranjado. talvez porque eu sempre chegasse um pouco antes do entardecer, ou talvez porque os caprichos do tempo preferiram assim.
era um tempo em que se bebia demais, todos os dias. íamos quando podíamos, assim como os outros, e não saíamos nunca mais. não que fosse nossa culpa, não era, definitivamente. eram os músculos que se amoleciam nas cadeiras, os amigos que puxavam com suas mãos ocultas por mais alguns intantes da sua presença (que sempre duravam horas), até os garçons que nunca paravam de trazer cerveja eram mais culpados do que nós.
uma hora ou outra o nosso contínuo esforço de ir embora perseverava sob o ímpeto daqueles Outros, que queriam fazer do nosso fígado patê pra passar no pão. íamos embora então, às vezes cabisbaixos, mas na maioria das vezes esquecidos de qualquer coisa (que talvez até hoje não lembramos).
o gosto amargo, concentrado, da cerveja ficava nos cantos da língua, tinha o rosto suado, os cabelos despenteados, mas a certeza de que a vida era linda. andava tonta pelas ruas, preferindo sentar por poucos minutos nas sarjetas do que pensar em voltar pra casa.
Pois bem, voltei pra casa, e aqui fiquei... já passaram os dias que eu me esquecia pelos cantos. agora são os dias que a gente se lembra de si (isso são o que Eles dizem). todos os dias escrevendo o nome em todos os lugares, assinando os papéis da burocracia, condensando números ao lado do seu rosto. sim, Eles nos lembram de quem somos todos os dias. eram aqueles os dias em que a gente se esquecia. pois sim, pois sim.

terça-feira, abril 10, 2007

caminho

escapa-me um suspiro, eis que ergo-me viva perante olhos que olham para fora. então onde estou? para que ângulos e dobras olham esses olhos? ouço ecos. onde estou? pergunto-me tateando portas e fluxos. serei o ser que se forma das sombras, dos delírios?
outro suspiro sai à fonte. como os minutos que levam um pensamento. exatamente como eles, insuspeitos, embora se percam com a menor desatenção. estou atrás desses olhos. firmo-me atrás desses suspiros. me admito. pois sim, fui eu. quem irá elevar a voz perante esses descuidos? se meu crime não passa da admissão dos teus. pois levo como arma, e apenas isso, um meio sorriso. é que então vou aprendendo esse ser. enquanto inundo-me, o tempo passa sob o meu corpo. ou talvez seja o contrário, o tempo convencendo tudo ao infinito. não saberei, ainda não. embora persista, evito pisar em falso. e por enquanto basta. possuo algumas dessas verdades, talvez sejam delas a cal dos meus passos. sobretudo quando minto e ardem feridas abertas nas costas. há tudo o que imagino ser, imaginando apenas pois há medo. e por fim, há o amor, e acima de tudo é o amor que admito. e então ser torna-se sentir, que torna-se saber. e então sinto que passos caiados, que nuvens, que sonhos, delírios, tem a latência delicada dos traços brancos do ópio. e que sorrisos deixam de ser armas.

noite

-escuta...

terça-feira, abril 03, 2007

descarte descartes

eu tenho medo de que não me levem à sério.
ai das emoções falsas que andam escrevendo por aí,
quem se negar emoção devia .........
......meu corpo vai pedindo isso tudo que sente,
gritos e risos desconhecidos e - sem sentido.
é que eu fecho os olhos e tenho vontade de dançar,
vou dançar, a abôbada celeste me cobre a cabeça.
eu vejo as estrelas com as mãos.
e só então sei que estou com sede de me cobrir toda de mar.
mar me leva, me cobre, posso estar nua, posso estar viva,
que há o mar, há o escuro, pra me engulir.
eu não sei falar as palavras que o corpo me pede,
só ele diz,
ele chora e sente fome,
e grita.
eu me deixo porque vou aprendendo que nós dois nos-somos,
sem medo,
como no mar, sob o céu,
o mesmo mar.

domingo, abril 01, 2007

cactus

amar é ter sede.
ter uma sede árida do outro.
árvores crescem
filhotes viram adultos
porque tem sede.
não é nada além disso estar vivo.

cara batalha

eu fico com o drama que sobrou de toda solidão,
sei que a vida é vontade de morrer,
e espero que arda mesmo.

eu sei que vou beber,
eu vou escutar chico e chorar.
eu vou arder e vou gozar.
e vou morrer, e vou morrer.
só porque me cansa viver.

ainda, depois, espero
ser abandonada no meu próprio desperdício,
ser o resto de um rarefeito excesso.
sem desprezo ou pena,
ser tão miseravelmente triste,
que se torne uma certeza.

deixa balançar a maré

o que dói é quando eu me vejo torta,
como um quadro na parede que por mais que você tente ajeitar,
não rola.
você solta os dedos e o quadro entorta de novo.

queria que freud me contasse,
o que é ser torto e o que não é.

quarta-feira, março 28, 2007

psicótico

coletor de traças
aprendiz de lobos
eu era e sou de novo

traço uma linha no teu estômago oco
há reflexos no teu olho - eu vejo outro
é o que fez e faz o louco.

domingo, março 25, 2007

sobre a arte de contar histórias

sobre a arte de contar histórias
como uma novelo de lã que aos poucos se desen-rola
talvez um velho e um banco
ou mesmo uma distração para o estado de vigília
digo que é fazer pouco caso do princípio de realidade
e fazer do dia o príncipio da vida

dia de semana

o lugar era um apartamento grande e antigo perto da augusta.
a paisagem eram os rostos bonitos daquelas meninas desconhecidas.
me lembro bem da música que tocava e das conversas que, apesar de tudo, não mereciam ser lembradas. lembro sobretudo de uma delas, que floreava as bobagens como se fossem formais epitáfios, construindo sua fala com o resto do corpo. era uma boa época para ser bonita. enquanto ela comentava borges eu focava a luz que vinha do lustre atrás de mim, com uma taça de vinho, no seu rosto. o jogo era esse, enquanto ela tentava se impor, eu a perseguia com a crueldade do vinho. é sempre assim que os minutos passam, até o jogo botar suas visceras para fora, até o inevitável instante em que a verdade, e o tempo, mostram o seu calibre inevitável. eu queria ter aquela menina num gozo. foi assim que eu perdi o jogo.

segunda-feira, março 19, 2007

escrever

parece-me por vezes que conseguir dizer alguma coisa com essas palavras que nos deram é milagre dos mais raros. desconfio com o canto dos olhos que a frieza completa que elas possuem conspiram pra um eloquente silêncio. é, temos que bagunça-las todas, também faze-las nossas, transtornar todos os signos e emblemas,
dessas letrinhas fazer farofa.

domingo, março 18, 2007

macunaíma

não me freio. hoje não. me recuso. hoje sou, e ser é enorme. o carinho me atormenta feito flecha, e isso tudo porque o recebo com o peito aberto. estou cultivando as veias saltadas, cheias do sangue pulsante que mais uma vez denuncia vida. num espasmo o corpo digere o mundo que se espalha por aqui: é cremoso e branco, é um mundo nu que tenho em minhas mãos e enche os olhos de alegria. os espasmos soltam lágrimas. hoje não deixo de dizer nada do que me cabe porque tive a coragem de ser: fraca, morna, lisa, mulher, ser. esse foi o dia que eu disse, olha, deixa disso, nem tudo é pressa, nem tudo amor, e eu estou nuinha aqui pra você fazer o que você quiser de mim. e isso eu disse pra vida. ela riu de mim, rimos juntas, de mim e dela. ainda estamos aqui, quietas, uma rindo pra outra.

viva

anoiteço com essa fome no meu ouvido. avulsa. já vou te dizendo com a voz alta, com a voz também apaixonada. estou com fome de vida. fome da hipérbole sensacional das paixoes, das viagens, das músicas! digo, porque esse instante está vivo em mim. acho que a morte é o medo da vida, e só isso, porque dando-se um jeito até morrer é vivo. então amanha eu quero ser feliz, e gritar, amanha eu quero bem é ver o mar. dado de realidade é pra beato, eu quero mais é acreditar num hedonismo alienado e puro. eu quero sujar as minhas mãos e o meu corpo numa subversão de anjos. quero conspurcar com os diabos. mesmo triste, o que eu quero mesmo é ser feliz.

freud

sinto-me nas órbitas flutuantes,
limbos, de espuma, e ópio.
espaços e gravidades alterados,
sou pura e não invejo a vida.
quase que só erros,
sórdidos desejos,

eu estou cansada desses erros.
quero dormir,
o sonho é a gravidade zero do desejo.

domingo, março 11, 2007

sem censura

tou triste
quero me sufocar num abraço.
quero morrer de carinho.

sábado, março 10, 2007

bolero de ravel

(pra se ler como se a tia velha lhe desse um relaxamento daqueles bem persiana-oriental)

- de repente o corpo,
seguindo os fluxos do mundo,
vai se envolvendo em si mesmo,
murchando,
passando o ponto.
torna-se repentinamente esquálido,
os lábios, os músculos, tornam-se acinzentados,
e, de compasso em compasso,
vão perdendo seu sentido.
o que era antes carne putrefata e antiga
torna-se o pó sem vida do tempo,
a forma que antes envolvia os tecidos comprimidos
desfez-se nos desenhos que o ar, a gravidade,
(e invariavelmente o destino),
desenharam ao chão.
do pó, rasteiro e raro,
o vento fez o vazio.
e o vazio, que já era pouco, assim ficou.

segunda-feira, março 05, 2007

nuel

os minutos soavam no relógio da cozinha. as paredes eram sólidas como nos tempos de infância. o sol estirado no chão se parecia com um retrato antigo, encontrado na poeira da biblioteca. os gatos quietos roçavam as ramagens. entre os elementos dispersos no ar, havia uma bruma sem matéria que tornava os limites mais sutis. todas imagens formavam o silêncio daquela tarde distante.
sentado no quintal de casa a tarde me engulia enquanto eu experimentava o gosto ruivo e ácido do uísque na garganta. ali, me sentia só e vivo como as criaturas fundamentais da terra, talvez um córrego, ou mesmo uma pedra. ali, me sentia preso a vida por uma força sem vontade e sem questão. vivo como uma coisa morta.
é porque repentinamente não queria mais fechar os olhos, ou mesmo pensar em lugares distantes. toda idéia de fuga ou evolução me dava nauseas. a vida deixara de girar em círculos, de formar labirintos metafísicos, de dançar entre promessas. a vida era a ordem que o silêncio ditava. era o retrato do instante em que o sol se punha.

terça-feira, fevereiro 27, 2007

teorema de peixes

na falta de saber qualquer acorde ou letra, poema ou piada,
pra te fazer dormir,
invento uma palavra.
mesmo que nunca possa deixar de ser-me com tantos dentes,
a verdade é que pra você eu também inventaria felicidade,
inventaria o subjulgo da solidão,
a dissolução dos egos,
a subnutrição da angústia.
invento tudo e tanto,
que as vezes até duvido
se esse mundo não fui eu que fiz pra você.
mas fecho os olhos e você aceita,
e dorme com o descanso afoito das crianças,
no meu ombro esquecido por trás dos seus cabelos.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

helion

os dias me secundam antes de tudo.
seguimos juntos por esses vales,
bebemos águas frias e raras que descem nos córregos,

nós,
o pastor e as ovelhas.

na verdade são todos dias de sol,
e de som.
seguem todos tranquilos,
e quando não,
é porque ao final das contas há sempre uma ovelha negra.

compreendo então, de certa forma, a vida que arde em mim e arde no mundo que há dentro e fora de mim, compreendo o arder, compreendo essa força energética imensa que me leva a crer num certo algo a mais. compreendo como a magnética subterrânea dessas verdades não me deixa seguir calada com o meu rebanho.
então apoio nas mãos (que surgem dos antebraços dobrados) o queixo, e me abatem as ovelhas negras, persuasivas, sinceras. a força fundamental da vida que não se deixa enganar por esse cotidiano corrosivo.

e o medo por fim. o medo.
que nos segura até o fim dos dias.
como pobres pastores arrebanhados por suas ovelhas.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

vive la fête

intrigas
sexos francamente nada
uivos
perpetuar sigo indo
costas quentes
e fez-se a luz vermelha e os corpos nus em profusão

há uma pequena mesinha preta, circular
há três ou quatro copos largos cheios de gelo e de um leitoso líquido transparente
ninguém liga pra eles,
exceto um cara magro de sobretudo que excluído da orgia decidiu odiar todos aqueles corpos futuramente inertes.
a luz combina perfeitamente com o mamilo sendo lambido.

a rua lá fora é escura e fria e deserta

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

quinta

suas mãos que deslizam do parapeito como uma tragédia em preto-e-branco. pouso os olhos e saio com os olhos ensandecidos, seguindo com passos tortos e loucura nos dentes. sangra a gengiva de uma outra vontade de viver, que não essa calculada pelas baladas dos violinos. salvo-te da boca voraz do inimigo, segue a trilha irremediável dos dias ruins, segues caindo por entre abismos,

já não sei mais se para aninhar-se nos braços de um herói esquálido, ou mesmo para que saibas da certeza do perigo. transporto-me para outro plano, como sobreviver numa batalha perdida. janela da cidade, um bocado de compaixão, canto-te com o amor que me resta, e o vinho acaba em um instante.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

exercício de abrir e fechar os olhos

quando eu fico triste é porque o corpo não alcança o voo da alma.
como quando o tempo jorra e faz da tarde cachoeira fechando os olhos pra ter o tudo abstrato-descabelado nas palmas das mãos - que brotam dos seios - que fazem amor - mas também lembram sempre de que a ordem mais certa é do céu pro chão.

então abrir dos olhos e ver a vida,
como uma descabida ordem.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

menino

toda vez que o vejo por essas esquinas
como um animal machucado
fumando compulsivamente com sua mãos sedentas por alcool
trêmulas e pálidas
lembro de algo
que nem sei a forma
(nem sei se existiu)
e grito, berro com ele
tento sucitar do silencio dele algo real
mais real do que aquela ostra com pernas.
eu fico com raiva e ele nunca passa do limite da hipocrisia.
papos cretinos.
vida cretina.
e eu tenho medo que a minha agressividade possa afasta-lo.
afasta-lo do que me pergunto?
ele é pálido e parece carniça
e eu não vejo vida nos seus olhos.

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

édipo

aparece andando com passos delicados e elegantes
parece que flutua no asfalto
(começa a tocar radiohead)
mero costume de estar desconectado desse mundo
tudo parece medido
quando ele chega no banheiro da mãe
e escova com a escova dela os dentes.

u-alter

positivamente estava próxima do in-consciente
divisando linhas imaginárias das certezas
sabendo o que ainda não escreveram nos livros
o que eles -ainda- chamam de loucura

havia a interface entre as pessoas e os mundos
e as idéias
que eram reais e além de tudo sólidas

tinha fatos
como o de que tudo era fluxo
e fluxo era

como os sonhos e as luzes acesas

fora disso os pesos e as angústias estavam mais perto
embora fosse perceptível claramente os nichos por onde se escondiam
ora atrás do ouvido de um
talvez embaixo de um caichinho
também no que de você me era desconhecido
por assim ser


tinha sentido
talvez seja esse o meu ponto
pois era claro
- quando não é claro as mensagens não dizem o que são
(comunicação maldita)


a loucura ria desordenadamente da realidade
como uma mãe passa as mãos no cabelo do filho
o real é tão estúpido e puro como um filho
um filho da mãe

então fechava os olhos
enquanto o vento aumentava
e enchia a noite de luz (na verdade o breu é uma luz escura)
embora levasse no rosto um quieto riso
piedosamente

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

ando meio piegas

lagoa

a leve tristeza da morte nas curvas dessa cidade.
ainda por cima essa chuva.
meu peito lateja,
solta as grossas gotas de lama da morte.
a verdade é que apesar de tudo eu também não poderia ver o mar:
me faria nos mil pedaços dos fogos de artifício.
o mar é muito pra mim,
assim só, e frágil.
antes de tudo eu precisaria olhar nos seus olhos e saber que você está lá me entendendo.
coisa de perceber o brilho dos olhos.

nega maluca

nem lágrimas -reflexos- nem gotas de sangue.

(pontos finais) - eu suporto tudo pois te espero.

vou te contando então da minha fome velada,
amorfa, inerte, fome dos ricos.
a fome que suplanta o silêncio da alma.
Digo - o meu vazio.

vou te suportando toda pois te espero.
eu espero quem elegerei o cavaleiro do apocalipse da minha fome.
eu espero toda vida.
toda chuva.
toda morte.

pela vida que sequer tem braços e pernas.

em silêncio que é como eu aprendi a estar.

agora me entenda. entenda o meu silêncio.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

insônia

1. eu grafo o seu nome no tempo
2. há as temeridades no meio do caminho
3. se já não é, faço de tudo uma grande mentira
4. me preocupo, pois sim, há sempre as certezas cruéis
5. eu chamo o tempo de espaço
6. sinto a tua mão no meu peito, me apertando com grave respeito, com um certo amor materializado não sei donde, sinto sua boca procurando o meu pescoço, carnes nuas, fazendo ao invés de sexo, ternurna
7. sinto a sua falta
8. e por fim durmo

sexta-feira, janeiro 19, 2007

Olinda, 7 de janeiro de 2007.

tensiono nessa carta que te minto trazer-te um pouco viva nessa triste manhã de olinda. a verdade é que subjugada pelas entranhas da memória, e talvez por um leve apetite egocêntrico, tenho para mim nessas ocasiões que o mundo todo lá fora dorme.
é que foi uma noite longa, de suores e medos, e tive essa manhã de despojar-me das muitas horas de desespero na ducha fria do chuveiro.
agora que sento e te escrevo, e também o faço por medo, vou me sentindo invadida por um leve desapreço, dessasossego, esquecimento. ainda que equilibro a caneta aqui, bem embaixo de nossos narizes, para sucitar vozes de longe.
além disso sei que vivo, o estômago urge, e os cachos secando vão demoradamente se compondo.
sei que as coisas que aqui digo de fato nada falam. é só para reproduzir, no ligeiro estupor que tenciono produzir em suas têmporas quando receber essa carta, um abraço forte e vivo.

romeu e julieta

a harpa
e o halo
da serpente
o falo da maça
e o medo do desejo

"se você quer me seguir não é seguro"

quinta-feira, janeiro 18, 2007

ordinária

nesse dia 18 de janeiro, de 2007, me proclamo em primeira pessoa.

dedico

olho atentamente esses seus olhos cor de caju e vejo fome.
desesperadamente uma vontade de que a vida abra as pernas e proclame como ordem o esfolamento final. é coisa de se pedir dois segundos de folga, respirar bem, olhar pros dois lados, e mergulhar a cabeça como se estivesse pra morrer. arrancando com a boca os pedações do ócio (só porque eu queria falar ócio), comendo cru. se lambuzando em sangue antes casto.

como ei de partir

o que incomoda é essa distante vontade de talvez morrer.

frágil como galinha d'angola

dia esse agasalhado de nuvens, sinto contrações no peito, boto a dor como botam ovo. dirijo e o estado evidente me faz querer tacar o carro nas coisas, dou caronas e me arrependo, às vezes até da amizade que resta. quinta feira essa que é domingo, lagrimeja o que me resta como chuva rala, insignificante. esse dia que me arde as têmporas, eu só precisava conversar. e de um abraço, e de um sorriso, quiçá.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

gastrite

se chegar em casa te faz querer desaparecer atrás de um travesseiro é também porque sonhar é ignorar as condições (primárias) da vida. assim como as ilusões transformam os fluxos do tempo, mesmo que no fundo tudo aconteça simultaneamente. plano em tais limbos da consciência que só existe como um exagero para a metáfora que traduz. é que esse mundo é matéria prima, pro que der e vier, digo assim, que por um lado, o que é concedido só pode ser posto de lado por você, e tão somente que ignora todas as imensas possibilidades. ficamos então com a mediocridade.

sábado, janeiro 13, 2007

dois

há duas semanas os percebo invadindo lentamente as estruturas da razão. os síntomas são claros tanto quanto possível, há duas semanas que olhando seus olhos com uma pequena lanterna (os abrindo com esforço e apuro médico) não vejo nada. dois olhos verdes levemente umidecidos (e de fato saudáveis), residindo aí o único brilho que encontro. nenhum movimento por trás do cristalino. no breu da alma só vozes, que não dizem muito, e o convidam, e o confundem.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

essa noite eu não durmi bem, deve ser por isso.
o sono não tem sido como era, uma ordem apenas, dormir e então acordar no outro dia.
a noite tem sido cheia de fantasmas e medos e aflições.
a verdade é que eu procuro evitar o passar dos dias.
perde-los pra sempre,
sem nem, ao menos, uma lembrança na retina.
a memória que cessa.
os dias tem sido maus, por mais bons que tentam ser.
desgasto minha pele na areia, no sal, o mar e o sol.
desgasto minha alma deitada na areia.
e por vagos momentos não tenho mais medo,
nem essa incessante vontade de chorar.
até o instante em que tudo se figura errado,
e eu penso em ir pra bem longe,
aonde tenha só o vento, e o mar, e o som das folhas.
então eu lembro que eu estou bem longe,
aonde só tem o vento e o caramba a quatro.
enquanto isso minha alma morre envenenada