sábado, julho 31, 2010

a mulher

ele abre as mãos cuidadosamente.
os nós dos dedos endurecidos pelo trabalho rude.
a pele morena endurecida pela presença constante do sol.
o marinheiro delicado,
abre a mão musculosa e se perde em pensamentos.
cada porto uma mulher.
ou então,
um perfume.

por trás dos cabelos,
segredos bem guardados pela pele macia da nuca,
braço de mar
entrando avassalador
na escuridão das cavernas ocultas pela distância.

é lá que se desprende.
mata, mar. salgado, canela, doce.
é ali que se torna delicada a mão brutal.
ali que ele ouve os segredos,
sussurrados em calor e cheiro,
de todas as mulheres do mundo.

quinta-feira, julho 29, 2010

teo

como se.
o gosto da proposição estala entre a língua e o céu da boca.
como se.
o dia estivesse bonito,
ou chovesse.
como se
houvesse porque
ou porques,
ao invés do desespero.
como se quinta fosse terça
e a terça sábado.
como se possível fosse a abundância do vinho
e da carne.
como se.

como
acreditar em uma fantasia.

domingo, julho 25, 2010

nhar

vai ser sempre fim de tarde.
o sol vai entrar oblíquo, gasto,
nos últimos esforços de trazer alegria e conforto.
a lua vai se anunciar
e a vela da terra
vai responder.

trago entre as mãos uma chavena de chá de jasmim.
em todas as salas cheiro de capim fresco.
tudo é pouco entre as vontades,
é esse quase adormecer
que traz a realidade do sonho.

velvet undergroung

eu gosto de pessoas peladas.
gosto de abraçar pessoas peladas lavando a louça e beijar e morder até elas desistirem da louça.

minas

recorta os olhos a vida antiga.

o barro ainda marca os dedos,
o mofo nos dutos.

velho é só o que contêm,
o tempo sem idade,
movimento.

sexta-feira, julho 23, 2010

tunika

deixo você deitada na cama cansada
e vejo o dia nascendo de fininho.
o manjericão na embalagem de leite,
daninho,
parece igual a ontem.

o sol nasce tingindo a igreja que dá pra ver da sua varanda,
cada dia é um dia.
laranja, rosa, azul, lilas,
são várias as cores que fazem pulsar a luz.

o dia nasce,
as plantinhas são iguais.
e seu gato.

dentro do meu coração implodem mil cores.
mas não é metáfora,
sinto as gotas de sentimento e saudade se conformando em coisas assim.

nessa madrugada ingenuamente silenciosa,
penso porque o corpo grita tanto.

quarta-feira, julho 21, 2010

cidade

dentro dessa casa tudo é tão pequeno.
e o lustre é do tamanho do mundo.
a água que escorre soma
equações impossíveis e permanentes.
a água do mar
e da torneira.

a terra ainda pulsa
e a cidade regurgita.

aqui quase nada cabe
só se adequa o corpo que sangra
para virar forma.

no escuro o grito fica mudo.

desassossego

odiar os poemas.
odiar as palavras.
odiar tudo aquilo que encontra barro
e dele faz os tijolos com que são feitos esses labirintos.

por trás dos olhos
esse enorme descampado.
terra seca,
mata esparsa.

as palavras daninhas insistem,
criando as paredes que no intuito de tudo dizer
escondem o silêncio infértil.

as palavras,
assim como as paredes,
são mudas.

zanzibar

é o último andar do edifício.
lá embaixo a cidade zune,
mantra infindável da pressa.

na sala ampla
luz baixa
e sombras alongadas,
ele está sentado no sofá com um cigarro entre os dentes.
olha com desconfiança o exemplar de um livro recente de um jovem escritor.

faz anos que ele resenha livros para sua coluna,
e a sensação de antecipar frustrações prováveis
lhe é muito familiar.
ele deve devorar as 212 páginas nessa noite,
mas não tem fome.

ele abre ligeiramente contrariado a primeira página
e começa a ler o prefácio,
alcoólico, de um colega de profissão e saco.

na rua um carro passa cantando os pneus,
o som característico da canalhice
sempre à espreita
sempre à espera.

ela aparece como quem vem do nada,
apesar de morarem juntos à 25 anos.
as escuridões sobriamente calculadas
revelam seu rosto aos poucos.
seu cabelo liso e bem escuro,
matriz árabe
de corpo e mistério.

ela se dirige ao som
e coloca um disco da Billy Holiday.
ela dança ligeiramente,
com o corpo quase parado.
olha para ele num convite mudo,
como se eles fossem muito jovens,
como se não estivessem casados a tanto tempo.
como se.

ela convida e ele se levanta.
menos porque o livro certamente seria uma frustração,
muito possivelmente porque às vezes,
contrariando todas as equações dos pessimistas,
a vida imita a si própria
e infla dentro do possível
o simples
e o lindo.


temperamento

silêncio na sala de espera.
à esquerda uma mulher de cabelo bem preso lixa as unhas e controla o movimento com o canto dos olhos.
à direita um senhor tem as mãos juntas em palma, as pernas bem separadas, apreensão nos vincos da testa: o semblante típico da espera.
ela usa um óculos de grau de lente levemente rosada, e aparentemente tem a mente leve, pois o prende a si com uma correntinha vulgar.
ele tem as solas gastas, a calça puída, o terno sem passar.
talvez falte tempo, dinheiro, ou apenas capricho.
ela é magra e tem uma cor amarelo-pálida.
de temperamento melancólico
não tem muito apreço ao prazer,
faz todos os dias o mesmo prato no almoço,
e não compreende a natureza do amor.
ele, por outro lado,
é um colérico nato.
forte, avermelhado,
de tez irritada e pulsante.
espera um filho
ou o resultado de uma empresa angustiante.
ao contrário dela,
tem apreço ao fogo
e a todas coisas que queimam.
enquanto ela prefere a carne de galinhas velhas
ele gosta que o bife lhe chegue sangrando à mesa.
ambos esperam,
entretanto.
ainda não sabemos o que.
cúmplices,
esperamos também.

segunda-feira, julho 19, 2010

segredo

o seu rosto de fecha,
ás de espadas,
em ternura e espera.

a boca antecede o riso
como lentamente se preparasse,
num movimento leve e preciso.

as pálpebras fechadas,
por concentração ou timidez,
perdem-me de vista me encontrando em cheio,
tato da escuridão.

a boca outonal
contração para nutrir
o nó para o galho
sorriso para o lábio.


xícara

esvaziou a xícara de chá e jogou-a contra a parede.
não havia nada no mundo que justificasse aquele grito.
o mundo de contenção servido em bandejas de prata
servia-lhe o prudente e o necessário.
a rotina se fazia em melodia,
harmonia repleta e hipócrita,
hino da justa-medida.
nada dela naquilo cabia.
dentro dela o que pouco a pouco
começava a apodrecer
era o nome que o grito chamava,
cacos de porcelana
onde antes era apenas barro.

jules e jim

ouve o vento cantando sobre a montanha,
é lá que ela queria estar
se fosse pó,
para que fosse levada em danças sem par.

quis alimentar-se da natureza do vento
para afastar o apego,
a hipocrisia, o conformismo e o medo.

o tempo, porém,
nunca parou.

e ela acabou como muitas outras.
não livre,
mas sim cruel,
como uma mulher.

domingo, julho 18, 2010

igby

ele se sentou no bar. tava muito frio, e apesar da facilidade da solidão de esperar lá fora, preferiu se sentar numa mesa. Melhor, lá fora poderia ter o azar de algum fumante corajoso achar que ele queria conversar. ele quis acender um cigarro, para ter algo para fazer com as mãos. para estar acompanhado de alguma forma enquanto esperava e não sentir as pessoas o olhando como um solitário por cima dos ombros. mas ele não fumava, sua garganta sempre inflamava quando ele esquecia disso. e fora isso, não era permitido fumar no quente de dentro do bar. Ele quis pedir uma bebida, num copo baixo e largo, uma bebida de cor levemente avermelhada. achou que combinaria com seu cachecol e que quando ela chegasse acharia interessantes as cores.
chamou o garçom que olhou com pouco caso, e pediu um guaraná, com bastante gelo e laranja. quando ela chegou ele bebia uns golinhos de resto de gelo com resto de laranja. ela sorriu pedindo desculpas pelo atraso, e colocou a bolsa em outra cadeira. ele sorriu pedindo desculpas por qualquer coisa e falou que não tinha problema, que tinha acabado de chegar. a mesa girou em falas que não diziam nada. no fundo de algum tipo de escuridão um olhava o outro em silêncio. ela achava terno o jeito como ele se desajeitava no mundo. ele sabia do erro, da conspiração dos fatos, para que os dois estivessem ali juntos. e isso, pelo menos, ele sabia aproveitar.

evoé

apesar do tempo marcando seu pulso,
sei que sua natureza é a desordem.

passar pelo reto
e torná-lo absurdo.

como entortar a matemática:
subtrair dois num colchão
e dobrar o espaço da cama.

sexta-feira, julho 16, 2010

tempo

o verbo do tempo é passar
tanto e tão rápido
que vai ver viver
é como se prender
às nuvens que nunca vão parar.

deux

o carinho que você faz na minha pele
e o olhar que acompanha
enquanto respondo em gesto e som
ainda não são
parte daquilo tudo que retorna
quando ouço uma música que toca.

também não são as palavras doces,
os gostos
na pele ou nos filmes.

não é nada disso.

os gestos e os estares
são as palavras
com que o seu silêncio
alcança o meu.

xxy

eram cheias de silêncio aquelas caminhadas,
noturnas ou com sol,
constantes e disciplinadas.

quando ela tinha 15 anos parecia ter 70.
isso se via pelos seus olhos.
escuros
e assustadoramente profundos.

se prestasse atenção
através dos olhos vislumbrava-se as curvas do mundo.
aprendidas em sabedoria e tempo,
em suas caminhadas nuas e solitárias.

sempre fora avessa ao contato humano,
áspero e indelicado.

aprendera tudo que sabia em lições de silêncio:
aprendeu a falar com o rio,
por isso sua voz rouca e lacônica.
aprendeu sobre o humor com o céu,
por isso às vezes nublava-se
ou, pelo contrário, fazia todos olharem para ela com espanto de luz.
aprendeu sobre a vida e a morte com o mar,
vendo que o doce vira salgado,
e que também pode afogar.

por fim aprendeu com a terra sobre o coração,
que é uma ordem pulsar
mesmo que o corpo todo diga não.

quinta-feira, julho 15, 2010

conhaque

entrou pelas portas que rodavam infinitamente,
empurrado pelo frio e vento cortante
de um lá fora que se cristalizava em passado
conforme ele passava a participar da dinâmica morna e uterina
do bar transformado
pelos cheiros quentes, vozes esparsas e cores sóbrias.

os olhos distraídos por todas e tantas coisas
demoraram a notar algo previamente conhecido.
em repetição as direções que se perdiam em busca do garçom,
e de alguma bebida que preenchesse,
ultrapassou duas mesas como se estivesse diante de uma folha em branco,
e parou no rosto dela,
como quem vê um pássaro vermelho.

ela não olhou para ele.
tudo ao redor, cores, cheiros, homens e cachorros,
eram ainda folhas em branco para ela.

ele quis que o mundo parasse.
quis que o tempo parasse.
para que ele pudesse aprender piano e tocar para ela algo doce.

ele entraria em seus olhos,
e delicadamente a puxaria pelas mãos.
ela sairia do universo cuidadosamente construído nos enleios de sua cabeça,
apoiaria seu copo na mesa,
e dançaria com ele uma valsa antiga.


quando o garçom trouxe o cálice do conhaque tudo voltou a si.
ele olhou para ela
procurando-a dentro e fora de um pensamento.
ela olhou para ele
como se realmente enxergasse
as cores e nomes prometidas em sonho.
eles se olharam
profundo do fundo do olho.

em algum lugar
alguém tocava a valsa deles.

terça-feira, julho 13, 2010

eledá

eu não devia te dizer,
e nessa cidade duvido que entenda.
apesar do sol nascer ele não esquenta.

segunda-feira, julho 12, 2010

anoitecer

Os nativos de Guruka deixavam espalhados pelas trilhas caules de uma planta que só eles conheciam, causando pequenos cortes, imperceptíveis, porém eficientes. Aqueles que tentavam desbravar seu território voltavam para as camas-leito enfermos, exaustos, como se a força vital que impulsionava sua vontade tivesse se extinguido completamente.
Para os nativos a tática funcionava diplomaticamente, atacava funcionalmente e com sutileza o âmago daqueles que vinham com más intenções. Para os desbravadores que desconheciam os poderes daquele conhecer, o estado lânguido de seus feridos era cheio de um apelo mítico e escuro.
Ao anoitecer, ambos se respeitavam, e deitados nos acampamentos, casas, cabanas, ou mesmo ao relento, ouviam o pulso da terra bater. Embora a costa fosse distante em muitos quilômetros, o ir e vir do mar os acalentava, e eles dormiam gratos, com o brilho vivo de quem se integra à própria pequenez.

campo contra campo

ela acendeu o cigarro e foi espiar ele
através da porta.
uma dessas portas cheias de frestinhas.
ele dividido em mil horizontais,
caleidoscópio estático.

com um sorriso bobo no rosto,
indo e voltando de quadro
fazendo a massa de pão.

domingo, julho 11, 2010

afogar

a bebida me encaminha.
traz caminhos antes dispersos,
reprimidos,
pelo estático do momento.

por exemplo,
é só agora que sei
o tanto pouco
das coisas que desconheço.

como
olhar para ela e não dar pé.

se afogar nessa água linda
de morrer de beleza
azul.

indeciso

ou era ela
o mar.

sábado, julho 10, 2010

anotações de caderno IV

Aquele que esquece o próprio nome passa a viver apenas das suas relações imediatas. O homem social, sem sociedade, cinde o corpo que sobrevive das matas densas de suas fantasias.

7 de março

anotações de caderno III

O mito do pânico:
adentrar tão fundo na mata que perde
toda e qualquer referência espaço/temporal.
O homem dele mesmo se perde,
e o espírito de pan o domina.

10 de abril

anotações de caderno II

Desejo.
Quero falar dele.
Ver se falando ele me habita.

Tenho me achado bonita.
Como uma paisagem que não se integra a nada.

14 de maio

anotações do caderno I

eu desenho melhor com as palavras,
mas se digo isso,
é como se desenhasse o meu próprio desenho.

14 de maio

furgão

Foi numa madrugada exatamente como essa. A cumplicidade calma e inocente dos móveis do quarto. O lustre aquecendo sutilmente os livros dispostos na escrivaninha, sussurrando em seu ouvido palavras desconexas, pequenas histórias, teias indecisas para compor seus sonhos.
Quando eles vieram tudo estava exatamente assim. Todas as coisas do quarto olhavam para ela, carinhosamente, criando no ar parado que a ligava à luz, aos livros, aos objetos aleatórios, uma quentura leve de ninho.
O primeiro que chegou foi a dor. A pegou pelos rins e pediu seus segredos. Ela ficou de joelhos e disse que não. Que nunca se renderia aquele regime de palavras duras. O homem mal-vestido e suado continuou a amparando pelos quadris. A elevou no quarto, girando, absurda. Ela resistiu.
Então entrou no quarto disperso o enjôo. Ele deu um soco na boca do seu estômago e ela lançou seus despojos no lixo, que paralisado enchia-se de compaixão.
Ela continuou dizendo que não. Aliando-se à uma tradição antiga de mulheres que sempre suportaram a dor em silêncio.
Quando por fim amanheceu ela se rendeu. Os títeres a colocaram no pequeno furgão azul e a levaram para interrogatório.
Dessa vez, entretanto, a dor se tornou mais fácil de suportar. O ódio que tinha alimentava uma coragem ancestral, tornando-a insensível e perseverante.
A nocautearam e ela acordou semi-nua sem reconhecer o próprio corpo.
Voltou para casa depois de uns dias, rindo de suas marcas por mera gratidão.
Duas semanas se passaram e não há sinal algum dos homens.
Agora quem a atormenta é uma mulher.
Insônia,
acordando em seu corpo as marcas,
na retina antigas visões.

rain dogs

ele chegou cheio de rua em casa.
as olheiras graves sob os olhos,
mostrando como enganou o corpo a noite toda
nesse duelo ácido
entre o leão e o touro.

ele não queria tirar os sapatos, escovar os dentes.
não queria beber o chá que eu fiz.
não quis sequer lavar o rosto.

tentando se livrar da insistência das manhãs seguintes
decidiu não romper com o pacto da rua,
de odores e ebriedades distraídas.

dormindo do seu lado,
tive que mais uma vez escolher o amor à higiene.
tive que aceitar os devaneios alcoólicos
sem ter sequer o consolo da bebida.
aceitar democraticamente a sujeira.

quando ele me agarrou no meio da noite
tentando me levar para os mesmos lugares onde fora,
eu aceitei.

e aguentei seus gemidos femininos de olhos abertos.

sexta-feira, julho 09, 2010

toda travessia

enche os pés de cacos de vidro,
mesmo que areia.
suja os pés, as pernas, os braços,
mesmo que mar.

transforma o corpo em outro.
molda os olhos,
e a capacidade de estar só.

toda travessia.

quarta-feira, julho 07, 2010

regasu

no salão bem escuro
uma voz de mulher,
grave, profunda,
faz carinho no chão de madeira,
brinca com o vento que afasta as cortinas.

todos os homens e as mulheres são só olhos
para música,
que ninguém sabe de onde vem.

na falta de cor
enchem de melodia
pelo espelho da retina
a silhueta da única mulher que dança.

ela acompanha com os dedos
e o corpo,
a delicadeza da voz sem dono.

ela deixa seu corpo ser tocado
pelas ondas do som.
o ar
e a poesia da canção.

amnésia alcoólica

eu vejo ela tocando violão com um sorriso no rosto.
vejo eles sorrindo de volta.
vejo algo em volta.
circulando,
dourado pálido
mudo.
encantamento suave esse.
espécie de veludo do afeto.

acho que é o bom da vida,
e me custa mais esquecer.

terça-feira, julho 06, 2010

mambembe

ele colocou os dedos sob os lábios dela e pediu:
vem aqui comigo,
vamos ouvir junto.
...
ouve esse rumor?
esse é o barulho das coisas boas guardadas para nós dois.

ela sorriu daquele teatro infantil,
por baixo dos dedos dele.

sorriu,
insistentemente e cheia de ternura,
de como ele a protegia do frio que fazia na cozinha
inventando afeto onde antes só havia silêncio.

domingo, julho 04, 2010

preguiça

o gato deitado no quintal
espreguiça o corpo todo.

é que o sol do inverno
aquece sem queimar.

sábado, julho 03, 2010

sorriso.

pisei sem muita confiança naquele começo de mar.
a areia coçava um pouco as pernas,
a tarde descia sem estardalhaço.
não tinha ninguém na praia e era preciso fazer esse esforço quieto para alcançar o barco.

era uma canoa vermelha e branca que balançava na marola.
quem visse assim,
sem prestar muita atenção,
pensaria nas ondas se destruindo em pedras.
na pedra virando areia.
na areia da praia.
pra não dizer as palavras que doem na boca,
explodindo com a mesma força que o barco contra as pedras.

mas ali ninguém pensava nada,
e eu ia coberta de alguma espécie de segurança
inventada na simplicidade daquela embarcação.

quando eu me sentei tremi um pouco,
a canoa quase virou.
mas fui seguindo num remo de confiança.

quando eu vi era mar aberto.

o sol ponteando,
vento suave.
o vermelho da canoa sorria.
e eu pude seguir sem receio.

apesar de todos os medos
seguíamos seguras,
eu e a canoinha.

ser ínfimo fazia rimar,
as ondas vinham e iam embora.
sabíamos nosso real tamanho
em relação ao céu e o mar.

quinta-feira, julho 01, 2010

viúvo

O dia amanhecia café-com-pão,
e aquela casa grande não se espreguiçava.
Todos os passos dele pela casa ecoavam
repetidos os anos,
assombração de si mesmo cravado em virgem.
No cerne do tédio ele via tv e fazia nós nos fios do cobertor.

Atirava nos gatos,
mas apenas por amor desmedido aos passarinhos.

Por não ter mais nada a que se ater
virou um balbuciar constante
de presentes confundidos.

Ela chegava quando ele já dormia.
Ia na sala, se sentava brevemente.
Tirava todos os nós dos fios do cobertor,
e ia embora sem sombras.