sexta-feira, setembro 30, 2011

sana

quando alguém fica louco
todos os outros ficam com medo.
tem algo grande e vermelho que grita
na verdade algo branco
um muro alto, muito alto,
um muro infinito alto branco.
e é melhor que todos olhem para o outro lado.
o muro crescerá até tapar a vista,
se eles também perceberem que estão loucos.

quinta-feira, setembro 29, 2011

O freio da língua

O cloro ( grego khlorós, esverdeado ) ( 17 prótons e 17 elétrons ), encontrado em temperatura ambiente no estado gasoso. Gás extremamente tóxico e de odor irritante.”

Junto o indicador ao polegar. Contra a vontade armo arma em minha mão. Não sei de que tese é feito o seu tecido, imantado sobre minha pele. Esses olhos marrons escuros, claros, de cloro, vacinas e mantras. Minto que tento te retirar desse corpo meu, entre as unhas afiadas da mão pequena. Minto. Gostaria que você aumentasse de tamanho até cobrir meus olhos. Criasse braços galhos mil para me conter. Sentir o gosto amargo e doce da seiva escorrendo casca de árvore – a maturidade inverossímil.

Tenhas, todas as coisas que podes ser ou que planejo, sob ociosas retinas. EM silêncio, me darás a permissão para lançar mão do seu olhar para fomentar textos, cores, lagos profundos e outros planetas. O peixe escapando do rio, pulo cintilante, como se pudesse fugir da armadilha que é não dever morrer. O peixe escancarado, cruelmente cedido em farinha, limão e sol das três. O peixe vil, vingando-se em espinhos, a própria estrutura eletrocutada, hegelianas vontades. O peixe, imaginação, passagem em aberto.

Ceda-me fome, tingida de carvão e amarelo. Deixe-me rimar os acordes que saem leitosos dos meus dedos, com os seus passos estranhos. No vão do seu cabelo, fica o espaço do meu hálito. Somem as desordens dos segundos, e a ordem do minuto. Resta a conjugação do verbo: tu cloro, eu quero.

quinta-feira, setembro 15, 2011

aramaico

Eu queria escrever numa língua estranha.

como cantar uma melodia sem letra, só água.

como foto preto e branco e luz de amanhecer

como uma semente pode virar planta.

como um texto sem tema, só coisa.

ser sendo, só beleza,

nenhuma das estreitezas da palavra.

Nenhuma forma para limitar,

o que também foi maior do que meu corpo.

quarta-feira, setembro 14, 2011

declaração

Se você soubesse entrar no mar vestida, do lado de fora da sua porta. Se você pudesse abrir sua porta, e encontrar uma janela nua comendo vasos de flores. Se você pudesse achar a areia densa se formando para além do seu capacho. Se você pudesse abrir os olhos e me ver, sem que eu estivesse ali. Se você pudesse sentir o cheiro doce. O cheiro denso. O cheiro forte. Se você pudesse entrar nas ondas azuladas do cheiro, e ao final dos raios pudesse encontrar o corpo. Comer flores, sentir frutos. Se você pudesse.

Eu estaria te esperando.

terça-feira, setembro 13, 2011

música para você musicar

aqui sequer posso puxar o fio,
levar a música de um ouvido só
para a sala,
batendo delicada na parede, subindo as escadas,
bebendo a água da torneira.
eu não posso me deitar nua
e tentar entender com a coceira do tapete,
por que botão entra a vida.
sequer posso dormir
e sonhar as coisas que não pude saber.
tocar um blues não posso,
nem um samba, nem um rock.

terça-feira, setembro 06, 2011

chão de estrelas

dormir é muito difícil.
dormir é aceitar esse punhado de terra na boca.
é engolir cada formiga cavada durante o dia.
é sentir as picadas dentro das veias,
comendo o ar,
entupindo as artérias de veneno.

dormir é aceitar dormir para sempre.
dormir é cair na noite profunda.
dormir é sonhar,
e sonhos são loucuras
que a luz do dia não soube conter.

dormir é viver um pouco do maior medo
para conseguir viver sem.
dormir morrer
dormir enlouquecer.
dormir.
e depois acordar?

apnéia

escapam tentáculos purpúreos. se embrenhando. sentindo cheiros, lambuzando os dedos de matéria nenhuma. procurando, água profunda, escondida através dos cílios, da sua carne forte, do seu sorriso carnívoro.
correm para todos os lados. os cabelos se espalhando prendidos. pernas areias espraiadas.
fome obscura, retidão.
olhos escuros e claros.
olhos piscinas,
o cheiro do cloro entrando nos meus pulmões
o azul rasgando minhas tripas
resguardado pelo silêncio profundo
das mortes menores.
das doses bebidas para me aproximar,
dos cigarros suportados em sorrisos cínicos.
das mentiras manchando minha pele branca com cera pálida.
pegue leve.
eu beberei o néctar oferecido sem pensar ser veneno.
eu beberei o gim.
eu beberei o rum.
eu beberei até o fim.
sem morrer nem enlouquecer.
sem que nenhuma de nós perca o fôlego debaixo daágua.