quarta-feira, dezembro 25, 2013

ali ou acá

certas tardes guardam acolchoados por baixo do seu exaspero de nuvens um por do sol vermelho sangue.
isso só se suspeita pelos tons de repente claros, de repente rosas, nuances delicadas, sutilezas.
Sinto que nada para.
Nem aqui
nem em lugar algum.
Sinto os segredos, os fluxos,
os des-co-nhe-ci-men-tos.

Sinto dentro das saudades o afeto eclodindo em cores,
sinto dentro de todas as coisas
outras coisas se escondendo
ou mostrando=se
nuas e serenas
cristalizadas
antigas
efêmeras como também a chuva.

Dentro do que existe dentro,
se esgotam mil possibilidades
até se encontrar,
perdoe drummond,
a polpa deliciosa do nada.

e aí então,
o invísivel,
que sem ter palavras ou forma,
é o que sempre buscamos.




quarta-feira, dezembro 18, 2013

voo alto

nudez é um pássaro voando muito alto.
é um mar
uma lagoa
uma praia ensolarada
dependendo da nudez.


nudez é um carinho,
e uma paisagem.
é uma brancura repleta uma negritude discreta
uma morenice em ponto de tirar do pé.


nudez é um jeito de ser.
um jeito de esquecer das palavras.
que são coisas, que são simbolos, e suposições.

nudez é a mais completa sinceridade.
é o que no fundo somos
aptos a esconder.

nudez é esquecer o nome. o seu próprio nome.
e ser-se em pássaro
o seu corpo em vida.

segunda-feira, dezembro 02, 2013

agora

ali onde o silêncio faz a curva,
a vida começa
ou acaba.

a ausência de um nome
enche as bochechas de ar
querendo ter algo a que se chame.

a mente anseia por imagens,
repetidas que sejam,
para passar entre os dedos.

o som anseia por verbo.
o corpo por ação.

o passado ama o passado.
o futuro pré ocupa.

o presente sentado,
sorri gordo,
como um buda.

enquanto tudo persevera sem nome,
a vida ocorre.
perceber é deixar de viver um pouco.
sentir é viver com tudo.

sexta-feira, novembro 22, 2013

8

o tempo passa 
e de repente toda aquela água
evaporou.

pra lá de lá de novo era

tem um gosto que me persegue.
uma ideia
colada atrás da vertigem.

é dificil fixar o olho
no meio do rodopio.

a caixa do diafragma
não se acende com fósforo.
puxa o ar firme
e faz milagre.

a carne ri
quando se derrete
no curta circuito dos sentidos.

os olhos voam
só quando acreditam no impossivel.

estar aqui e saber
pesa o corpo a medida do penhasco.
saber e aqui estar
é apropriar-se da altura imponderável.

mutável

tudo o que me cola aqui me cansa. as coisas aqui são densas demais. demoram dias, meses, para se mudar algo de lugar.
demora uma vida inteira para que algo possa de fato se curar.

eu me identifico mais com as bolhas de sabão.

ines

o silêncio é uma bomba de suor. pressionando linfa maré adentro. nada como então, encher os pulmões de grito, e sair cantando às marginais dos rios e canais.






é só bobear que essas imagens tingem o céu da minha cabeça. antes de dormir quando os pensamentos tomam qualquer forma, as nuvens se transformam nesse circo itinerante. nessa cara de elefante.

é com pesar e saudade que tomo esse impulso com os pés.
de sair do lugar
sempre.
e partir/chegar/
essa musica que adoro/escuto agora
tenho vontade de ser/mandar/

é uma fantasia boa,

é um prenuncio de vida.
é uma sugestão.
uma boa sugestão.

é uma nuvem em forma
de algo lindo/em movimento.


mangarosa

Você sabe o cheiro da solidão?
Quando ele me perguntou isso ele me pareceu o cara mais sozinho do mundo. E eu fiquei com vontade de pousar minhas mãos juntas na sua cabeça, como se um passarinho pousasse ali entre nós.
Eu tive vontade de estalar seus dedos.
Sei o cheiro da minha solidão. É cheiro de horta logo depois que chove.
Ele sorriu cheio de uma ternura estranha. E me pareceu o cara menos sozinho do mundo.
E eu fiquei com vontade de pegar a minha mão na dele. De dar um beijo pequeno na parte de cima da sua orelha. De olhar fundo no olho, e depois parar.
Ali nós dois éramos duas frutas meio verdes meio maduras. Se olhando entre os açucares, cascas e cores. Ali o gosto do agora adubava algo que era o entre. O ar entre. O pomar.
É aí que tudo acontece.
No intervalo entre duas frutas existentes.

segunda-feira, novembro 18, 2013

tudo ou saudades ou aqui


é como se eu não tivesse casa.
(eu não tenho casa).

é como se eu fosse um tubérculo brotando na geladeira.
(eu sou).

sem terra, flutuando no espaço,
perseverando raiz contra a dureza aguda do ar.

é como acordar para um mundo sem mar.

também tem a vantagem que é bem mais parecido com voar.

uma desconexão profunda com tudo
que dá até uma alegria engraçada,
uma cócegas no pé.

algo como a certeza que sobrevêm nos países estrangeiros
de que tudo é uma bobagem.

o riso frouxo de quando tudo dá errado
ou certo
ou azul.

no mais são tudo ondas, ou brisas, ou flores.
pequenos momentos do tempo,
que falam do eterno
morando no presente.

quarta-feira, outubro 30, 2013

água

aqui nessa casa nova, nesse corpo.
aqui nessas paredes brancas,
nesse teto,
nesse chão.
as novidades são ouvir o som da lona retesando contra a parede,
a poeira toda que ainda não tirei,
os sons dos outros,
e os meus.

já gosto de várias coisas.
das duas prateleirinhas que inventei,
dos quadros colocados,
dos florais.

faltam as flores.
deixei as plantas na outra casa.
falta as que mais gostei,
do gengibre que cresceu sozinho a partir de si mesmo
e virou um matão.
do manjericão floresta,
do hortelã que renasceu.
da arruda que afasta,
da salsinha que esbanja,
do morango que nunca nasceu,
da alface escondida,
do oregano fresquinho,
da espada corajosa,
do cidreira nunca tomado,
da melissa murchita,
da camomila anfitriã,
da cabolinha meio metida,
da sálvia melindrosa,
da abobrinha morrida,
do pimentão árvore-quase,
da palmeira sementeira,
da begônia que foi presente.

dessas plantas que criei, junto e separado,
da pouca alma que fui dando,
e que a lu deu também,
das gotinhas,
viradas em floresta da mais águada.
sempre que me faltam as palavras,
me falam o que há de restar,
processo, afeto, crescimento, tempo, praga, água, sede.

algo que sempre acaba, para outro algo começar.


sexta-feira, outubro 11, 2013

tango n. 6

A calma de casa o acalentava. O modo como os móveis se revestiam de silêncio. O copo em cima da mesa. Não sairia dali até que o tirasse. A poeira se acumulando, primeiro nas quinas, depois nos discos, nos livros, na mesa. Dominando a todos lentamente, como apenas uma mulher faria. Denunciando o tempo, a morosidade do tempo, a letalidade do tempo.
Pensava banalidades como essa, olhando para a marca escura da poeira no seu indicador, quando sentiu o primeiro vestígio da saudades.
Esse estágio se assemelha ao gim. Cheiro de perfume, promessa, azia. Se você estiver atento pode até ouvir o chacoalhar discreto do gelo batendo no copo.
Lembrou dela e logo em seguida se deu conta de que não ligava. De que não era dela que sentia falta. Aquele última ela, com seus gritos, suas burrices, sua traduções equivocadas de tudo o que ocorria. Dela não. Sentia falta da segunda pessoa da conjugação.
Tu.
Era de tu que Elias sentia falta. 
Estava farto do eu. O eu e seus problemas, ordenados por grau, gênero e parentesco. Os grandes problemas, os traumas, ver seus pais trepando sem amor, e se lembrar, descobrir aos 32 anos que seu nariz é torto, que você Elias, não sabia até os 32 anos que era um homem de nariz torto. Os pequenos problemas, o café, que como um ditador anão demanda sete minutos do seu tempo, e às vezes fica forte demais, ou fraco demais, e se você se distrai com qualquer coisa, outros sete minutos de qualquer alegria como um pássaro pequeno, uma alegria pequena, que pousa no beiral da janela, e você se deixa levar por suas penas, pelo seu toque delicado no azulejo, e de repente o café está frio e a vida está um pouco pior.
Também não suportava mais os elas e eles. Os eles e elas da rua. Os eles e elas do trabalho. Os elas e eles do restaurante, da rua, do supermercado. Eles, com suas camisas passadas. Quem passará suas camisas? Ou eles mesmos passam? Ou tem alguém que os ama com o amor devoto das camisas passadas, ou eles mesmo se amam tanto a ponto de terem esse exímio grau de concentração, determinação e limpeza. Elas. Com seus cheiros. Seus cabelos furta cor. Por que todas as mulheres da rua passam com seus cabelos chapados? Seus cabelos anestesiados, sem as marcas rudimentares de uma vida qualquer vivida com prazer e dor.
Entre outras pessoas verbais mais estranhas ainda ele ansiava pelo tu. Procura-o naquele tarde de sol esquecido entre os discos de Marília Medalha, tango e Caymmi. Ansiou, com o menino que vivia dentro de si, ter um tu para cantar sombreando entre a nuca "tu me acostumbrastes". Para mostrar escondida entre as pregas da mão a tão esperada primeira pitanga. Para rir de seu ventre, esconder-se de suas unhas, chegar no último derradeiro delírio bem perto do lóbulo de suas orelhas.
A poeira o entregara a um tempo de bocejo e solidão. O telefone guinchando o retirava.
Era Joana. Chamava para o show do amigo da amiga dela. Ele ia. Sabia que ia. Algo nele já sabia o que dizer,  o que fazer, e dizia. Combinava com ela o horário, o lugar. Algo nele previa, e imaginava detalhes práticos. Ele ouvia sua própria voz falar, sentia o fluxo constante e pequeno das tomadas de providência. A voz elétrica no telefone, até se transformar em silêncio. Na sala quase vazia ele não reconhecia. Retumbava os últimos ecos de sua voz como uma ficção distante, com a qual não se misturava. O rosto de Joana perpassava sua mente. O seu próprio rosto. Não se reconhecia. Nem lembrava mais o som, o gosto do seu próprio nome. Apenas o silêncio. Enquanto olhava atentamente a marca de poeira no seu indicador. 


quarta-feira, outubro 09, 2013

des equilibrio

eu sinto cheiro da sua dor acossando, bufando, farejando a minha presença com fome.
você sabe quando eu chego
quando eu estou cheia de amor
quando eu estou vazia.
você sabe e fareja meu silêncio
como um cachorro faminto
cínico com sua própria fome.
você sabe manobrar entre os dedos
os títeres trocados das noites vazias.
você sabe contar nos dedos.
você saber cuidar,
ou fingir,
você sabe fazer amor,
ou ódio.
você sabe tanto
e é tanto o que não sabe.

terça-feira, setembro 24, 2013

j.

te procuro ao largo da minha própria vida
que me olha distante
de cima do mini bar.
junto com um camelo e um buda e dois gatos e um porco e duas pedras e uma lamparina e incensos.
minha vida calada, nua. mulher gato. passeando pela cidade num domingo a tarde.

j.
te sinto tanta falta.
por que sinto que com você consegueriamos tatear a expansão do som em luz.

j.
te gosto tanto.
e no entanto tão logo você chega
tudo estanca
num ar violento correndo entre duas janelas fechadas.

quero ir para marte contigo
sentir o gosto de perigo
e peixe cru.
sentir o oposto do mar
e a distância côsmica
do viver
em vida.

quarta-feira, setembro 18, 2013

las kening

era manhã, 
de agasalho e vontade de continuar sonhando, 
quando eu o vi pela primeira vez ali. 
estavam todos agasalhados. pálidos. esforçados de ir discutir ideias, quando na cama se prometiam histórias infinitas. 
acho que ninguém sabia. exceto eu e ele. 
não sei como ele acabou ali. acho que já sabia da minha presença, devia saber. 
não pareceu surpreso. como eu, quando o beijei na têmpora e continuei os cumprimentos tremendo por dentro. 
me sentei 
e inventei no ar entrando e saindo algum tipo de calma.
olhava para ele em intervalos regulares. 
o vira na vida poucas vezes. e no entanto ele tinha um encanto, 
um medo. tinha um jeito de mitologia. 
vi seus cabelos rareando. 
sua mão forte.
seu agasalho azul
que depois tantas vezes repetiu.

sei que ele também me olhava.
nunca ao mesmo tempo,
nosso olhar nunca se encontrava
num suspense 
que poderia ser confundido com a secura do ódio.

eu não o odiava.
ele nunca fez nada de mal para mim.
eu tinha esse fascínio infantil,
de querer entender os seus loiros mistérios.
sua presença,
seu cheiro,
sua capacidade de amor.

comecei a ajeitar meu cabelo,
de um jeito bonito.
queria cantar esse estranho dueto.
fechei meu casaco,
me servi de café.
fui sendo,
dando a chance também de ser completo mistério,
essa inexplicável conjunção de atos e magnetismos.

virei meus olhos rápidos.
nossos olhos se encontraram.
nenhum de nós era de virar os olhos
e sustentamos alguns segundos.
.
não foi preciso dizer nada.
ali,
já nos dissemos tudo.

uma voz alta nos tirou do instante.
alguém terminava um poema de borges: 


FINAL DEL AÑO

Ni el pormenor simbólico
de reemplazar un tres por un dos
ni esa metáfora baldía
que convoca un lapso que muere y otro que surge
ni el cumplimiento de un proceso astronómico
aturden y socavan
la altiplanicie de esta noche
y nos obligan a esperar
las doce irreparables campanadas.
La causa verdadera
es la sospecha general y borrosa
del enigma del Tiempo;
es el asombro ante el milagro
de que a despecho de infinitos azares,
de que a despecho de que somos
las gotas del río de Heráclito,
perdure algo en nosotros:
inmóvil.

terça-feira, setembro 17, 2013

susto

Na madrugada o mais silêncio da calma e a violência mais perversa convivem. Os dois se açoitam, se encaixam. Um suspeita no outro uma eminência grave. Nada além de um latido distante de um cachorro. E se um homem aparecer ele pode ser mais forte do que eu.
Na madrugada não se pode ser a menina do apartamento 11 que gritará e a dona Edi sabe mais ou menos quem, e os moços da sky que insistem em parar na minha vaga. 3 da manhã e não importa meu nome.
Mas é também nesse silêncio que mais posso ser.
Ser esse profundo que sou e que já não tem nome.
Às vezes me assusto com o não nome que tenho.
Quando olho as coisas ao redor
e não me identifico com elas.
Eu sempre quis alguém que soubesse que no meio da noite eu sempre perco apenas um pé de meia.
Nunca dois, nunca nenhum.
Acho que não me importo mais com isso.
De ser conhecida pelos outros,
nessas sutilezas que eu achava eloquentes.
Agora eu quero me conhecer no meu silêncio,
no meu susto.



quinta-feira, agosto 29, 2013

aqui

no silêncio da minha casa
solitude
e solidão.

solitude quando a música ecoa as minhas questões nas paredes porosas.
quando as plantinhas me olham com suas caras enigmáticas.
e eu me sinto compreendida pelo cheiro,
pela cor,
pela umidade ou secura da terra
que transforma e traz vida.
quando eu me alimento
pelas minhas mãos.
quando eu arrumo a cama e as roupas no armário numa ordem
já antiga.

solidão é cama desarrumada.
é quando chegam os pulgões.
quando o disco risca.
quando não tem fome só gula.

solitude é a saudade ir pro mundo e mudar
solidão é muda.

segunda-feira, agosto 26, 2013

domingando

você não é nem mais feia
nem mais bonita
que você é.
você não é mais legal
ou chata
do que você mesma.
ninguém me disse para gostar de você.
e no entanto,
eu gosto,
um pouco mais
a cada dia
como um veneno lento
do que há de mais de real
entrando na minha pele.

terça-feira, agosto 13, 2013

opostos complementares

sentir que existe um lado leve, que plana na superfície das coisas, indo a todos lugares, e nenhum ao mesmo tempo. tendo o mesmo apreço pelo cheiro, pela cor, pelo tato. e de repente descobrir um avesso, que sente a textura das coisas como a própria pele, e vai descobrindo o mundo não de um fora, mas sim de um dentro. que ao invés de ir cada vez mais longe longe longe, como anseia no fundo o centauro e o passarinho dos nossos signos, vai cada vez mais dentro, dentro, dentro, dentro, até descobrir essa infinitude de se descobrir mundo, e ficar só. e em silêncio.

terça-feira, agosto 06, 2013

madrugada

largou o copo abruptamente e ninguém entendeu em que segundo foi que ele decidiu não quebrá-lo.
o copo largado então manso na mesa,
como dando uma chance para uma compreensão mais silenciosa
e cheia de veludo.
ele olhou para os lados.
procurava quem o procurasse.
ninguém.
ninguém ali para manter os olhos atentos sobre esse gesto quase de brutalidade
quase ódio
quase amor.
pediu outra cerveja,
se certificou da temperatura.
de repente num mesmo segundo abrupto encheu-o uma nota comprida.
menos vulgar que dó,
menos comum que lá.
encheu-o
e o largou flutuando bêbado e risonho
naquele bar que nunca antes frequentara.
a menina com que tinha lançado uns olhares
o amparava firme para que não caisse.
ela disse entre os dentes
você é leve
e intenso
e tem um sorriso devastador.

então o sonho tomou outros rumos e essa história já não tem mais importância.

quinta-feira, agosto 01, 2013

musgo

a água amansa a pedra,
e o liso delicado da pedra escorrega o pé.
minha mãe me ensinou o medo,
meu pai a coragem.
o pé na pedra molhada vai embora,
coragem e vertigem.
quis continuar andando,
foi assim que andei
e passei a pedra que paralizava.

sexta-feira, julho 26, 2013

temperança

o tempo é uma mentira. então eu não vou me importar quando você falar dele.
as coisas mais leves e bonitas são infaláveis, mas não infalíveis.
toda vez que eu tentei te dizer o simples
ficou complicado,
toda vez que as palavras gritaram comigo querendo sair
eu me calei.
afinal elas pesavam mais do que o que elas queriam dizer.
então vamos pegar juntas esses brotos, sementes, feijões, palavras, chavões,
separar o pesado,
do real.
sentir a saudades,
beber o vinho
e esperar que a vida seja essa mulher, esse homem, esse bicho,
languidamente forte,
presente.
areia.

do mal que te conheço,
invade um gostar.
maresia afetiva,
a marejar meu olfato do querer,
e do ficar.

se o tempo passar
ou não passar.

quinta-feira, julho 25, 2013

poemim

ando torto
corro e caio
grito e rezo
calo.

vou e peço

de manhã
acordo
amanhã
desperto.

terça-feira, julho 23, 2013

buruka

no meio da lagoa me ensinava
só olhando.
a flor quem me deu foi o coração,
quem me ensinou foi a tartaruga.

quarta-feira, julho 03, 2013

dançar

as vezes tudo se encaixa,
o sol bate pontual no mesmo lugar onde o gato dorme.
as vezes até a tristeza passa,
porque quando tudo se encaixa
o mundo dança.
as vezes a gente tem a ligeira certeza
a incoerente verdade
de que somos gigantes,
e algo
lépido como fogo
dentro arde.

mas as vezes não.
as vezes a gente é pequeno,
menos que passarinho,
e ainda sem voar.

as vezes a gente é pensamentos
que se repetem,
emoções que não levam
a nenhum lugar.

as vezes a gente é um bicho bem bobo,
e a vida para de dançar.

então tem todo um trabalho
de lembrar-se urso, lobo, lebre.
de lembrar como é elegante o grilo,
eloquente a cigarra,
e calma a coruja.

as vezes.
e então tudo volta.
girando infinitamente
no desenho complicado e muito simples que todas as coisas tem.

domingo, junho 30, 2013

toque de queda

você tocou nas minhas costas
e eu vi
que minha coluna estava torta.
você tocou minha barriga
e eu vi
que doia.
você tocou na minha cabeça
e ela ardeu.
você tocou no meu coração
e ele tava 
inflamado.

foi na lagoa azul que eu vi a dor.
a dor tinha virado eu de tanto hábito.
mas agora não.
a coragem podia me separar,
o leito do tejo.

e eu quero curar.
agora que eu vi a dor com os olhos bem abertos,
eu quero curar.

e aja chá de camomila.

terça-feira, junho 25, 2013

hoy

ultimamente as palavras parece que deram pra rir de mim.
(escuto bem baixinho quando as deixo a sós).
eu não sei bem se é por dor delas, se por saudades.
gosto de pensar que sim.
no fundo acho que nunca me respeitaram mesmo.

fico tentando junta-las em blocos,
colar em frases,
tecer em textos.
e elas se deslocam,
desencaixam,
tombam desajeitadas no chão frio da folha imaginária.

então eu pergunto para que que servem,
e aí então elas fazem o pior,
mais horrível ainda que as risadinhas bem baixas.
elas ficam em silêncio
como quem diz "para que serve você ô babaca".
então elas se emprestam para eu me dizer
e também me saio com o mesmo engenho.
começa a chover na cidade e tudo de repente se repousa
numa tristeza antiga.

uma ideia começa a se desenhar,
sem palavras,
só imagens.
é o silêncio que veio me buscar.
quer que eu parta.

partir.
o verbo quebra o cimento insólito das palavras.

sábado, junho 22, 2013

segredo

um dia eu descobri um segredo.
um segredo tão grande
que na hora achei que fosse o maior do mundo.
a vida é cheia de descobrir segredos e também esquecer.
agora mesmo tem uns seis que me aparecem e me fogem
entre os dedos frios
embaixo do cobertor.
tá bom, eu falo.
paro de te enrolar.
o segredo é que todo mundo tem medo.

eu sei que parece que não.
tem umas pessoas que atravessam as situações,
destemidas,
com os pés firmes,
a cara inerte.
esses, não conta pra ninguém,
são os que mais tem medo.

eu agora, nesse momento,
tô morrendo de medo.
acho que faz parte.
é preciso o medo
para que se tenha coragem.

segunda-feira, junho 03, 2013

caminho

existe um caminho feito de ferro de pedra de sal e de sono.
existe um desejo de separar da memória o bom
e deixar o resto para trás.
existe o fluir do rio que passa por debaixo da estrada,
mas também existe a vontade e a escolha de continuar indo.
existe a jornada
e isso é mais importante.


confusão

a pele é o exato ponto onde me disseram que eu acabo.
onde eu começo
nunca me disseram.

quarta-feira, maio 29, 2013

círculo

fazer não barulho com a cabeça teleco pingos subtraiem a atenção distraída que pode inundar meu banho.
se pode existir o tudo
mas o tudo não pode ser sempre
o medo de acabar me traz o algo
que é diferente de nada
e de tudo.
algo são como as vozes inadequadas que invadem e subinvadem o teto.

nesse aniversário bom
inauguro
o entre.
os afetos delicados e importantes
plantas espessas
corajosas e de morte lenta
que preenchem o que resta
e trazem o silêncio.

se o vazio me enlouquece,
inauguro olhar o que preenche.
cactus, orquídeas e outras heras.

terça-feira, maio 28, 2013

retorno solar

eu ouço agora a distancia o pulsar de um coração do futuro,
que teima,
em viver.
eu não sei por que.
mas o barulho continua.
eu tenho raiva.
tanta que não dá
para juntar num punhadinho.

essa noite é grande e dá medo.
tanto quanto ontem.
mas ontem foi um ensaio de antes de ontem.
e você olhou nos meus olhos,
só para parar de olhar.

só para encher minha segunda feira de imagens,
que não deixam tudo no lugar.

hoje a musica implodiu a dor,
e levou
e lavrou
e se foi.
hoje a musica,
e sempre a arte.
para me salvar da materialidade da burrice.

eu hoje até sinto saudades.
então silencio.
então vazio.

eu hoje me armo com mim mesma.
me olho no espelho.
e suporto.
hoje suportar é meu mérito,
e todo mérito tem sua recompensa.

eu hoje a dor e o prazer e eu mesma e se arde eu grito mais alto e é isso.
e você que vá morar em outro lugar.


sexta-feira, maio 24, 2013

flores do mal

eu tinha um desejo secreto de você me escrevesse uma carta e dissesse tudo. mas absolutamente tudo, do importante e bem escrito que se passa aí dentro.
é que me cansa esses seus sete mil véus.
para falar a verdade,
e agora faço o oposto do que peço,
foi por isso que eu desisti.
essa fumaça obliqua azul atrás dos seus olhos
me fascinou por um tempo,
e tenho que admitir que ainda fascina
quando me pego te olhando distraida.
isso quando não são os seios,
que andam tão lindos.
aqui me distraio de novo,
sou mesmo um passarinho,
gosto disso,
por que mente o urso e outros animais mais rudes que me habitam.
mas então eu desisti.
dentro do meu pulmão eu disse não,
e abri a mão,
assustada.
por que  eu nunca consegui chegar do outro lado dos seus olhos.
se é que se chega alguma vez.
muitas vez eu achei que tinha chego.
mas quando você está você acredita que nunca mais vai sair,
e quando você vê,
é dia,
e você está em algum lugar,
e esse lugar é um pouco triste sempre.
acho que agora é uma das poucas vezes que não quero me esconder atrás dos olhos de alguém.
quero descobrir o gosto do meu olhar.
sentir.
dói várias vezes.
por que é muito solitário,
e eu gosto de dividir.
mas o bom é bom demais,
só não conta pra ninguém.
sabe. você.
e agora nesse exato momento em que você lê e sabe quem é
é como se eu usasse o texto essa ferramenta louca para atravessar o tempo e o espaço.
sim, você. estou falando com você e olhando nos seus olhos.
por um lado eu queria saber mais. algo ainda me encanta,
e essa vontade de descobrir um pouco mais.
mas não. não será.
e também é bom.
então no mais denso do plágio de salinger te ofereço esse buque
de parentesis (((((())))))).
e o silêncio.
te ofereço esse silêncio enorme.
esse silêncio infinito.
esse silÊncio que quase canta.
para que nós possamos dividir algo.

domingo, maio 19, 2013

vata cafa pita

se eu fosse um lobo,
você me chamaria para dançar?
mas eu não sou,
sou um passarinho
que não para em nenhum lugar.

se eu fosse um gato
você fugiria ou iria na minha direção?
mas eu não sou
eu sou um urso
e fico parado acreditando.

se eu fosse um refrão
você chamaria meu nome?
chamaria,
mas eu não tenho melodia
sou um acorde orfão de escala.

os dias são criaturinhas minusculas
que escalam essa pedra infinita
chamada tempo.

é necessário respirar.
respirar é viajar sem sair do lugar.


velocidade 0''

ali no meio da multidão tantos rostos passando
rápido
demais.
a vida imensa demais 
para se pegar nas mãos.
infima demais
para se levar a sério.
os rostos passam zunindo
não discrimino caras.
velocidade 0''
só vejo traços.
nenhum afeto 
e tanta gente.
a lua atrás das nuvens
chama.
o cantor canta 
para mim.
olho para cima
e o céu é tão grande.
me sinto minha,
viva,
em pé,
cravada no instante,
cara capturada por um tempo que passa,
mas demora.



sábado, maio 18, 2013

como desfazer um nó. aula I

ali, olhando a corda se espalhando, e se constringindo.
ali, onde você puxa ela aperta, no meio do tudo.
você não pode ficar ali. simplesmente não pode.
você tem que sentir a dor absoluta de ficar ali.
no meio dos nós.
o desespero completo
de não conseguir fazer nada.
então você pede ajuda,
ou nem isso,
e sai dali.
de fora você consegue enxergar
por onde o fio vem
por onde o fio vai.
só de fora você consegue ver
onde amansar
onde apertar.
e doi cada toque na corda,
tudo bem.
uma hora você já desenrolou metade
e só a esperança de um dia desenrolar o resto
já é uma alegriazinha no meio da dor.
não vai ser nem mais fácil,
nem mais difícil que isso.

sexta-feira, maio 17, 2013

3 dias

falar e sentir e fazer
e esse vício um pouco estranho
um pouco burro
de querer ir pra frente.
tentar 
e de repente
encontrar-se sem pele
nua 
sangrando
em plena avenida europa.
foi ali
que me vi sem pele.
foi ali
que a dor doeu aguda
e o corpo todo tremeu
e tudo se encheu 
de um sangue invisivel
que acho que se chama dor.
a dor se apossou da cabeça,
se espalhou pelas veias,
destemperou a barriga,
anuviou a vista,
fez tremer
dos pés as cabeças.
dor aguda como essa
não via
há tempos.
e no entanto
alguém disse
tenta sobreviver três dias
e depois me conta.
fui eu quem disse.
e isso fez o tempo voltar a passar.

quarta-feira, maio 15, 2013

o tempo

o tempo mente pra mim.
ele diz que passa.
quando eu questiono ele me aponta no espelho.
olha.
ele toca nos meus músculos,
na minha pele.
ele toca na minha dor,
e pergunta,
reconhece?
ele diz que passa.
e eu olhando esse corpo agreste teimo em acreditar que não.
ele mente.
sei que mente.
se fosse verdade eu já não estaria mais nessa sala.
em pé nessa sala.
só eu, o tapete, os vasos, a luz. só isso.
a dor enorme.
só isso.
se o tempo passasse eu teria deixado essa sala.
se o tempo passasse eu estaria na rua.
na alegria da rua.
no sol da rua.
no leve da rua.
mas aonde quer que eu vá eu continuo nessa sala.

quarta-feira, maio 08, 2013

touro

a avenida 
passa ao largo
do corpo da cidade
que ri
estridente
do transito 
tolo.

os carros correm não se sabe para onde.
os ônibus atravessam as pontes
com raiva.

embaixo do viaduto tem um bar.
o corpo chacoalha papos.
o copo balança.

dentro desse mistério que se chama quadra,
escondido na luz baixa,
na poeira,
na queixa, no verso, no tédio e no estupor
existe o afeto.

o tempo é outro.
lá fora a vida zune,
aqui ela rumina.




segunda-feira, maio 06, 2013

partir

a lingua que o corpo fala eu sei pouco.
não é a lingua corrente,
usada nos países quentes,
para pedir uma média e um pão.
não.

a lingua do corpo não é a mesma que filósofos vãos
usam para tentar alcançar o mundo caolho.
a lingua do corpo só o corpo fala,
só o corpo entende.

hoje meu corpo aprendeu uma palavra nova.
hoje o corpo sentiu tudo agora.
hoje o corpo soltou pequenos rios
e sentiu epiderme pequenos terremotos.
hoje o corpo disse tanto e ouviu,
tanto que precisava entender e ser.

hoje o corpo sentiu e foi,
para poder dizer a palavra nova.
disse adeus no fim de tudo,
e foi.
foi assim que o corpo partiu.

no todo só se chega distraído

tudo correr como ter uma pá na mão, um remo,
e ir. como se o chão fosse rio. e é.
mas não assim.
como se andar e ordenar os pés,
para a frente,
e descobrir o lado errado,
e descobrir
que não há lado.
como ir, sempre firme,
irresoluta,
como acreditar em algo,
sem acreditar em tudo.

sábado, abril 27, 2013

lua cheia

noite bem alta, era a lua, pingando palavras no meu ouvido. o dentro aquecia o fora pele ébria passarinho. a rua infinita e nossa. as casas feitas de caquinho de pedra colorida. eu nunca tinha reparado, você disse. eu também não. pensei num silêncio que não era meu. algo gritava ao redor, uma nota só. bemol. e nós atravessando aquele momento como se. a lua só. e você me perguntou. escancarou a pergunta mais branca que a lua. eu quis te dizer que durmo com duas meias e acordo com uma só. eu quis te dizer que meus pés estalam no piso duro de madeira todas as manhãs. eu quis te dizer que gosto de dormir de manhã, o que me deixa com os olhos nublados. você olhava para mim, mas olhava para a rua. era estranho. os carros continuavam passando. não perceberam quando a gente começou a passar. o silêncio escancarava verdades. eu quis te dizer que gosto de cozinhar e comer junto. eu quis te fazer sentir o meu corpo mudando rápido o espaço de um ano, maré alertada por lua. eu quis que você olhasse nos meus olhos. e entendesse. o gosto complexo da tristeza e da inteireza. eu quis te dar minha palheta de cores conquistada no mais dentro da intimidade. pérola, ocre, selva. quando eu vi chegamos. e você não perguntou nada.  enquanto você agarrou minha mão sem intuir o peixe esquivo que nela morava eu percebi que no dentro do silêncio você entendeu algo. que eu nunca poderia ter te explicado.

quarta-feira, abril 24, 2013

plástica

AS flores brancas amassadas do lado da cama. Quem teria extraído até o último cheiro da flor. Estupro da flor. E de manhã acordar com o sol já quente. O corpo velho. Garganta seca. Palavra seca.

(miudezas. é no espaço do entre, das delicadezas, que se escondem as grandes tristezas.)

E quando as lágrimas não chegam. E quando as flores dão asco. E quando o viver apavora. E quando os copos acabam.
É nessa hora que ficamos com as pequenas alegrias.
As cores estridentes das flores de plástico.

segunda-feira, abril 22, 2013

veia aorta

embaixo de todas as coisas tem um mar.
as vezes a imensidão disfarça.
o lustre sozinho em cima da escrivaninha,
o gato,
a melancolia.
coisas que se parecem somente com elas mesmas.

mas então se dispor.
fechar os olhos,
ou abrir.
e ouvir aos poucos,
e cada vez mais forte,
o ir e vir da maré
pulsando
em tudo que há.

quinta-feira, abril 18, 2013

estilhaços de azul

. você dizia de um rosto... . um rosto me dizia. era úmido. o rosto me sorria. me olhava. entre. no vão no ar, olhava descaradamente, e ninguém sabia. seu rosto, você dizia. meu rosto também era úmido. gotejava. coisas como delírio, alegria ou desespero. e as mãos. as mãos se uniram em susto. susto era a primeira e única palavra. outra lingua. a gente falava na teimosia e no medo. a lingua, outra lingua, era o idílio, desejo. o desejo era o unico bom naquilo tudo. e muitas vezes era melhor não falar nada, para não ser mau. pra não ser mau de novo e novamente. ser louco é um jeito de ser mau. com u e não com l. não confunda. você confundia tudo. você também. você confundia mais. ninguém. era tudo estranho e equívoco. era tudo tão mau, tão sem salvação, e uma espécie estranha de amor arrastando tudo. vocês. não existia. nunca existiu. esse era o duro da dor. mas o idilio. o idilio era o mais mau. fingindo fingindo. sorrindo dentes e gozo. o tempo. cravou uma esfinge em cada testa. você dizia de um rosto. um rosto seco. um rosto sério. um rosto me dizia. um rosto parece triste. parece que não sabe mais alegria. alegria. não confunda. umidade com isso. alegria me dizia. é seca. um ano. faz um ano. e todos úmidos. não existem mais. ficciones. rostos umidos guardados onde. no tempo talvez. na memória do que não mais existe. que é ser, transmutar, e carregar as ausências do que já fomos, como coisas que não somos mais.

segunda-feira, abril 15, 2013

lago

suas mãos na minha direção.
energia sutil,
carne densa.
o corpo inteiro zunindo.
acordou,
e disse -
obrigada.
suas mãos nas minhas.
mais lago
que represa.

domingo, abril 14, 2013

ar

uma semana meia e o sol não sai nem que. o café ainda esquenta e tenta acordar. a flor enfeita embora ainda não tenha cheiro. o luar? luar nenhum, a noite chove. mas o ar entra. e o ar sai. toca por dentro com sua mão branca, o dentro das costelas. sopra no pulmão. alcança numa curva todo e todo corpo, imenso neuronio, rede de pensar. em dias como esse, o carnaval clama, chama baixinho do centro da cidade, e o corpo cede na maré. canoa de madeira eira eira.
vai.
mas não esquece de respirar.

sábado, abril 13, 2013

amoras

esse olho clínico que me deixa entrever sem muito esforço o cheiro de esgoto proliferando solto por debaixo dos tampos das mesas dos bares de sempre.
essa chuva rala
que não serve nem para molhar
nem para ficar seco.
essa falta de gosto,
essa gripe,
esse despero silencioso
corroendo na forma de sorrisos
os sonhos de uma idade inteira.
essa bebida
que não serve mais para ir além
senão para empapuçar
e deixar a vista nublada
e o sono inequívoco.
essa sede.
e nenhuma bebida.

é nesse quadro
que eu quis e quero te explicar na importância das pequenas alegrias.

alegrias quase nunca são grandes.
são pequeninas
como uma vela que se apaga ao sinal de menor vento,
como um gesto,
como uma lembrança.

alegrias são anãs e delicadas.
são como amoras.
de um azul bem vivo
que vai embora logo.

sábado, abril 06, 2013

luto

Quando as noites chegam mansas, acompanhando invisíveis o desenho das marés, e o vento leva embora um vivo, eles se preparam. Sete dias e sete noites passam com as mesmas roupas, todo o tempo dentro da casa daquele que partiu. O seu cheiro, o seu resquício, o ar pelo qual acabara de passar, são aspirados até a última gota pelo resto da tribo de Guruka. Por uma semana eles não se lavam. Eles comem juntos, na mesma casa, no mesmo cômodo, todas as refeições. E comungam do mau cheiro da tristeza imensa.
Passados sete dias eles entram no rio, e dizem o derradeiro adeus. 

na garrafa

sinto gotejando
ouço vindo
de onde não posso ver.
sinto o cheiro
grama em dia de chuva.
calor
areia.

sinto o encanto.
vindo lento.
de tão longe
de um certo tempo.

e gosto.
agora e aqui
simples gosto.
não sei para onde
nem de onde.

te olho na curva da estrada.
te espio.
guardo esse segredo na nuca do desejo.
e gosto.
simples gosto.

quinta-feira, abril 04, 2013

assim

andando pela lua vazia,
pedras soltas e outros percalços,
entre o boa noite e o bom dia,
há um riacho
que se chama nostalgia.

os olhos do gato são amarelos,
as flores da noite são invisíveis,
os caminhos nunca são retos.
entre o cheiro e a vertigem
o deserto ainda é mais quieto.

nada chama na voz do grilo,
o arredor em nada altera,
e no entanto tudo muda,
e nova e nua e nossa enfim,
raia a manhã,
mansa pantera.

segunda-feira, março 25, 2013

metá metá

andando pela superfície das coisas.
a piscina está vazia,
o azulejo branco puido,
uma janela
dá para o nada.

andando sem se sujar.
escuto aquela voz que chama ao longe.
vento vento.
corro.
corro.

é lá que a musica toca.
no meio do meio do meio
de tudo.

é lá
na estrada.
e meu coração toca
de novo
aquela canção.

sexta-feira, março 22, 2013

mão

minha mão sempre foi pequena e branquinha.
embora meus braços vestissem
blusas grandes
e pequenas
e rosas com listras coloridas
e brancas.
embora meus braços tocassem o comanche do videogame,
e a bola,
e o lápis,
e a mãe,
e o lanche,
e o filme,
e o livro,
e o menino,
e a menina.
embora minha mão tentasse alcançar a musica (e nunca tenha conseguido),
meus dedos sempre foram pequenos e brancos,
quase gordos,
quase infantis.
minha mão sempre se pareceu com a minha mão,
embora tantas fases tenham imprimido,
frases do nirvana nas minhas paredes,
e árvores,
e tinta branca,
e quadros alheios,
e de repente uma chave de uma casa
que não é essa que sempre foi minha.
a mesma mão que já esqueceu e já lembrou,
e já tocou tudo e tantos,
e já tocou, e já destocou.
a mesma mão,
pequena
e branquinha.
persiste.

segunda-feira, março 18, 2013

amor

não consigo prestar muita atenção. as imagens vão se sobrepondo. os cheiros. ando sentindo muito. e o alcool ainda. neblinando tudo. mas não deixa de ser bom. as imagens que passam e se recortam. em si, as vezes, não me dizem nada. mas as vezes são, e nem percebo, e me distraio, a vida em si. hoje quando procurávamos apartamento, será que eu sempre vou lembrar? será que lembrar é sinonimo de importante? ou será que não significará nada, e amanhã já esqueci. hoje chovendo, entre a alegria e a gripe, será que eu vou lembrar? eu você no centro? será que sexta o dia inteiro com ele. o dia inteiro. entre risadas e compreensões e um tanto de trabalho? entre linhas escritas, imagens e sonhos, sonhos ainda persistem. quando esquecerei? até quando? e já já me esqueço, e passa como um vento. passará no peito? passará nessa outra dimensão, estranha e proibida, onde tudo continua acontecendo, infinitamente? será que afeto acaba? acho que não. acho que continua. continua. continua. quando eu era pequena eu achava que a gente morria quando a gente amava demais. você vivia vivia vivia acumulando amor. e quando entrava a gota derradeira, você morria. é mentira. eu ainda acredito um pouco nisso. nesses últimos dias o amor recortado em imagens sobrepostas e ébrias. o amor. acho que é isso que eles chamam de viver. deve ser.

quinta-feira, março 14, 2013

nós 3 melhor em frances

a barba dele,
lembro.
e dos meus dedos o cheiro,
ainda fumava.
o gosto dela.

e os nossos dedos nos copos,
nas cordas, nos corpos.
tocavam.

em nós tudo era forte
e tímido.

para nós tudo era nítido.

o tempo que passou
hipótese
para afastar as saudades.

quinta-feira, março 07, 2013

muito estranho

psicopatas amam.
gordos amam.
vacas amam.


muito estranho.

tempo

naquela cidade em que o menino morava.
essa cidade dentro da cidade, como ele,
que olhava.
no centro do espelho,
no meio do buraco
que a traça havia roido
num livro.

ele olhava para mim,
mas não me via.
e eu sinto falta
da ausência sincera
que o seu olhar
tocava sobre a minha pele,
branca demais.

luz baixa,
e móveis antigos.
sensações de um ontem antigo,
e a dor de uma cidade
cinemascope.

as coisas passam
como num filme
alugado sem pretensões
numa quinta a noite.

a flor do meu quarto
não tem cheiro.
mas não precisa de amor.

o olhar no espelho espera.
aguarda.
enquanto isso o vento sai de uma janela
para entrar por outra.

quarta-feira, fevereiro 27, 2013

after leminski

naquela noite indecente
em que você baixou o pano
e inventou na musica
o azul, no gim
a solidão
e na solidão
a ausência completa de mim.

naquela noite indedente,
longa noite,
você inventou a morte
no lampejo de carinho
aceso
mesmo nas noites sem lua.

tantas coisas que você inventou,
e eu continuei cantando a musica,
como um samba enredo
que inventa para si mesmo
que o carnaval não acaba.

tantas coisas que inventou, que inventei, que inventamos.
e no final sobrou quase nada,
esse ar que vem da janela,
esse pó, essa cinza,
melhores num poema,
do que numa raiva.


segunda-feira, fevereiro 25, 2013

cores

como explicar
a companhia que aquelas flores
esquecidas no carnaval
me fazem? são como as cores
que também ecoam
na música
que você esqueceu em mim.

terça-feira, fevereiro 19, 2013

janelas

toda vez a primeira cerveja do dia.
perfeita.
servida entre outras,
entreolhando
como a dizer,
eu não sou tão boa quanto pareço.

tem algo na pinta da menina que canta.
são clichês.
a pinta, a menina. que canta.
e no entanto,
encanta.

constante entre os homens e as mulheres,
portas para a alma entrever,
quer dizer,
no máximo janelas.

domingo, fevereiro 17, 2013

falésia infalível

sempre tão pouco real.
sempre esse gosto incessante,
esse cheiro de carniça,
esse sopro da mentira,
essa presença no canto da cômoda,
no canto do quarto.
sempre tão pouco real,
e eu tentando enxergar
com o fundo da minha cabeça
(intuição)
e o tudo nublado,
com um bafo seco e úmido
de lágrimas muito velhas.
sempre magnético,
e a loucura deliciosa e perigosa
de cair num poço muito escuro.
o prazer improvável do corpo resvalando no mofo,
das unhas tentando se ater ao barro
como se fosse chão duro e estável.
sempre tão duro,
sempre tão distante,
sempre auscultar um coração que pulsava em algum lugar
mas sempre em lugar nenhum.
jogar-se de cabeça na falésia
e sentir a secura, o degredo, o cheiro árido das carcaças.
sempre sentir e nunca saber.
sempre ir e nunca parar.
e agora desafogar
desse estágio primário de insensatez.
olhar essa falésia,
e tantas outras.
olhar minhas mãos teimosas cheias de cacos.
o meu olho viciado em perigo.
e olhar o prado.
e um dia ainda querer o prado.
e não se importar com nada
e seguir.
como quem tem mãos e olhos e boca e cabeça e sentir e pressentir.
seguir como quem ao sair do nevoeiro disperso se olha e se reconhece.

como quem ou o que

como fazer um café ficar pronto sem pensar no pó, no calor, sem saber.
um café se fazer, pronto.
viver assim ali
e aqui,
como quem
ou melhor
o que.
como algo entre o
tudo
e o nada,
que caminha,
com gosto de erva.
o sol que nasce me sussurra bem baixinho,
do extraordinário possível de todos os dias,
e a onda que me leva,
eu não posso me apegar.
agora faz sol e sinto minha pele quente,
sinto minha pele branca já antecipando,
sinto alegria imensa e até incômoda.
agora chove e quero correr na chuva.
agora gripe e fico em casa pensando.
agora é noite
e aquilo ou outro.
sem se apegar na onda
posso estar mais firme.
posso olha-la nos olhos
e desafiar,
vamos juntas passar?
e se esquecer, e ser, e se dissolver no mar
a que tudo volta sem nome e sem forma.

quinta-feira, fevereiro 07, 2013

travessia

eu não sei se sou o rio
(turvo pela própria violência,
primeiro e último, silêncio e som),
ou se o barco que o atravessa
(tenta atravessar).

eu não sei se sou o homem
que não vejo no lombo do barco,
ou a mulher
que teimo não enxergar no lombo do homem.
(ou ainda o leão no ventre de tudo).

acho que sou a travessia.
o ser que surge no tornar-se(r).

ayer

"você é tão mulherão,
não sei por que insiste
em ser tão mulherzinha"

terça-feira, fevereiro 05, 2013

leão

acho que virei um leão.
sinto o peso da minha mão agora, o desajeito. é mais difícil escrever, segurar frutas, segurar pinças.
o meu cabelo assume os rugidos que não dou,
intimida.
no mais é tudo doçura de leão,
que passa manso pela cidade.
em noites como essa sou um leão-amoreira.
crescem galhos pelo corpo
e as frutinhas vermelhas ou roxas ou muito azuis se desprendem das suas pontas.
quando vem pegar as amoras eu as vezes finjo que não gosto,
mas gosto muito.
então fico lá parado,
com essa nuvem de pessoas a povoar meus galhos,
com cara de sério as vezes, até bravo,
mas muitos sorrisos grandes,
até enormes com esses dentes, essa boca.
e só é assim por que de repente tudo se encaixa
num momento própicio,
num espaço adequado.
só assim nascem as amoras,
no mais é tudo doçura de leão.

sexta-feira, fevereiro 01, 2013

praça camões

nas escadas da praça camões
a energia parece se organizar melhor.
me sinto num ponto preciso.

na linha do bonde mil pombas palomas
juntas e separadas
como os tantos jovens que dividem a escada comigo.
eles conversam
ou escrevem como eu.

na minha frente o sol se põe entre os casarões maiores,
ofuscando as pessoas que lotam os cafés da calçada.

a minha esquerda o rio se recorta
numa ladeira circular de sobradinhos coloridos.

me sinto precisamente exata onde estou,
não poderia estar em nenhum outro lugar,
em nenhum outro tempo,
nem milímetro nem segundo.

o sol abaixa, se esconde atrás das casas, depois dos morros, depois da terra.
e tudo vai voltar ao normal,
vai voltar a mover-se,
sem parecer tão exato, preciso, propício.

tudo vai dançar mais uma vez,
aparentando improviso,
num desenho bem mais antigo.

quarta-feira, janeiro 30, 2013

sexta-feira, janeiro 18, 2013

rios

o cheio e o vazio
me enchem
e me esvaziam.

sinto os dois dançando dentro de mim,
e posso suportar.

as minhas costas, o meu peito,
carregam uma angustia que tento compreender.
é pelo que fiz?
é pelo que fizeram?
ou é pelo susto do amor,
de de repente se ver direcionado ao não amor.

de um dia pro outro,
ouvir a voz familiar dela,
e sentir uma distancia infinita.

comprei velas e ainda não acendi.
também pedirei por mim, por ela, e por todos.
é importante pedir.

nossos caminhos se despediram como dois rios,
no dia da maior tempestade do ano.
abruptamente, como dois rios, e uma pororoca.

é belo o dia descortinado por essa torrente.
o dia novo, mais calmo, cheio de vazio para preencher,
e de vazio para continuar.

estou aprendendo muito. e muito de uma vez.
quero aprender muito mais e continuar.
quero chegar mais perto da luz, do calor, do cheio e do certo.
também quero isso para você.

vai demorar um tempo para curar as feridas externas,
as internas talvez muito mais.
talvez um dia a gente possa se encontrar na rua sem dor.
como dois rios.
como dois rios que seguem o seu caminho.

quinta-feira, janeiro 10, 2013

manuel sá

Entre o som de britadeira do novo "millenium excellence" a ser construido na minha rua, sou devolvida ao meu tamanho original. É hora do almoço de um dia de semana dessa meia férias. A irmã entra no quarto e trovoa suas questões. A amiga no facebook reclama do ex namorado. Espero um compromisso se confirmar ou desconfirmar. Enrolo para começar a trabalhar. Os problemas da vida, como itens num excel imaginário, vão ficando menorzinhos. Pequenos e talvez deliciosos como amoras.
Do tudo ao nada, da vida a morte, da crise a ponte, fico em casa saboreando nos beiços o gosto do café depois do almoço. "nada de novo sobre o sol! o que existe é o mesmo ovo de sempre, chocando o mesmo novo".
Muito prazer.
Sem pensar em arrancar as tripas sinto a verdade de uma tarde nublada que se esconde entre sensações e pequenas verdades. Encontros fortuitos, páginas roubadas de um livro. Um filme que extingue a tristeza.
Volto ao gosto amargo, ao gosto salgado e ao gosto doce. Parto desse chão de estrelas inventadas no céu da boca. Se é para inventar, vamos inventar oasis, vamos inventar idílios! A dor é 82% ilusão. Vamos ilusionar alegria! Que a vida é mais terra do que céu.