terça-feira, junho 29, 2010

rito

vejo por trás dos seus olhos algo que não posso alcançar.
zanzibar, zion,
terras perdidas entre crateras de mistério.

tudo aquilo que a escuridão aguarda.

embora meus braços não alcancem,
tudo o que me arrebata
em pedra, rio e fogo,
eu ainda posso deixar me tocar.

e assim você vem a mim.
tudo que em você é fera me toca.
o olho pra ver
o mistério está.

véu

gosto da noite
me envolver
com esses braços quentes
e esse bafo de bebida.

gosto dessa escuridão,
desses óculos sem lente.

gosto de pensar nas mulheres que me lêem,
todas elas.
embebidas em tudo aquilo que as torna delas,
devastadoramente.

delicadeza porque canto.

sábado, junho 26, 2010

tom zé

vem de dentro
o som que me organiza
em melodia.

rodopio nos braços da solidão,
e a encontro
amarela e nua.

a pele macia,
no entanto,
cria em mim o descompasso.

as curvas do seu rosto
ou do corpo,
acendem em mim outros tempos.

microtonal,
desafinada,
laranja, vermelha, errada.

tudo em você desconcerta
o que em mim calmamente
meditava.

domingo, junho 20, 2010

fatos

tão inexplicável como só entender depois de tudo.

gaveta

ela me guarda como uma flor seca entre seu lenço favorito.

sábado, junho 19, 2010

feminino

a força da terra,
pulso imperceptível sob todas as coisas.

assim é a mulher,
reunida em corpo
para fazer agir no mundo
a delicadeza.

quarta-feira, junho 16, 2010

ps

Metonímia do efêmero,
acho que é olhar pra cima
e não saber a cor do teto.

segunda-feira, junho 14, 2010

neovelho

tem algo muito bom,
e simples,
entre nós.

algo de ouvir e tudo ser-tornar
doce.

as palavras escorregarem.

erva

uma hora eu ia entender tudo.
então eu entendi e algo dentro de mim escapuliu.

foi o seu rosto cheio de hera que vivia nos meus confins.


sábado, junho 12, 2010

telegrama

quando você volta ?
aqui tá muito frio.
aí deve estar também (vocês dividem os cobertores?)
ontem eu te vi na minha cabeça e te mandei muita água.
sinto sua falta.
me liga quando estiver nesse planeta daqui.

meditação

naquele que está e vê
ciência é ter uma linha tecida
de idéias uma ladainha.

por trás há o ser
silêncio transformado em carne.

quinta-feira, junho 10, 2010

o que sobrou

Ainda tem algo que aperta.
É o bonito dela,
que me obriga a desviar o olhar.

A vida se põe óbvia na mesa:
é claro que é bonita
e que basta ser vivida.

O bom da vida,
o cheio,
vem de fechar os olhos,
e o corpo ir manso
nas correntes do estar.

Mas ela ainda é bela,
e há sempre algo que se perde.
Todos os dias na ausência,
algo que não viu o olhar.

Possibilidades que se perderam e se perdem.
Gotas de chuva escondidas nas gavetas ocultas,
do que não foi e não virá.

terça-feira, junho 08, 2010

Alice

Anos passaram sem que eu soubesse a cor do seu sorriso.
Os seus olhos opacos
não guardavam espaço para universos.
Os livros e as viagens pareciam esquecidos.

Ela não sabia mais meu nome, penso.
Essa foi a primeira grande dor.
A segunda foi outro tipo de esquecimento,
quando o coração se torna um pouco míope,
para amores menos desenvolvidos.

A última vez que ela me viu,
embora eu já não tivesse nome,
ela sorrindo me enxergou.
Foi quando eu toquei violão na sala.

Nos encontramos no macio do instante.
E eu me tornei por mais uma vez sua neta,
afeto sem nome,
só calor.

Hoje quando a família uniu-se em ombros para ver seu rosto,
foi sob uma tristeza branca,
compreendendo a natureza da partida,
de morrer e viver,
- e que não há nada para compreender.

Seus olhos eram os mesmos,
sem vida.

Porém,
naquele objeto rarefeito que a nos se apresentava
havia algum tipo de luz
incomum nos mortos.

Era o nosso afeto.
De uma família inteira reunida
tecendo as memórias
para que se transformem em despedida.

segunda-feira, junho 07, 2010

um sopro

efêmero.
a única palavra arrancada da boca.


diante da vida e da morte.

domingo, junho 06, 2010

miserável

Tem vezes que é tudo tão miserável que era possível acreditar em deus só pra não beber sozinho.

quinta-feira, junho 03, 2010

amor

os marinheiros de primeira viagem embarcam com um sorriso no rosto e os dentes ainda brancos. Não sabem que estão condenados ao café de quem passou a noite fazendo amor, e ao cigarro ansioso de perder o bote. O fígado deles ainda está intacto. Bebem ainda com ingenuidade, o peito aberto para os interíns, digerindo regularmente os vai-e-vens da vida.
Desconhecem a eficácia das ressacas marítmas, os gritos dados a noite na calada da solidão.
Os marinheiros de primeira viagem sorriem pela última vez. Estão condenados, homens e mulheres, a partir em viagem sem retorno, esperança de abandono. Quando entram na embarcação os olhos se enchem da maravilha do mundo, tomando todo o espaço da memória para lembrar como voltar.
Nunca voltam, os marinheiros de primeira viagem. Eles conhecem o segredo do mundo, e deles se tornam escravos e senhores.

índio

quem não bebeu disse que perdeu
o homem de tromba de algodão,
muita sorte no bolso,
mas nenhum tostão.

as meninas acharam bonito,
sombra no olho que diz de mistério,
máscara indiana de dança e de sexo.

os meninos quiseram virar homens,
e pediram uma dose a mais
de cachaça
e coragem.

o dono do bar não gostou,
falou que atrapalha a paisagem,
que violão não podia,
atrapalhava a freguesia da rua vazia.