quinta-feira, dezembro 24, 2009

natal

faz tempo que não escrevo poesias,
por isso vez ou outra no mês me obrigo a dar uns minutos pra esse espaço.
não tem adiantado,
faço umas piadas cretinas,
me entristeço.

não é um problema de tradução,
acho que as próprias imagens enfraqueceram.
as duas mortes que existem são essencialmente iguais.
tenho medo mais da primeira que da segunda.
tenho medo de morar num bairro pop,
ler revista bravo,
e ser feliz com o meu destino.
tenho medo de ter amigos porque a calça deles é bonita.

tenho um medo de acordar um dia assim,
e me calar
num silêncio não de estar,
mas de poucas palavras.

segunda-feira, dezembro 21, 2009

mapa mundi

quando veêm um contraditório
logo dizem:
nele não confio,
o azul que amanhã amarelo.
já eu não meço o confiar no estar por igual
e idêntico no sempre.
vantagem penso,
os relevos disformes e complexos
do eu que mente.

domingo, dezembro 13, 2009

oi

Eu não queria chegar em casa tão cedo. Estava com um gosto de amarelo na boca, de madeira antes de queimar. Não queria ter de ouvir os outros, fingir energia para concordar com suas besteiras. Ser natural ali cansava muito.
Então a primeira premissa: ser antinatural.
Cheguei em casa com um sorriso campeão no rosto,
quem me visse poderia vir a pensar que eu era a filha preferida de alguém, que era vice campeã brasileira de natação, e que estudava direito com mérito e prata.
Apliquei abundantemente a generosidade e a simpatia no terreno familiar, friccionando com os nós dos dedos para a matéria entrar mais profundamente.
Eles relaxaram e riram,
olharam para o meu rosto orgulhosos
e pediram pra eu passar o arroz.
Eu passei o arroz
e descansei numa poltrona vermelha despedaçada,
olhando atráves das retinas o filme de um família hipócrita.
Eles discorriam sobre diversos assuntos,
e a desconhecida da natação versava com eles:
arquitetura, viagens, temperaturas, ciência natural.
Ela ali atuava nos terrenos perigosos da maldade,
rimando o mau com o louco.
Eu via t.v. apenas.
Eu, uma sala infinita de pretura, a poltrona, uma mesinha com um peixe chamado Jacques, e um tapete que eu peguei emprestado com a minha vó.
Depois subi as escadas e me encontrei.
A água encheu o aquário e Jacques morreu afogado.
Ele era um peixe das idéias e não suportava água.

saci

a muralha se estirava preguiçosamente sobre a cidade.
seus pés cansados cinzas
seu corpo areia endurecida pela água da praia.
via a cidade crescer contida em seus muros,
o movimento fazia cocegas em sua barriga gorda.

se você andasse equilibrado em um só pé por toda sua extensão
ela lhe daria a mão no final
e o conduziria para sua casa.

ela lhe mostraria biscoitos de chocolate que nunca ficam bons,
e biscoitos de polvilho acertados.
lhe daria chá,
lhe mostraria seu cheiro.

as montanhas como primavera vista da janela
a luz alaranjada da alegria.
se você andasse equilibrado em um só pé por toda sua extensão.

quinta-feira, dezembro 03, 2009

hoje

eu estou na ilha informática do senac.
aqui está cheio de gente terminando os trabalhos de último hora.
eles não ligam para quase nada disso.
talvez eu também não.
a gente tá aqui por pouca vontade,
porque as escolhas são escorredias.

eu queria viver de escrita e morar num lugar tranquilo,
bem bem longe de são paulo.
mas eu moro aqui e todos os dias não entendo porque não sei ser feliz.
alguns deles também.
por isso a gente vive procurando catarse,
purgação, polução.
a gente trepa para aliviar o corpo,
bebe pra aliviar a mente,
e vê t.v. pra aliviar a alma.

aí a gente acorda,
mesmo sendo tão improvável,
e sai de casa a procura do encontro.

mas como,
se a gente não tem calma,
se a gente não tem corpo,
alma, mente, presente.

a gente pega o passado e se masturba nele,
ou então chora e ri por um futuro ontologicamente impossível.

a gente vai deixando as coisas virarem florestas na cabeça,
por excesso de criatividade
e pouca paciência.
também não conseguimos mais esperar nada,
isso não.
as florestas mentais vão crescendo,
comem de tudo,
lixo, música.
são lindas elas,
nos distraem,
e vão dando voltas na cabeça até tapar os olhos.

aí você leva um chute na cara e acorda,
no presente.

assim não

claramente assim não.
esse garfo enfiado no peito,
como se o asfalto quente ou frio,
tivesse chegado a mil graus e então tivesse sido prensado.
como se nesse asfalto um sapo atropelado tivesse sido incrustrado.
como se o coração cansado de pulsar no asfalto,
morto, atropelado,
tivesse sido incrustrado.

segunda-feira, novembro 30, 2009

crítica

O filme se apresenta diante dos nossos olhos:
os segundos correm, o corpo sente o tempo.
O filme como sensação, então impressão,
tenta nos devorar através do olhar,
as mãos críticas se preparam - está disposta a guerra.

Entretanto,
a cognição,
ao contrário do corpo imediato em ser/sensação,
potente apenas no analisar fora do tempo,
retém a matéria que o olho descartou,
diante da memória do fenômeno efêmero.

A cognição munida de passado,
dialogando com outras linguagens,
num mundo fluido de letras e som,
tempo e ausência.

quarta-feira, novembro 25, 2009

triste

quando a tristeza vem tão firme assim,
vem uma bebedeira na cabeça.
o certo vai se mal acostumando com o errado,
nubla decisão do sim e não.
daí os olhos pensam viagens,
ficam perdidos no horizonte..
e o corpo cede,
quer entrar pra dentro,
virar pedra, árvore.
os lábios mudam,
só por causa da alma.
a fome afrouxa em paradismo,
até o ar para a volta.
os pássaros nem tem mais o fôlego do vento pra bater as asas.
no marasmo dessa praia morta
só voa mosca,
e seu barulho é o mesmo som triste,
zumbido na orelha infinito.

atmosfera

acordei.
era verão talvez.
acordei com sono e prontidão,
cabeça feita,
orgulho de formiga.

o banho tomado pra levar os sonhos pro ralo,
café feito para afastar as más idéias,
estômago cheio para os músculos fortes.

me perdi nos labirintos retos dessa cidade,
avenidas, marginais,
atravessar zonas,
nunca
olhar para os lados.

na hora do almoço é que fui acordando,
ou dormindo.
foi dando uns olhos claros de afeto,
o corpo sentindo o formigamento da solidão quente.

era meio dia,
estava num deserto
de cimento e tinta branca.
o seu rosto palpitava na minha memória,
mas seu nome me escapava.
um homem de voz grossa me chamava detrás desse sonho,
ou de dentro.
estava como num vidro,
mas era só por estar só.
a voz dele era grossa e eu ria do som do meu nome.

você era provável só do outro lado da cidade,
seu nome eu acho que conseguiria acertar,
se visse seu rosto.
porém eu não via nada,
meus olhos estavam embasados de lonjura,
e o pensamento era pra dentro.

equilibrando os músculos nessa loucura difícil tirei meus braços turvos da água,
(era uma água sólida que só muito tempo depois fui entender areia),
chamei o seu nome,
que já não era nome,
era som.
era guincho.
era desespero.

minha voz ecoou na cidade,
mas acho que ninguém ouviu.

dança contemporânea

Duas palavras e o silêncio.
Depois de um ano e muita dor,
menos minha, admito.
O movimento do corpo fazendo círculos no ar:
quando está prestes a terminar volta,
e olha com as garras no fundo do outro.

sei lá

Era como um dia de sol com o vento cortante do inverno.
Era algo assim,
uma espécie de solidão quente.

Algum tipo de esquizofrenia talvez por trás,
olhar os rostos e não reconhecer,
saber catalogar, isso sim,
mas ter o afeto míope, ou daltônico.

Era sentir o coração batendo mas só pra doer,
os olhos cheios de sol.

segunda-feira, novembro 23, 2009

nosotros

oi, boa noite, bom dia.
são as palavras que todo dia eu escolho pra preencher nosso silêncio.
são desculpas para não ter de dizer mais nada.
eu te olho forte com esses olhos aqui,
como se segurasse com as mãos fortes,
mas sem machucar sua mandíbula.
então digo essas bobagens.
e digo outras também,
digo que te amo,
pra você não esquecer quando ficar frio,
digo do tempo,
dos animazinhos,
das coisas que você gosta.

mas não pense que sou boazinha,
também te digo uma porção de coisas pra maltratar.
falo intempéries,
trovões, enchentes.
falo ventanias pesadas
e desertos sem nenhuma água.

isso tudo são coisas de falar e discutir,
coisas de deixar sentir como se o corpo fosse uma passagem.
essas coisas de dizer são como a superfície desse mar,
mansa, leve, brava e doida.
inconstante, furta cor,
reflexiva e pesarosa.
nós nos olhando e aproveitando essas desculpas,
isso
é o mar profundo.

sábado, novembro 21, 2009

vestido pendurado na janela

eu a vi passando,
eram fotos.
entrando em quadro, sorria logo,
era boa de mergulhar em coisa de instante.
apertava o ser,
reconhecia ligeiro todos do quadro,
sorria,
e se ia.

ela é assim,
coisa de reconhecer,
sorrir e ir.

se era presa nas fotos,
se soltava na vida.

o óculo óbvio

para os míopes o mundo errado,
como para os bebâdos depois de uma garrafa,
no miolo dentro da noite.
nas luzes difusas,
no natal nadando nas principais avenidas,
se perdendo nas luzes que já nasceram perdidas,
para um míope ou um bêbado,
num bom ou mal dia.

para os míopes um mundo parido longe,
partido ao meio.
um mundo doce,
teso,
tenso,
um mundo todo.
que precisa se aproximar
entrar no ritmo do músculo
do seu olhar.
o míope vê melhor o mundo,
quer mais perto,
o mundo que pra quem vê certo
é por demais longe.

segunda-feira, novembro 16, 2009

o novo

meus olhos hoje viram o mundo.
viram descortinar-se as mil oportunidades do breve.

pois hoje
novamente tudo foi possível.
o novo como o escuro ainda é desconhecido,
ou o inevitável.

hoje as mãos surraram a porta em busca de respostas,
as mãos se calaram no vão,
ou foram caladas.
hoje talvez o grito na garganta,
um afago, um contento,
uma árvore germinando
trazendo como certos os frutos de alguma infância vã como toda infância.

o mundo de uma memória latente na semente,
um mundo eterno sem nada de novo.



é de dentro de mim que observo.
atento e imóvel.
do alto dessa torre branca desembaço seus vidros com os punhos.
logo vejo
o sol branco quase sem calor,
e as cores deitadas em pose de gozo.
os baldes vários saturados de velhice e amarelo.
as mãozinhas gordas, macias,
e famintas.
os sorrisos nus,
os olhos molhados da emoção,
queimados de impulso,
petrificados em vida.
vejo claramente como quem deslumbra,
o homem herói,
hercúleo pai de todos nós,
dançando par com a amoreira.
o sol atravessa as folhas - antevejo
as mãos ansiosas,
olhares de assombro diante da inexorável força de vida.
os baldinhos enchendo-se da tinta escura da amora,
os sorrisos enchendo-se da tinta escura da amora,
o instante roxo,
infinito
até que os olhos novamente se encham de púrpura.

sexta-feira, novembro 13, 2009

cronologia do mundo

Primeiro Deus criou o cachorro.
E o pôs logo na entrada do céu, para afugentar aqueles de dura índole, e atrair os outros, moles de coração e rima.
Então Deus criou as borboletas.
Assim ele efemeramente deslumbrava-se, a um só tempo, com as cores e com o movimento.
Deus então abriu a porta,
e dela saiu o rebolado doce de um gato, todo mistério de dissimular o amor que tinha pelas criaturinhas daquele jardim.

O gato e o cachorro passavam o dia brincando de brigar,
aflingindo os dentes e os egos.
Às vezes disputavam a companhia das borboletas,
às vezes as dos homens.

Certo dia, porém, como se ninguém soubesse exatamente da onde veio e porque, uma gata apareceu leve e prosa nas marginálias muradas em trepadeiras e maracujás do quintal divino.
O homem, o cachorro, as borboletas e o gato a acompanharam com o olhar.
Ela andou com seus passos de cetim,
fitou sem olhar,
deixou o orgulho transformar seu pequeno corpo em momento.
A gata atravessou em comprido todo o jardim,
confundiu o silêncio,
atravessou o instante,
foi-se para nunca mais voltar.
Depois mais nada.

quarta-feira, novembro 04, 2009

vre

eu escuto sua voz como um cataclismo dentro da minha caixa toráxica.
algo que soava mais ou menos como o fim, como um abismo criado, ou como a escuridão. eu não lembro bem as suas palavras, não lembro o tema nem as maneiras. lembro que eu me calei em desespero, não porque era a melhor opção para o derradeiro. mas porque era a única opção para aquele momento de pouco ar e muita água. o ar faltou, o corpo colérico, porém com pouca pressão, perdeu a forma como um saco vazio. os olhos encheram-se de água, os pulmões de grito, mas nada aconteceu. clinicamente morri por dois instantes, que eram segundos, que eram anos, que eram vidas, pelo menos a minha, a sua e a dos nossos filhos. e a dos nossos netos. morri de grito e impossibilidade até você por as mãos na minha volta. até você por os olhos no meu corpo. e me chamar. e transformar o terremoto em chuva.

caverna

o homem ou a mulher entram.
olhos nos olhos,
papel para destacar.
sentam.
trocam os últimos infortúnios vividos em ficção.
as luzes se apagam.
aos poucos os murmúrios e os relâmpagos da vida real palpitam sobre seus corpos.

domingo, novembro 01, 2009

depressão

tem algo ali que faz querer morrer um pouco.

ausência de contraste nas paredes
e as cores quentes mesmo se ocorressem
não teriam motivo de vida.
copos que passam de mão em mão,
hortelã e limão,
gelo e um pouco de açucar.
ela chamava de outro cômodo,
a voz ecoava pelas paredes de metal ou alumínio.
a parede tremia de indiferença e medo.

as gotas estalagtites, estalagmites,
os fundos de verdade.
o peito sentia frio no úmido - dentro e fora.
a menina assim fria olhava o relógio do mundo.

bocas secas,
beijos sem ideologia.

terça-feira, outubro 27, 2009

son visage

Ontem eu te mostrei minha blusa branca, segurando o tecido com o nó dos dedos. Enquanto te olhava, dizendo pelo contexto: olha, essa nódoa fui eu que fiz, não por desajeito físico, mas por pouco jeito humano.
Você me olhou de volta, tão séria que me faltou ar.

Em algum lugar distante ouvi um terremoto, dentro ou fora de mim.
Em algum lugar a água encheu o chão, alcançando os ouvidos, o nariz, os olhos e a boca. Em outros lugares, dentro e fora de nós.
Nós em um quarto.
O quarto seco, quase árido,
o solo estável.
E todos os objetos respiravam silêncio.

Eu vomitava palavras sob o seu rosto inerte,
nosso fogo morto.
Se fosse sonho eu cuspiria,
gritaria de todas as cores em cima de um balcão frio ao alcance da sua janela.
Se fosse um sonho você não teria rosto,
teria apenas pedra.
Embora eu ainda não dormisse quando eu me calei fraca e você me beijou,
abrindo a porta para outro sonho,
mais azul e mais bonito.

quarta-feira, outubro 21, 2009

benedito

era um nome que soava no ar,
eram dois, dez,
era uma cidade.

era uma rua nua em plena quarta feira,
bandeiras e faixas de pedestre.
eram os chopps e os hálitos dos pais tardios,
no cheiro dos seus beijos de boa noite.

eram as estrelas,
embostadas pelos carros,
e a falta
de quem os declarou infames, heréticos,
brutos demais para o nosso enleio.

essa dança mansa nossa,
de hálito também e troça,
essa roda toda,
é minha voz que chama,
com silêncio
e com saudade.

terça-feira, outubro 20, 2009

para tito que há de lembrar

um pouco erradamente torta aquela dor que se acertava exata dentro e fora do seu chápeu. no metrô, ou no ônibus, se os pegasse, nos passos talvez pela cidade; mas não, pois só andava no carro que a levava e principalmente a levava embora dos lugares que era possível ser melhor ficar. o pensamento sempre em outro lugar, não por ser melhor, mas por ser outro, plano detalhe nos pés inquietos, os olhos estrangeiros, os hábitos os mesmos, mas não a pátria. punha as mãos nos bolsos pra melhor se proteger, das intempéries sociais que tanto a acometem, mentir para se safar, os personagens criados, retroativos, bem ou mal criados, sempre vivos. era assim que percorria as esquinas temáticas, bares, faculdades, bocas cheias de dentes, alguns estômagos de poesia. ainda a menina, que ela gostava tanto inteira, o corpo conversando, papo mole e bom, dizendo besteiras, e às vezes (só às vezes) passando a mão. a menina ela amava, e isso diferia, pois quando não mentia era não mentira bruta, de um estar quase vida, que se chamava bem. o resto continuava como devia de o estar, a velocidade dos trens, os hábitos equacionados das rãs e dos telescópios, a vida que se esvaia ia ia ia... vaia para essa vida, ela era da poesia, mesmo a antiga e quase esquecida poesia da matemática das flores.

à propos de hiroshima

no amor feito
a tecitura,
rígida e soturna,
do esquecimento.

a pedra do trauma,
o suor das palavras claras,
nuas,
de dois corpos que conversam.

a areia dos fatos,
de difícil contato,
insolúvel, indócil,
vento tempo e pedra.

dispersas as lembranças,
um enfim dois,
enfim despidos,
enfim calados.

segunda-feira, outubro 19, 2009

espelho

O espelho sozinho no quarto.
O espelho sozinho e a voz dela, ressoando, como memória fugídia de outros dos seus tempos.
- se saber era o bastante para o tempo que voava.
Ela se esquecia da memória perdida,
E esse era o nome dado a história.
História de um homem e talvez de uma mulher,
O hiato entre os fatos e os hábitos,
A história.

A câmera se vira e a mulher se vira.
A mulher que se olhava no espelho,
Procurando em cada traço os fatos esquecidos.
A mulher que se vira e aguarda o mundo,
Sempre muito para seus pés, suas flâmulas.

domingo, outubro 11, 2009

duali

estávamos aqui.
esse era o começo da história.
porém,
era o começo de uma história que tinha seu próprio fim,
pois assim ocorriam os contos quando no reino perverso das palavras e dos estados, ser tornava-se palavra chave,
vencendo sem nocaute a disputa das predominâncias.

era também o início,
uma vez que o que já se sabia sendo
era, por isso mesmo,
matéria rica, úmida e fértil,
para as boas histórias.

O meio de tudo estava no sol que fez,
secando o úmido,
iluminando as reentrâncias da tristeza,
as curvas ainda escuras dos olhos.
e também na temperatura da água,
atingindo o calor recôndito,
mas também dançando ao par com um frio antigo e sem nome.
tristeza e alegria combinadas,
dentro do meu corpo e fora,
calor frio, secura e umidade,
levando pela mão meu corpo para uma dança.
movimento, mudança.

no cerne do dia belo - ser.
que é encontrar a síntese das coisas cheias,
claro e escuro como dentro e fora,
não mais lados,
sim estados de um mesmo estar.

terça-feira, outubro 06, 2009

neptune

a neptune fish,
what you win if asleep.
but when there is land in your mouth,
ants coming through the nose,
don't remember if you dream or dies.

domingo, outubro 04, 2009

chuchu

eu queria te escrever algo bonito,
pra você ler se fosse um momento triste
ou se fosse um momento morto,
e sorrir sozinha numa sala pequena em relação ao mundo.

eu queria te escrever algo que tivesse o discreto aproximar-se de um abraço
e o mesmo calor involuntário.

eu queria palavras que retribuissem a doçura de você ter cuidado de mim ontem.
queria te mostrar como anda o carinho que sinto por você.

queria te traduzir em mar
e em sexo.
dormir com você sem trepar porque também é carinho.
dar um beijo de boa noite e um de bom dia
(como se a noite não tivessemos nos perdido em tantos labirintos escuros).

queria ter um jeito absoluto de viver isso que a gente tá vivendo e tá sendo tão bom,
mesmo sabendo que nada é melhor do que simplesmente viver.

viver hoje e com você.

maria triste

pálido
abrupto.
uma voz ecoa no meio da noite.
no asfalto das ruas sem ninguém.
Sem alguém que ouvirá.
Todos os dias nas ruas vazias,
quantas vozes hão de existir,
para ninguém ouvir.
Eu sei que essa dor de garganta
é dor de silêncio apriosionado.
Que a dor de ouvido não é maltrato
(que na nossa classe desse mal não padecemos (muito)),
é querer igualdade e calar aos outros.
Quantas bobagens procriadas,
na fome do entendimento.
Ela passando
a luz bem baixa
vestido no vento e saudades.
Há paixão,
mas também a vida,
não basta.

branco

Era assim,
e mais nada
o silêncio da raiva.

terça-feira, setembro 29, 2009

sopro

eram os peixes que me beijavam,
que pele macia de mulheres,
os peixes eram todos encantadoras moças.
garçonetes, cantoras, frentistas.

baibeq

eu vi um muro de pedras.
eu que vi
dei um murro,
no muro de pedras.
antes de ver a dor era covarde,
sete dores em sete lugares.
dei um murro e a dor jorrou,
em dor e em cor,
para fora com a dor,
que eu quero ver os seus olhos beges.

oceano

eu senti com a boca o gosto do mar.
era um gosto branco do sal,
e não azul,
nem verde.

dança

ver de ver ela via.
a janela embassada,
os filhos correndo na cozinha.
ser de ser,
aquele corpo de movimento,
de pés e ciranda,
dança de roda menina bonita de se ver.
ver de ser ela se ria,
toda esbaldada na mentira
do charme todo que a mim e a ela unia.

segunda-feira, setembro 21, 2009

42

o quarto branco retumbava qualquer som.
houvesse gota ou sussurro.
o homem das prateleiras levantou o dedo e todos tremeram de medo,
anonimidade de destino, controle indesejável de acaso.
a voz grave do homem, como todo o resto, retumbou.
- número 42.
silêncio de precariedade no quarto branco,
só um respirar mais denso escondido por tantos corpos.
os números assustados foram abrindo prece, deixando nuzinho no fim da fila o 42.
era um homem negro e magro, com as carnes carcomidas de fome, os olhos secos de tristeza por demais antiga. o corpo todo demonstrava todas as fraquezas que podem dar no fora, as marcas e marcas de muitos homens por demais crus. a mente acesa nos olhos, entretanto, o andar de quem engoliu o mundo, preferindo que se cuspir.
o negro era além do corpo que o possuia,
causava o espanto nas pernas que a ciência disse que não o sustentaria.
a fome assentada em esquecimento,
e mais uma vez,
a mente acesa nos olhos.
a voz grave do homem inqueriu.
- e para que porta pensa que vai?
o negro em pé olhando as portas.
o negro com os olhos mudos.
o negro existindo com as duas pernas negras tremendo,
o negro para além das pernas, sendo.
não precisou juntar as forças para continuar a andar,
seguiu os próprios passos com paciência e passou o umbral da porta direita.
a voz grave do homem se calou satisfeita,
o homem negro não precisou pensar.

puxa

o seu peito passava a noite cantando promessas.
essas promessas eram: os sonhos lindos que vivia-ter.
metade era ter os sonhos,
a outra metade prometer viver.

então amaldiçoava o peito quando vinha a noite, e às vezes o sono, mas não o sonho.
não gostava desse cantar bonito,
que só fazia mais escura a treva.

outros nomes para a angústia

era de um dizer e de um sentir bem simples,
essas coisas que pensava.

por um lado a casa amarela cheia de filhos,
os filhos eram os sonhos,
porque a luz dos pensamentos era as cores que queria.
o desejo do possível,
do sem saber inútil,
bom da matéria vida,
cheio de leveza e presente.

no outro olhava ao contrário o relógio no pulso do professor,
pra que a aula fosse de uma vez pra fora daquela porta.
embora tivesse pena daqueles ponteiros,
cheios de ordinariedade,
apostando corridas como que loucos,
no ritmo da marcha eterna,
voltando sempre ao mesmo lugar.
era uma pena parecida que tinha às pessoas dos pontos dos ônibus,
dos pontos das companhias.
lhe parecia característica teimosa do tempo,
isso de ir e sempre voltar.

terça-feira, setembro 15, 2009

carlos drummond

ele primeiro viu o amor, viu a paixão, a desavença, o orgulho. ele viu o ciúmes, viu o perdão, os lapsos violentos passionais, e cheias de paz tranquilas tardes. ele viu o sexo quase vazio, e o amor da quase morte. viu a ebriedade infantil, e a sobriedade dos bem velhinhos. passeios no mar também viu, e eu vi ele nos acompanhar. estava lá quando dormimos juntas, sem se tocar e nem pensar, exaustas de gostar tanto. ele viu quando eu fiquei vermelha e você morena, quando eu perdi a cabeça e você encontrou (e soube devolver com jeito). ele viu quando você ficou vermelha, do susto de ser tão bonita. viu a púrpura na pele e os rasgões cardíacos, da conduta de baixo calão. viu quase traições e arrependimentos. erros ludibriados em acerto. gostos doces, alguns azedos. cheiros ternos, e outros fortes. ele viu as bocas, os corpos e além.. viu muitas outras coisas, que não ousou compreender.

moças

o gosto azedo na boca e amarelo de quando não se vê alegria.
nem se cheira.
a garganta seca com os olhos intrincados.
uma visão de seca em solo urbano.
rachaduras na terra desse seu asfalto.

a cidade morena alta,
a cidade bem pálida,
doente, distante, sem ar.

a cidade extra,
extraterrena terrestre.

os olhos da cidade por cima dos meus ombros,
olhando sempre além.

ô moça, pra onde você olha?
no que você pensa quando com essas pesadas gotas me molha?
com que humor transparece nessa chuva.

cidade de moça feia,
mal feita das pernas e dos jeitos.
moças dos olhares distantes,
de fome apenas na pressa.
de moças do olhar brilhante,
de festa e de fim.

moça e cidade de fim de festa,
nessa madrugada de lama,
na rua,
chutando pedras.

quinta-feira, setembro 10, 2009

pré

via, pois sim,
mas bem mais do cinza de quem sequer vê.
era ele ali quem cumprimentava,
chamava os nomes bons da parentada,
todos mortos e em fileiras,
prontos pro assovio e sua hora.

depois era a menina quem passava,
também dizia a benção,
politicando os caminhos de pedra cascalho areia pó e preguiça.

nas varandas esperavam o dia,
pois as cores do céu anunciavam,
naquele tempo,
o futuro - instância ainda cru do porvir.

o pó também participava da brincadeira do tempo,
agasalhando os móveis
e dando o que fazer ao tédio das mulheres amareladas.

ninguém ali tinha fome,
porque um dia todos combinaram de esquecer
e hoje vivem de esquecimento.

a vila obliviada subsiste do seu comércio,
trânsito incoberto de viver recordações.

dia

ah, se acordar levasse embora o anoitecer.
da transparência das pálpebras,
do escuro do dia,
vazio gotejante de chuva contínua.

ah, se o sol também pudesse
encher-me de fogo por dentro
como por fora o dia nasce.

mais nada,
se os astros me conduzem,
dou-lhe as mãos e o passo largo.
nenhum sorriso,
os olhos bem fechados.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Quando eu era menor ia muito a casa da minha vó. Ela era muito elegante, e ao mesmo tempo calorosa, nos tratava com a intensidade de afeto que recebem as crianças, mas não com a forma.
Ela nos falava coisas de povos antigos, e de línguas estranhas.
Nos mostrava os objetos sedimentados de suas viagens,
e seu conteúdo arqueológico.
Foi ela que me ensinou: in vino veritas.

terça-feira, setembro 01, 2009

a porta

Ela me chamava de detrás da porta.
Ela que sabia meu nome, me chamava.
Ela que me amava clamava, atrás da porta.

O som da madeira é oco,
agasalhado.
A porta não deixa a temperatura passar,
protege o verão dentro da casa.

Também não a vejo atrás da porta,
se ela tem olhos claros,
modos escusos,
não sei.

Se ela rói as unhas ou gosta das nuvens,
isso tudo só posso perguntar.

A porta não abre,
a porta sem ferrolho,
e sem lado de lá.

A porta passagem
e também ausência.

A porta amor.
Mas amor sem oco,
mais eco.

Amor agasalhado sem porta,
só janela.

a paz do mar

Ela sempre chega,
mansa e ilesa,
e sempre parte.

Quase não conversamos,
não nos olhamos,
mal dou-lhe a face clara
para beijo de reconhecimento.

Ainda assim,
no entanto,
sinto-a próxima.
Densa dentro de mim.

Como uma conversa calorosa,
sobre tempos tão antigos
quanto o mar,
com seu azul, sua calma.

A paz do mar.

sábado, agosto 29, 2009

o sonho do sonho

se sono me espalho,
não há corpo que me seja
não há pele
não há rosto.

quando acordo apenas banho
que me organiza se há sol.
toco-me os poros,
chamo-me gente com algum nome que encontrar,
sinto-me e sei.
passo a conhecer o limite da pele
que é onde o mundo acaba.

a rotina secunda o mesmo,
os horários coincididos nos relógios das gentes,
linhas de ônibus coincididas nos mesmos espaços.

a noite tudo dorme se espalhando,
esquece o nome,
e perde a hora.

a noite tudo é sonho,
rua é sonho, cão é sonho.
tudo a mesma massa porosa.

de manhã por acidente,
tudo volta exato ao seu lugar de ontem,
sem suspeitar e sem sono.

sexta-feira, agosto 28, 2009

um dia

não era um dia frio,
não era um dia quente.
digo isso pois assim me situo,
como se relembrando as nuances de temperatura na pele
pudesse me sentir um pouco mais una,
como se não me espalhasse pelos tempos e espaços.

a princípio era um dia,
relevante que vinha logo depois de uma noite,
de bocas suadas de álcool e insônias mal situadas.

nesse dia que te falo ela chegou linda,
vinha com os lábios bem vermelhos da dor da tristeza do salgado da lágrima.
os cabelos molhados como se esbanjasse uma limpeza
que na verdade,
depois daquela noite,
não possuia.

não olhou para mim,
olhou para os cantos,
mentindo verdades,
como se não quisesse estar ali.

eu era um cadáver vivo,
fui depois saber.
tocando uma melodia crua no violão,
as olheiras fundas
como se dali nunca mais ousassem sair.
e a pele pálida.
de susto talvez,
por a ver e a gostar e ter medo.

algo nos rondava,
como um vaticínio -
sombra de rompimento.

eu mostrei meu poema
que ela modificou um pouco com sua própria poesia,
manchando as palavras dispostas logo abaixo do seu rosto.
eu tinha dor e a amparei.
ela tinha dor e se deixou levar.

os outros mais uma vez haviam doído em nós,
marcando o nosso céu com sua inveja e sua irresponsabilidade.

eu não precisava de muito para deixar esse momento passar,
a dor, a angústia, a insegurança, a vingança.
isso tudo havia de passar,
eu a amava,
e basta.

quarta-feira, agosto 26, 2009

produção

a improdutibilidade como fantasma,
fazendo me como que persiga tais sombras.
reconhece mistérios no coração da cidade,
em meio a lama urbana,
ônibus, e saturação.

listas numa folha real
o presente sendo o antes e o depois do já,
olho-me as rugas no espelho.
as rugas dela
as rugas dele.
em tais labirintos do espelho é que me perco.

o melhor de mim é o que dorme,
pois tem sono que é vida
e sonho
criação.

sexta-feira, agosto 21, 2009

quarta-feira, agosto 19, 2009

na saúde e na tristeza

hoje eu via ela por vezes
mas via porém como se não visse.
tocando como se não tocasse
como num sonho num passado,
sem estofo.
pra ela eu acolchoei todo o meu dentro,
pus uma luz bem boa e fraca de prazer
cores bonitas e uma alegria de simplicidade.
pra ela nesse dentro eu construí uma cidade,
ela vinha se acolchoava e ria das minhas caretas.
eu ria pra ela, o dia passava.
sentia sono e dor de tristeza no teto daquele lar.
as músicas da luz da lua incisiva no zinco,
pra nós não.
pra nós era só tristeza.
mas tristeza sorrindo.

espaço

se sinto faz que tem que pensar
se penso sinto só e pouco
se vou parte fica
se não na boca o que sobra é gosto ruim.
é mofo
é praga
coisa de coisa errada
de cidade maior do que o coração.

vai dia

carece de ter sorriso nesse dia mudo.
faltando dessa alegria barata do músculo num relaxo só.
tem dor nas vértebras e sombra no olho,
sem brilho esse,
só reflexo do dia que sobrou em escracho.
passa dia menos dia e só de ver
é o velho progresso,
coisa de positivista,
pra mim não há de servir.

carece dessa alegria barata.

segunda-feira, agosto 10, 2009

davião

visto das nuvens distantes o tempo se extingue e compreendo o mar não mais como pulso.
contemplo seu movimento estático e suas formulações físicas,
forma criada pela constância de seus atos.
as pedras então tornadas relação,
o sol discriminando o brilho,
o mar tornado força parada,
impenetrável mistério
energia.

sexta-feira, agosto 07, 2009

Pedro

se você me dissesse que conhece a solidão, eu teria que te contar de Pedro. se você pensasse que sabe alguma coisa sobre o frio, eu teria que te mostrar a casa. e se então você não ficasse pálida, eu teria de te mostrar a porta.

piegas

soavam os minutos
toada dentro da melodia.

cubismos confortáveis
e o pulso no corpo.

janela de fusco,
chão de estrelas,
dentro de um verão
que se inventa,
o amor suava.

quinta-feira, agosto 06, 2009

pétala

ela entrou fazendo vento,
todo mundo se virou pra ver o exagero,
pros da direita era loira,
e pro resto toda morena.
vestido verde de mata,
o céu azul dos seus olhos,
a mulher crocodilo dos dentes de aço,
me acalma enquanto mergulha na minha carne.

quarta-feira, agosto 05, 2009

mar

Era uma vez um reino presente. Berço das cidades e dos espaços sem dono, terra de sol e sal e carne. Nele vivia a gente do ouro, a primeira geração dos homens, os primos dos deuses. O ar que respiravam era cheio, e o olhar que distribuíam era inteiro, por isso as terras não tinham nome, e todos eram igualmente ricos.

Certo dia, porém, um estranho forasteiro apareceu na vila das gentes. Ele tinha o andar moribundo e seus olhos outrora pertenceram a esguelhas. Uma noite apenas o forasteiro passou na cidade, e uma noite bastou para que dela ele levasse o reino.

Pois um feiticeiro novo lhe contara, que se ele roubasse a vida do menino mais velho da casa mais afastada da vila de ouro, ele lhe restituíria suas maneiras agéis, os movimentos precisos, e a claridade das idéias, perdidas nos anos em que trabalhara para os senhores daquelas terras escuras.

Quando a manhã nasceu, anunciando com seus fios crepusculares o triste desígnio, os pais levantaram-se e foram até o quarto do seu filho esperando o acordar com o olhar. Ao encontrar a cama nua, ambos saíram ao relento e clamaram aos céus, chamando os nomes de seus parentes.

As nuvens passaram em luto silencioso, o sol iluminou-os sem calor, era um dia sem cor e sem esperança.

Perante o silêncio, o pai sentiu-se cal por todos os seus dentros, e embaixo dos seixos do jardim pos-se a chorar as lágrimas contínuas e fundas do desconsolo. A mãe, entretanto, que sabia do tempo a mudança, calou-se em espera estática, e pos-se a trançar as lágrimas do marido.

Depois de dez mil dias e dez mil e uma noites o choro trançado se transformara enfim em mar, com seus pontos cintilantes sem abraços, com o mover do espaço e a sabedoria do tempo.

O mar muito grato, despos seus braços sobre as outras cidades, encontrando o jovem menino e o trazendo de volta para sua casa.

Ao retornar a vila o menino mais uma vez encontrara as riquezas do olhar inteiro e do peito cheio, e rico da maneira que se encontrava, tornou-se rei, com seu manto enorme e profundo chamado mar.

nós

eu te seguro no ar suspensa no olho.
há os outros,
pois sim - os outros.

eles trocam palavras duras entre si,
e tem nas mãos tiras de papel,
que sangram sem perceber
aqueles que cercam seus movimentos impensados.

ontem quando te segurei nas mãos
procurava a palidez morena,
encontrei os diversos traços da solidão dos outros,
ainda não cicatrizados.

no conjugar impreciso do diálogo
te afastaram esses olhos
deixando sambar apenas o batuque raso
dos erros a que persistem.

e quanto aos outros,
perguntas o que faço.

eu te amparo no ar suspensa no olho.
há os outros,
pois sim - os outros.

segunda-feira, agosto 03, 2009

cal

esse mundo de fora,
das paredes caiadas,
ordenam seu caráter desértico.
enchendo os olhos de branco,
velando a boca de pedra.

os vultos dos mortos anunciados no vento.
secas as mulheres e seus pés de barro.

ordena tal mundo externo
a composição de um hiato.

partida

seria dentro de mim um retrato frio,
meus dedos tingidos do pó que tiraria do seu rosto.
era um ser que olhava pela janela,
se contentando com as sobras
da sua presença indo embora pro trabalho.
você estava tão perto quando eu te olhava pela janela,
se eu gritasse você poderia ficar comigo mais um instante,
apenas um instante pelo olhar.
mas mesmo se eu tivesse voz não adiantaria nada,
eu não conseguiria conter os minutos,
e cedo ou tarde teria de apoiar o meu corpo contra o frio do vidro.

ar

respirar parece importante. parece muito mais importante do que a maioria das coisas, e deixa a gente meio frouxo por dentro.
quando a gente respira é mais fácil ser feliz e mais fácil ser triste.

sair de casa

andar imprime às emoções ritmo.
o sol bate no fundo da retina e não há reflexo:
ela o retêm.
se alguém cantasse só auxiliaria nessa questão do pulso,
a leveza de uma conversa amena
ou de um acontecimento banal
e por isso mais bonito.

sábado, agosto 01, 2009

lavanda

Havia uma semana que eu me preparava. Me olhava no espelho todos os dias procurando as imperfeições que ainda poderiam ser corrigidas, só para os seus olhos. Comprei talco e lavanda, para que no dia eu tivesse um aroma fresco, que em nada identificasse os meus termos frágeis e sem saúde. Escolhi meu vestido claro para que ela pudesse me olhar e lembrar do seu passado, de verões, e de tardes ensolaradas. Passei o mesmo vestido a mão na noite anterior, tomando muito cuidado com as pregas delicadas, para que se ela me chamasse para dançar eu pudesse rodar com leveza.
O sol nasceu conforme eu acordava, embora eu não tivesse essa noite visitado o breu. Acordei bem cedo para me lavar e para poder sorrir da alegria de ser, enquanto você não chegava. Os pássaros começavam a cantar e eram meus companheiros na imensidão da vida: ambos sabíamos o seu segredo. O sol caminhava rapidamente, mudando as cores das folhas. A vida improvável brotando da terra apenas pela menção do seu nome.

5 da manhã

liberdade é essa coisa frouxa.

sexta-feira, julho 31, 2009

madruga

tinha uma época em que a hora que eu mais prezava era a madrugada.
a madrugada sozinha em casa.
como uma liberdade de cães dormindo.

nessa hora guarda nenhum me advertiria,
simplesmente me desejaria uma boa noite,
e iria derradeiro depositar suas coxas nas de alguma moça.

os ladrões também estariam dormindo,
e se me vissem seriamos amigos
nessa madrugada antiga.

apenas um ou dois gatos andando na rua,
deixando-me sobras dos seus carinhos
como olhares de relance.

houve uma época em que a madrugada era minha hora preferida.
não é mais,
hoje há algo que não dorme.

claustrofobia

acordo com o corpo moído. não entendo minhas partes, nem meu exterior. estou num quarto de vidro e chão de pedra. a transparência do vidro não revela nada, o que houver do outro lado não me é. no instante em que começo a entender minhas novas cores e formas, meu aquário começa a se encher. nas diferentes fases do preenchimento, tenho novos reflexos no peito.

agora vivo o desespero.

lapso

faz tanto tempo que não saio de casa,
que meus nervos comprimidos nessas paredes não tem desejos.
o pijama me cai muito bem,
minha cara sempre comportada.
meu avô sempre me disse que eu tenho um rosto de credibilidade,
que deveria ser médica.
talvez seja carisma, paixão,
ou esses cachos claros.
algo esconde minha verdadeira índole.
algo atrás desse pijama com uma força ancestral para a destruição.
vontade de sair as ruas e encher os ouvidos de onipotência,
com violência e alcool no sangue maltratar alguns com dor,
outros com carinho.
dormir com gargalhadas desesperadas
e acordar com culpa,
e um pescoço cheio de marcas.

amargor

eu conversava com ela num último impulso sem razão, com a longínqua esperança que as minhas certezas bastariam. mesmo sabendo que para aqueles frios olhos verdes não há nenhuma certeza exceto as que lhe pertencem. eu quis alcançar seu braço como forma de coragem que tenho dentro de mim de bancar achar as coisas que acho, e por isso saber que dói igual enfrentar ou fugir. nesse sentido sabia ser mais fria do que ela, que afastava-se do quente dos seus olhos castanhos fugindo a esses embates semi-abertos. ela disse não se importar mais, e eu não esperava que ela tivesse coragem de mentir pra mim. das coisas que falei e que fiz o seu equívoco, da inabilidade de ver as coisas por outros parâmetros, talvez por medo de machucar sua extrema sensibilidade.
acho que agora encontro por fim as palavras, encontro por fim o carinho, e tento reencontra-la. pois sei da sua frieza a ternura. reconheço do seu olhar imóvel e intransponível o desespero. e estendo meus olhos a sua vista não por um passado, pois não sou uma pessoa de passados. estendo meus ohos pois no momento e no espaço há razões que me secundam. pois tenho veias cheias de sangue, e elas sabem o seu nome.

relação

terá mágoa a flor do ciúme,
e sua memória.
terá matéria a raiva,
daquele que lembra e traduz.

pois dois somam confusão e atrito,
dispersos em lados opostos
criando o laço,
que na ilusão de os unir
os separa.

no entanto é imperativo o presente
para dois calores que se olham,
e o momento e a claridade os faz sorrir.

separa-se então a tensão do laço
e pelo abraço
o amor dissolve o poder.

o processo

não são ondas.
ondas de lugar nenhum para as costas de algum país.
dança do vento, do tempo, da lua.

não.
é um processo.

o processo pode ser uno,
se você abrir os braços e ficar sem ar.
mas se você queimar as etapas,
e fugir pro bar,
pode crer que o processo vai voltar.

quinta-feira, julho 30, 2009

clarice

mais uma vez separadas.
como se uma mão tivesse baixado nos olhos como castigo
e dito:
sem ela para você será impossível,
terá dor e saudades até parar de fazer sentido.

porém, quando tento ve-la há outra voz,
que castiga meu torso e não convém,
que trás doenças, viagens, batidas.

e a única coisa que acalma o desconsolo
é a lembrança do seu rosto
do seu corpo morno
do seu carinho silencioso.

somos um par do silêncio e do estar,
porque a felicidade não precisa de voz.

quarta-feira, julho 22, 2009

sol em gêmeos

passa os dedos pelos cabelos do fogo sem medo de se queimar.
vão descendo as cervejas em fluxo intenso sem medo de se queimar.
chegando no bar se senta com as pernas abertas, e um sorriso seguro.
o que falar não importa e tampouco importará,
seu coração não está ali e nem em lugar nenhum.
as meninas enfileiradas em sonhos nas barcaças dos bares esperam
o seu charme fácil.
pois não tem nada a perder suas palavras são muito interessantes.
apesar do frio da noite e dos seus olhos claros
suas mãos e seus braços ainda são quentes,
e aquecem bem as mulheres.
no entanto quando chega a manhã e seus músculos cansam do espetáculo
ele as devolve ao frio,
muito interessado em conhecer
os hábitos reprodutivos da lagarta asiática.

terça-feira, julho 21, 2009

la jeteé

misiótis na sua varanda. tortas de maça perdendo seu calor no beiral. telhas ruivas com marca do tempo, pássaros cagões. o sol oblíquo. a lua ausente. os parentes apenas nos portas retrato.
nessa tarde uma distante vontade de saber tocar o piano. de ter coragem de entrar nas águas frias e abundantes desse lago.
abrimos os ventos dessa visão com os dedos. os segundos do tempo se emaranham nas nossas mãos. no início estamos ofuscados. aos poucos nos encontramos sorrindo uns pros outros, num velho banco de madeira.
sorrindo de forma ingênua, sem saber que o futuro está sempre a espreita.

escatologia

o primeiro sintoma é a fome que sinto quando,
a fome e o desespero da fome.
a mesa farta da minha mãe aos domingos.
o exagero para uma fome que não chegamos a ver.

breu

um fio de náilon desce pelas vestes quentes de dentro do meu corpo.
faringe, laringe, diriam os médicos. um médico alto, judeu, satisfeito.
descerá por essa umidade morna tantas palavras tantos sons tantas imagens.
atravessará o cansaço mórbido do respiro essas idéias,
as sombras do que só sinto.

óbito

o sal pelo corpo acendendo os poros.
o rosto coça da vontade de abrir-se.
vozes chamam da alcova, do quarto.
um gosto imberbe na boca,
apesar do corpo fraco.

segunda-feira, julho 20, 2009

cantar

os mares que vi entrando no reino silencioso do teu cheiro.
o som das matas a me acompanhar o tejo,
olhar de caça, mão de correnteza.

assim foi o nosso dia perdido no tempo
como enxergar as escuras energias transitando entre nossos corpos,
imagens que se prendem à retina,
e vontades soltas sob a língua.

sem lembranças de passado ou planos de futuro
te olho assim
como o mar me olha
perfeito no seu tempo,
como um momento de grande amor.

sexta-feira, julho 17, 2009

hoy

faz tanto tempo que eu deixei de a amar.
tanto tempo que eu abri mão desse estado e passei a olhar para os cantos em busca de algum sossego. Porque seu coração sempre foi desassossegado, seus olhos sempre foram densos de brutalidade, e seus lapsos.
a tudo eu também suportava, apenas por amor. suas palavras difíceis e seus sorrisos fáceis, o seu cheiro forte, sua abstinência. Então o mundo transformado em outro pelas minhas palavras a esconde em outros lugares de difícil procura. ela some em dias de cego, em danças e enleios. ela se esconde embora eu a encontre sempre. e é por encontrar que dentro de mim peso. ela se dirige a mim violentamente, penso que talvez mereço, ela não me diz nada, ela diz que não dirá. ela se cala. e quando o meu peito bem leve se contrái, eu volto a pensar que faz tanto tempo que eu deixei de a amar.

cordão

cai uma gota densa no espelho desse novo dia.
cai já se infiltrando ócio no ódio que não quer calar.
lágrima clara emoção escura com a água lava.
desse dentro úmido e fundo em que eu deixei cair o meu cordão.

quarta-feira, julho 15, 2009

clarice

No começo eu não me importava muito. A vida fácil sem aquelas emoções de rasgar o peito, naquele dia eu era alguém que de bar em bar não criava vínculos, mas olhava fundo nos olhos pois na verdade cheia de desespero. Num dia de lua brava e muita cerveja, ouvia os cantos da minha voz limpidamente amplificada pelas atenções de quem queria escutar. Escondida atrás do violão eu me projetava, cravando os olhos viris, embora frios, no seu rosto que nunca ousei imaginar.
Naquele dia nada entrou em mim, embora no ar um elo tenha sido feito.
Um mês depois a vida sem alegria você voltava. Um pouco pela tristeza nos meus olhos, um pouco pela temperatura da sua pele, o flerte parecia uma boa armadilha para se cair numa noite de verão. Assim nos deixamos levar pelo rio caudaloso e sem medo de tanta bebida. Caímos nas nossas próprias desculpas, e eu lembro de sem direção abrir os olhos e sorrir da alegria mais pura, ainda sem entender o porque.
Você dormiu semi nua e sem os meus braços, a noite passou em outras aventuras, e eu amanheci sentindo pela primeira vez saudades. Como quando meu peito ainda não tinha sido talhado pelo amadurecimento e pelas desilusões, o dia seguinte de sobriedade travou uma disputa entre o corpo debilitado da ressaca e as imagens contínuas de uma bonita noite em que o seu corpo e a nossa luta tinham marcado minha retina.
Os compromissos sem razão feitos em dia de paz prevaleceram no meu interior. Por tempos idos de paixão o seu nome eu não deveria chamar, embora ele não saisse da minha língua. O mundo do lado de cá caia sob meus ombros, sem saber não gostar de quem eu pensava em casar. Havia uma espécie de paz nos meus dentes, paz de amor adquirido, pois eu sabia que aquela noite não morreria sozinha. Passaram meses, um ou dois, nos contatamos em discursos amigáveis e até mesmo sinceros, uma ou duas vezes insistimos no tejo, você se segurando eu me perdendo. Eu tinha o compromisso com quem amara, você tinha um moreno pra se perder em sexo e ternura, nós tínhamos os amigos, e a facilidade da amargura.
Então inventamos um de repente (embora não fosse de repente que ambas as nossas relações estivessem se deteriorando). Uma noite ingênua e sem futuro, como o são todas as noites da semana, uma cerveja ingênua e sem futuro, uma rua perigosa, uma rua próxima. Sinceramente bem intencionadas fomos até minha casa, te emprestei uma camiseta larga, escovamos os dentes, e nos preparamos para dormir. A luz se apagou, e o nosso elo deixado de lado por meses, fermentando na escuridão da censura, se acendeu. Duas horas de receios e calor, para mim aquele dia o nosso elo sangrou, tornando impossível, assim como ainda o é, a vida longe do seu corpo e dos seus olhos morenos. De repente adquirimos uma familiaridade antiga, tornamo-nos em um instante sangrado um par, mais forte que as amizades e que o outro amor poderia suportar. O que ainda acabou por nos aproximar.
Os outros dias não sei mais diferenciar, vem pra mim como um tufão, como um somar ventanoso e crescente do seu cheiro. Sei que aos poucos fui perdendo vergonhas, adquirindo carinhos, vendo nascer manias e jeitos, tateando suavemente e com respeito um amor que vi nascer da espontaneidade.

obsessão

aos poucos se tornou uma obsessão.
No início parecia simplesmente uma boa idéia, parecia condizer com aqueles momentos ríspidos pelos quais passava, com o simbolismo liquído e moroso de sua emoções. No início era apenas a fluidez da água que a encantava, o resguardo da civilização moderna pelo fluxo da vida e da água. Para tanto ela enchia sua imaginação com canos de pvc, com tintas escuras, caminhos intermináveis de lã e fibra ótica. A imaginação cobrindo os quilometros inúteis dos muros das cidades.

Tornou-se uma obsessão quando ela deixou de compreender que a água é fluxo, e portanto puro movimento. Com seus signos mutáveis esqueceu a lembrança de que tudo é mudança, e que isso quem faz é o tempo.

Hoje as tintas escuras dos seus canos evaporaram, transformadas pelo tempo e pela água em uma estranha formação escura e densa, chamada Nuvem Negra.

mandinga

duas jabuticabas a guardar os segredos da minha pele no fundo do seu rosto.
ao invés de dormir ela me tocava
reacendendo todos os cheiros que trocamos de vez
procurando uma espécie outra de alguma paz.

eu me movia silenciosamente por aqueles lugares que comecia a conhecer,
pretendia ser luz, embora um desejo escuro estivesse fundamente infiltrado nessas intenções.
ela intermediava o vento de sua índole com a escuridão de seus mistérios.

nos amamos sem subterfúgios nem iluminação,
na sala uma vela branca queimava por nós.

segunda-feira, julho 13, 2009

sol

o homem de gravata parecia me conhecer, ou simplesmente saber não conhecer ninguém, pois abriu o portão sem sinal visível de questionamento, embora eu não morasse em nenhuma daquelas casas amplas, deitadas sob o sol. o carro passou pela rua sem muitos objetivos, estendeu-se embaixo de uma janela a trinco, e desprezando toda a amizade recém feita com o porteiro pos se a buzinar sons do dessasossego.
o corpo negro e cinza em uma superfície lânguida e lisa nem sequer se mexia. estáticos os cabelos a sonhar. o ar parado de um quarto em que o sono não tem tempo de respirar.
no sol o carro movia-se em desespero. a menina ou o homem que dentro dele existiam puseram a tocar a campainha.
no cinza o corpo dormia,
resistindo aos apelos do sol.

quarta-feira, julho 08, 2009

tristeza

em algum lugar dentro de mim eu atravesso ruas sujas, escuras, úmidas.
vozes me chamam de dentro de quartos escusos, com lamparinas chinesas e pernas de fora. um gato, ou dois, cruzam meu caminho
- sei que são como eu, e que essas ruas para eles também são invisíveis. por vezes ouço rabichos de música que gostaria de continuar ouvindo, mas vejo astros na noite que me guiam.
por vezes me esqueço e entro num quarto branco. uma mão me anoitece os olhos e deito nua. sinto umas cócegas largas, mornas, no ventre. são minhas irmãs que me trazem notícias da ática, ninando um sono que não virá.
nesses dias lembro às vezes do teu rosto. a sua pele é delicada e me faz chorar. quando te lembro tenho uma vontade imensa de receber cartas.
mas sei que nessas ruas que ando não há endereço,
solidão e tristeza como casas sem número,
textos sem direção.

domingo, julho 05, 2009

conversa de aves

pálpebras fechadas, o sono acordado.
os sonhos não estavam dentro do corpo,
estavam no ar, rapidamente percorrendo milhas.
o mesmo barulho do mar a lembrar e esquecer,
pois ainda o era, embora consola-se.

sexta-feira, julho 03, 2009

solidão

as luzes dessa cidade escura me enchem os olhos.
passam os feixes vermelhos por trás da retina,
entorpecendo sensores cansados.
o sono talvez surja como alternativa a fome seca,
ou talvez o susto de olhar-se e não estar nua.

o mar é o único que me consola,
lambendo-me os pés infame,
mostrando-me os seus delicados músculos.

A noite durmo mal e pouco,
tateando os sonhos no escuro,
respirando o ar que você me deixou como lembrança.

acordo com as mil atmosferas a me absorver e levar embora
o sol dissolve tais emoções
e mais um dia passa assim
marcado a lápis
numa parede que não me pertence.

quinta-feira, julho 02, 2009

saudades

A cidade de areia contruída aos meus pés cheia de uma espécie de vida constante da água e da fome. Isso visto assim nas coxas morenas passando nas ruas, bicicletas magrinhas, restaurantes e comentários. Visto inclusive na lua que a tudo olha e julga muda.
A cidade com o moroso movimentar das coisas vivas e antigas, e você em outras pairagens. Pensei assim de repente em quanta cidade-todas sem você, todas vivas, a se movimentar.
E o movimento me pareceu vão.
E lembrei de qualquer cidade.

Assim senti uma mão cheia de gentiliza a tocar esse velho peito.
Me disse umas coisas mansas.
Me disse umas coisas boas.
Era você que vinha de outros tempos enquanto eu balbuciava uma língua nunca antes falada.
(Era o seu nome, cheio de vírgulas, que assim ousava pronunciar).

O dia então veio e me trouxe inteira.
Na mão e no olhar.
Eu ainda não te encontrando perdia-me nesse peito doido,
mas não importava.

O tempo
há de passar.

segunda-feira, junho 29, 2009

fic

Ela abriria os olhos nessa segunda feira como se o ano fosse outro, o país, e o sexo. Acordasse francesa nem saberia que horas eram e deixaria a fome para o vento, o café na janela. Porém, abriria os olhos, deixaria o corpo se levar pelas pernas e talvez fizesse outros amigos.
Era segunda feira e acordou com os braços doendo, e um vontade frouxa de não se ser não se vendo.
Era pouco e acordou, como se os dentes ainda não tivessem nascido e no lugar dos olhos tivesse apenas filmes mudos, amores brutos.
Acordou sem dentes, embora mordesse. E ainda dormisse.
Viveu, porém por breves momentos
e apenas nua e bem viva
no centro de uma mentira.

quarta-feira, junho 24, 2009

morte rápida

fecha meus olhos antes que o sangue comece a escorrer pelas orelhas, pelos olhos, os miolos esquentem e tudo vá pelos ares.

a ilha das quatro da tarde

O tempo é que faz a terra levantada pelas rodas do carro baixar ao chão novamente. O tempo de secar a lama da chuva. o tempo de lembrar, e o de esquecer.
giraram em falso um pouco as rodas desse carro que logo chegaria. trouxe consigo novidades do passado, alegrias passageiras.
os animais pressentiram a milhas. agitaram-se. entraram no lago como forma de anoitecer as emoções.
o instante do chegar era um instante perdido.
o sol lambia a encosta numa constante inclinação de fim de dia. os pés nos charcos de outros meses. outros animais perenes sutilmente nos dando a conhecer.
pouco se disse, e mesmo, pouco se fez.
entretanto aquele cheiro lento - aquele jeito de ser - embrenhou-se como marca cardíaca,
que dará ou em saudades,
ou em poesia.

quinta-feira, junho 18, 2009

flores horizontais

flores brancas que vejo na murada de um sonho.
por cima de visgos e trepadeiras. sempre por cima do sonho.
acordada pois tudo lógico, na verdade dormia da certeza de que tudo poderia ser outro. nós como músicas rodando mundos em lp's antigos. nós em capaz envelhecidas de antigos cartazes. nós velocidade razante de outros automóveis. nós enfim. até isso acreditei ser possível.
acreditei ser possível a vida na morte. pois a música tocava nessa realidade densa de que te falo e eu em um minuto parei-me os momentos, e lembrei de ti. lembrei de ti e te ouvi cantando.
quando acabou a música nada mais dispos. voltei a aqueles momentos.
momentos envelhecidos pela passagem de uma memória. os mesmos rostos.

terça-feira, junho 16, 2009

raw

a emoção era enorme.
por isso tanta inconsciencia com esse tal de tempo presente.

segunda-feira, junho 08, 2009

à

Cara,
quando eu sonhei com você estávamos envoltas em sonho. Você me olhava eu te olhando e não tínhamos medo dessa felicidade. Você segurava uma prancheta branca, toda simples da verdade de estar num dia a dia. Estávamos num dia a dia, como há um tempo atrás. Acordei e era outra. Mal lembrei. Acordei com uma certa tristeza nos olhos, podia ser frio, ou ainda a sua imagem colada nessa superfície de ver, mas na escuridão de um pensamento.
Demorou pra eu te lembrar. Para eu te trazer dessa memória ainda distante. Foi aos poucos, como uma água inundando. Foi assim que abri os olhos e te tinha. Você vinha com o nome saudades e eu alcançando o braço te levava comigo. Fazia tempo. Andamos juntas na rua, rindo porque era de se rir. Chegamos, você se despediu. Ficamos sós.
Meus olhos se encheram novamente de escuro. Virou tristeza.
Eu lembrei de você e pensei, até um outro dia.

limão

hoje eu era um mar revolto um vento forte um dia cinza um peito em brasa.
hoje, em alguma hora.
deram-me limão forte e o gosto que senti foi o mesmo.
o gosto das frutas que tem o gosto dos dias que tem o gosto das dores
que nunca é o mesmo.
porque hoje eu senti um gosto novo de limão azedo.
minha cara pensou em deformidades
começou a fazer uma careta
e parou.
parou para respeitar o gosto novo de uma fruta nunca antes vista
que descia por uma nova garganta sem ajuda, sem respirar.

hoje eu senti o gosto de uma nova tristeza.
nesse novo dia respeitei a tristeza que descia sem ajuda,
sem respirar.

marmota

num vazio de não encontro me esgueiro.
até saio dessa toca, ponho a cabeça para fora,
e vejo como lá fora faz frio.
ouço o barulho das pessoas que conversam para além da minha janela,
por vezes ouço a chuva
e quando estou num bom dia posso até ouvir o sol.
com esse lá fora não tenho nada,
dele desisti, dele não existo.
dentro dessa casa é escuro e é frio.
nela eu resisto.

quarta-feira, junho 03, 2009

jejum

o corpo que anda, o corpo que sabe, o corpo que bebe.
é o mesmo corpo que nada, o corpo que beija, o corpo que pede.
um corpo em silencio
é um corpo no eixo.
um corpo sem fome, um corpo sem dentes, um corpo sem nada,
só corpo, respira.

sexta-feira, maio 29, 2009

escrevendo

eu poderia
e eu posso
todo dia dizer
que nunca mais vou te ver.
eu posso
e assim faria
porque quando amanheço nem bem o dia
logo te vejo
tão logo no espelho me reconheço.
e também te vendo
vivendo
enxergo dentro de cada grão
de música dor e poesia,
e perpetuando em são
a matéria desse amor doente e fraco.
pois é nesse fim que tem o embate,
e sem nos achar é que te encontro
e te amo e te levo,
até o longinqcuo fim de isso que chamamos,
temporário desencontro.

nós

pegou na minha mão de modo desajeitado. deixei-a tesa, quis essa frieza. desistiu dessa pouca hipocrisia e pegou meu rosto, já com as mãos molhadas. aqueles olhos, aquela pele marcada. a realidade de um corpo presente. ela ali, e eu lá. éramos uma soma que não se concretizava. agora eu tinha suas mãos nas minhas, agora eu olhava o seu rosto que também me olhava. nosso olhar se encontrava apenas longe, e fugia. tinha um som das matas esse nosso encontro, e um silêncio denso. era cheio de escuridão aquele tempo, aquele minuto de adensamento entre dois corpos que existem. meu desejo de ver essa realidade se transformando em presente não bastava, eu era esse um que a olhava. e ela calada também me guardava. esperávamos nesse silêncio mútuo o instante em que nos revelaríamos, que talvez uma matéria bruta - alma - inflasse essa pele de um encontro, direcionando a tudo sentido. esperávamos. em vão éramos essa foto. esse retrato de uma mesma solidão.

la jetée

para ela o presente era o entre corte de uma sequóia,
para ele era partir da sua morte,
como se o nascimento fosse infinito.

gamos

essa farpa que vejo se formando nos seus olhos como um oco que sinto por dentro como essa ventania densa de um mar que se abre e que é um abismo.

ontem

você não bebeu o copo de água que pegou para mudar o assunto que de repente não mais te deixava em paz. há tantos anos essa água que você não bebeu, não virou cinza nem apagou, caiu do copo e marcou aquela mesinha pequena e escurecida. há tantos anos você deixou essa casa por tantas vezes que mudou o mesmo assunto e de repente não tinha mais lugar para algum de nós. foram tantos anos e tantos assuntos, tantos erros, tão insistentes, parecendo tão pouco enquanto eu olho essa marca antiga na mesinha. ontem você nos deixou, e tantos anos passaram, que todas as memórias já deixaram essa casa, deixando só essa mesma mulher num retrato preto branco e cinza, olhando, guardando, a mesma antiga mesinha.

segunda-feira, maio 25, 2009

sobre

essas pessoas queridas
de um passado querido
de quando eu era doce.

quarta-feira, maio 20, 2009

literatura

ela escreveu.

pegou uma nuvem que flanava no ar.
e d-escreveu.

quarta-feira, maio 06, 2009

quartzo polido

entro em vagões lotados de serviços mal utilizados de transporte público.
sendo uma multidão que se dispersa,
perco um nome e esqueço seus rostos.
esse olhar leviatã, dentro de tantas faces,
se envolve, se perde.
fotogramas de uma mesma solidão,
apreensão instantânea e fugídia de uma memória coletiva.

terça-feira, maio 05, 2009

galhos

na hora de juntar os talheres em prece o mundo começava seu fim.
chuva sem lágrimas
como um acesso de raiva,
o vento seco que levava o resto
de todas as coisas aos nossos olhos.

deixaram-nos numa rua conhecida,
tão pequena agora, quase beco.
uma rua de segredos,
uma rua de passados.

descemos com coragem
e encontramos a escuridão
enfrentada de cabeça alta
em todos lances de escada.

uma porta que se abre
e revela
um mundo escondido enquanto dormiamos.

centelhas de passado
presos num graveto.

entramos no quarto
e nos perdemos.

segunda-feira, maio 04, 2009

bode

quando a conheci ela achava que sabia de tudo.
andava com os olhos para dentro,
fitando o horizonte.

quando a conheci ela usava coletes
e não bebia cerveja.

apaixonei-me como sempre errando,
como sempre errei,
como quando acertei foi porque nisso não tive exito.

hoje ela diz que bebe gim
diz que bebe rum.
hoje ela diz,
e acha que sabe de tudo.

quarta-feira, abril 29, 2009

brisa

tenho dor na vértebra esquerda
e no coração direito.
tenho lágrimas contidas em forma de vento.
preferindo as nuvens a tv,
preferindo numa vida vazia te ver.

era pouco e o bastante.
não passavam de vagos momentos,
lembranças futuras a que chamam planos.
era a nina simone que poderia tocar no rádio,
era a vontade de mais um passado.

chegou e foi-se como a brisa,
mas não podia ficar comigo mais um pouco.

segunda-feira, abril 27, 2009

dante

na escuridão da selva,
de outro homem,
me encontrei.

às portas do inferno
não soube me decidir
para que lado ia.

acabei pela covardia
de não subir morro algum
e perder toda a vista.

no limbo entre passado
e futuro permaneço
estática e sem tempo.

só medo sem desejo
temo o som do vento
passando pelas folhas.

tratado sobre as saudades

saudades presente é abraçar um corpo em seu absoluto esplendor material e sentir sua essencialidade se esvair pelos dedos como areia.
saudades passada é sorrir vendo o retrato de quem te abraça.
saudades futura é felicidade que não se conta a ninguém.

poço

Depois de dias de busca,
quase encontraram o meu corpo,
úmido e esquecido num poço escuro.

Senti a corda que amarra marcando esse corpo,
único elo entre uma mente em devaneios e a claridade de uma manhã sem fim,
ser arrancada dessa realidade pulsante.

Meus olhos em chamas testemunharam o movimento do sol,
a dança sincronizada de lanternas a procurar por mim.

Perderam-me,
meu corpo afundou-se mais alguns metros.

entre a umidade e a escuridão,
percebo que meus olhos acostumaram-se ao breu.

quarta-feira, abril 22, 2009

borbulha

planos com a mesma aflição de um carinho bem dado,
mas não tão bem recebido.
os dias passam areia entre os dedos
e vejo seus rostos enquanto me esqueço.

bebo e enfio os dedos na tomada,
tenho mamilos de som e desejo,
uma cor descorada da cor dos pelos.

fome da vida
e uma vida de medo.

besouro

ele desceu do trem com as mãos nos bolsos, para segurar a calça que caia.
atravessou caminhos dispersos, rios escorregadios, sorrisos perversos.

quando quis sentar que viu,
chifres de boi num inseto com patas.
não sentiu medo,
sentiu-se atração,

pois o bicho sem olhos o guardava com o olhar.

o mundo se fez manso e sólido
e esqueceu-se como sempre de matéria-poesia.
acordou com a vizinha lhe avisando que o inseto lhe subira as calças.

sexta-feira, abril 17, 2009

ternura

vejo o rosto de uma ela e um grito prendido na garganta se descontrola,
silêncio amplo de pra esse ela não ter mais lugar.
a outro ela não prendo o choro, procuro com os braços,
não penso nada, e encontro paz.
encontro paz. a esse ela por não ter pensar
há ternura dessa feitura delicada das teias aranhas,
sem medo de romper o traço encosto-me no seu tecido,
e encontro paz.

terça-feira, abril 14, 2009

dois

claramente gosto
como quem re-nasce.

cline

me sento como sempre sento.
olho a tela branca como sempre olho.
fecho os olhos e abro os mãos,
sabendo que é sempre pelo gesto que acho minhas emoções.

quinta-feira, abril 09, 2009

cinza

um espectro ronda a europa..
lembro da frase enquanto entro na garagem.
bons tempos aqueles em que eu, bucha de canhão, acreditava que acreditava em acreditar.
hoje vou viajar,
minhas costas doem,
vontade de ficar só.
os outros quando vejo esperam algo de mim,
esperam sem esperar.
me polarizam nesse ser que inventei pra lidar melhor com tudo.
meu intestino anda meio desandado,
minhas costas doem
vontade de ficar só.

acordei com os olhos embotados
de lágrima e de cansaço.
acordei com o dia cinza martelando na minha tristeza.
acordei fraca e frouxa de se maltratar por um dia feio.
e com dor nas costas.

hoje acordei como todo dia acordo,
solitária como admito ser.

terça-feira, abril 07, 2009

namorinho de portão

"leve leve releve que pouse a pele".

o seu olhar

Que olhos tímidos ela tem
quando olha para os lados
sabendo que eu olho para ela.

Ao contrário dos seus olhos
quando nos perdemos nos nossos olhares
e ela olhando me tem.

segunda-feira, abril 06, 2009

a menina

a menina entrou pela sebe do jardim com os passos bem leves.
combinava com os tons claros criados pelo sol excessivo e seus olhos sensíveis.
olhava para o outro lado de tudo atráves dos buracos da cerca.
prendia seus dedos e se deixava cair para trás.
fechava os olhos e esquecia de respirar.
o sol a trazia mais pra perto da chuva,
seu vestido molhado de grama.
ela caia no chão e não pensava.
ela existia em silêncio,
e em silêncio via o mundo passar.

negro líquido

ou derreter.

domingo, abril 05, 2009

frieza

quando fecho os olhos escuto a tempestade dentro da minha carne,
a aspereza da tormenta pálida, o zunir constante do sangue.

quando abro os olhos paro de sentir.

pairo nesse equilíbrio impossível
de deixar o mundo para além do corpo,
e deixar o corpo para além do mundo.
flutuando silenciosamente no limite exato da pele.

sexta-feira, abril 03, 2009

litoral

na escuridão da noite passada,
fomos
pro sul de algum país distante.

o teto como água,
refletindo o sol das praias que inventamos
quando o mundo deixa de bastar.

hoje amanheci sabendo seu nome e seu gosto.
trouxe o seu corpo para perto do meu
e senti como resposta um gotejar distante.

como um eco,
uma lembrança,
de ouvir conchas do mar.

quinta-feira, abril 02, 2009

cinza

você é moreno, tem olhos fundos, e neles verdade. você tem cabelos que se mexem com o vento. você está numa construção abandonada e engole cacos de vidro. você mexe os dedos por não poder mexer as pernas. você está trancafiado na sua liberdade. você tem fome, mas não tem estômago. você gosta de filmes alemães. você se desfaz de tudo. perde a casa, o dinheiro, o cabelo. você tem todas as idades do mundo. mas tem medo. você tem medo e não pode mais beber. você é cinza, e quer ser branco e preto. você tem medo, e logo vai morrer.

rua laboriosa

idéias fixas vagam enquanto peço um copo d'água.
o balcão do bar é sujo,
a luz do sol filtrada.
o velho dono tem a barba rala,
sentado numa cadeira velha,
parecendo um pirata.

não fumo cigarros da morte,
vontade de lavar a mão,
enxugo-a dessa água rala na barra da calça,
e espero dias melhores.

uma mulher bonita e só dela me olha de esguelha,
mas não me nota.
lá fora o mundo todo inexiste numa vida corriqueira.
pombos ecoam seus vôos cor de cinza,
o vento me prega peças.

segunda-feira, março 30, 2009

labirinto

faço um corte fundo na minha barriga e extraio a dor que restou.
grito nas músicas que canto sucitando o que dentro de mim permanece mudo.
escuto um rosto que não conheço e imagino a delicadeza da sua pele que me faz chorar.
sorrio mansamente de desespero por me envolver com medo de envolver.
lembro e vivo tudo com gosto novo.

sem medo e sem razão.

la jetée

Rostos passam na escuridão dos meus pensamentos.
Rostos conhecidos.
Faces sem expressão.

No fundo da minha cabeça rodopia
um rosto que eu nunca vi.

Sem imaginar eu vejo,
memória perdida de um futuro neutro,
um rosto que desconheço.

domingo, março 29, 2009

ficções

abrir os olhos,
e ver seu sorriso por me ver quase saindo
pela boca.

fechar os olhos,
me perder do próprio corpo.

abrir os olhos,
te dar um beijo e entrar dentro de você.

fechar os olhos,
confundir as mãos que se dão
num labirinto sem começo.

abrir os olhos,
o quarto está escuro.

fechar os olhos,
dentro de mim está claro.

andaluz

hoje ela dorme com suas cortinas azuis de cetim,
com toda chuva dentro do quarto.
hoje ela abre a boca sem pesar e solta bolhas de sabão.
hoje ela pos fogo na casa.

morreram os peixes
perdeu-se o violão.
ficou a música e a solidão.

hoje ela abriu e fechou bem as mãos,
sem muito pensar respirou bem fundo,
abriu-as bem devagar,

no fundo da palma lisa e morna
duas formigas dormiam.

caos

meu corpo não se move.
eu respiro a poeira de um mundo que se desfaz pelos meus dedos.
meus olhos ardem
por esse sol cheio de cancer.
bolhas na pele não afetam uma mente cansada.

calos nos dedos
idéias mortas
abortos imediatos.

não há ar,
não há grito.
não há calor
não há terra.
nem agua
nem medo.

tudo começa no fim
e assim termina.

quinta-feira, março 26, 2009

i want you

os véus do outono me deixaram para trás.
agora violento os mesmos ares,
arrastando o vento com os dentes.

procurando os seus olhos,
pedindo pelo seu corpo.
pecando em silêncio.

quarta-feira, março 25, 2009

no escuro

nasço no escuro todo dia.
nesse difícil parto da manhã
perco dentes
perco braços.

desprendo-me desse corpo usado
como quem acorda todas manhãs.

ando nu pela cidade
meus dedos estão enrugados
dos banhos tomados a noite.

mãos agarram meus calcanhares solitários.
não os conheço
e eles chamam meu nome.

não chamam meu nome.
chamam o nome.

o chamam e por se dirigirem a mim tomo-o como meu.

não tenho nome.
todas as manhãs nasço no escuro.

ando pela cidade com o vento.
meu corpo todo se inflama.
há dores e há perdas.
não há nome.

chamam-no
conclamam-no
durante o dia.

eu
sem a minha companhia
me desfaço.

domingo, março 22, 2009

cinza tu

os dias passam,
inevitavelmente.

os dias passam por mim.
sinto meu corpo e ele está quente
e está frio,
como o dia que me trás o sol sem calor do outono.

as sombras cinzas desses dias.
o que vejo e o que imagino ver,
imaginando imaginar.
mãos que se tocam,
chuva fina no asfalto.

toco o violão e deixo de ser,
transformo-me em vento pela voz,
e esqueço essa tristeza opaca.

o outono chegou,
as folhas que caem tem o cheiro acre da morte.

sábado, março 14, 2009

nessa rodada

se você entendesse de foto talvez você pudesse me entender melhor. se você entendesse de poesia. se eu entendesse de você.
é como um filtro escuro nos meus olhos e de repente só vejo as árvores cinzas que tenho na memória.
é pouco, mas estico o braço tentando te alcançar.
chamo seu nome e é ridículo.
minha voz gesticula em ação e você ri,
ri de luxúria e prazer do outro lado da cidade.

nessa rodada você teve sorte, tirou o ás. bateu, vingou.
nessa rodada você riu, se esgotou.
comentou os dois lados daquela outra coisa,
disse e ouviu tantas bobagens.
nessa rodada.

eu não dormi.
eu não sorri.
eu me lembrei, me sentei.
mas também não cheguei a chorar.

eu me distrai. na tv passavam outras bobagens.
você não me chamou.
a madrugada chegou.

no meu peito um botão de pranto.
pouco ar e pouca esperança.

você ria, você esbaldada.
nessa rodada.

sexta-feira, março 13, 2009

cinza ou negro

ela me tirava pra dançar e cantando sem jeito instaurava bailes imaginários.
ela tremia e tirava fotografias com a pretensão de quem só os olhos dizem.
hoje o tempo passado não desbota,
se renova a cada ligação perdida.
uma música, uma lembrança,
algo perdido no tempo.
a morte então perde seu peso,
se torna só saudades,
absoluta, inexata.
a morte desabraço,
a morte silêncio.
esquecer um nome e gritar pro vento.
a morte.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

in vino veritas

silêncio:
nenhum som a não ser o do infinito.
escuro:
nenhuma voz a palpitar o pensamento.
solidão:
o calor embriagado da sua mão.

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Ritinha

garganta pálida.
vinte e três graus de saúde.
poucos dias pra isso tudo.

punha o cal embaixo da língua e esperava a temperatura baixar:
mãe, vem que a sopa tá pronta!
gritavam da cozinha.

o contato da pele com os azulejos era frio,
no seu tempo não tinham automóveis nas ruas,
e o carvão era mais barato.

ritinha! vem ver o sol se pondo!
chamava a garotada toda da varanda.
sempre tivera medo de lagartixa.

agora tirava com zelo os nós dos cabelos,
passava os dedos pelas dobras da cama
inventando calma.

tinha uma aparência grave,
a palidez lhe caira bem,
assim como os cabelos brancos.

si

era quem mais cavava naquela terra escura e densa. as unhas sujadas até o grão de breu e cinza. a lua cravava os dedos também na noite, mexendo-se sob esses degrais.
se escondia embaixo das palmeiras tentando não ver a luz:
era poesia e embriagava.
sentia o corpo manso indo de encontro à arvore,
os pés sem ligar de estar sujos na areia,
os olhos embotados um pouco de tudo.

na verdade não fugia completamente,
via ainda a luz que refletia no mar,
e pouco a pouco,
instante a instante,
acabava se indo no ir e vir daquele som e luz.

aquela ligeira sensação de desconcerto consigo mesmo o impedia de qualquer coisa, e ele começara a enfiar os dedos o mais fundo que podia na areia.
nada chegava e o tempo passando nada se fazia.
ali, naquele lugar, naquela hora,
eram muitas coisas que ele podia sentir.

ele não sentia nada,
desconcentrado que estava o movimento das coisas.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

som

mão tédio pasto.
pega sua mão engordurada e imanta o meu peito.
suga todo defeito de querer agir sem medo.
deixo de ser
viro.
um litro de coisa seca e sussurro seu nome
em vão.
esqueço das cordas das pontes das dores.
machuco-me na amplidão
sequer a toco.
o branco entra dentro dos meus olhos e me tira
o ar que é água
suspiro.
rochas imensas afundam na praia.
deito-me as costas ardem da aspereza das pedras.
deito-me no sol com os olhos cerrados.
deito-me da solidão invertida de um corpo quase nu.

acaricio sem tocar essas belezas.
sem ver pouco imaginar.
só ser.

ouço o mar
o mar que me vem dar beijos
nas pontas dos dedos.

tenho medo do tamanho do mundo me engulir.
sou pequena e sou mundo.
sou energia suspensa em pausa no centro do mundo.

dessa vontade de chorar não durmo nem falo.
tento alcançar sua mão num silêncio
não basta.
não te digo nada.
pois não digo.
sou mundo.

aos cacos é esse exercício de se juntar.
separar-se juntando-se a paz que reina num caos reinante.
procuro tua mão.
tua mão sincera.

ela me dirá.
nada mais dirá.
eu não direi.
não sairá da minha boca som que não seja esse o da lua.

abraço o silêncio na fome de me encontrar.
e te perco.

foda-se

Vinha andando desde a arcada direita, sendo secundado pelos berros da platéia animada, (urra, urra). Tinha os passos firmes e o sorriso fácil de quem consegue agir sem pensar.
Enquanto acompanhava as arcadas da ala sul repassava mentalmente os prisioneiros presos no mês passado.
Os três etíopes já haviam sido devorados por leopardos sem fome, dois godos e um jônio perderam a cabeça num jogo de cartas e os israelenses fugiram com a comida.

rubens

passava os dedos sob a máquina de xerox e via saindo pela prancheta mundos inventados num toque.
para ele era tão importante decidir se queria lasanha congelada verde ou branca, quanto era para mulher do caixa fugir da angústia de não ter trocado.
para ele, de colarinho rente ao pescoço e cabelo alinhado, nada importava mais do que as fomes médias, o desejo de aceitação, as tribos primatas.
entrou no elevador e apertou o seu andar sem pensar em ser.
uma mulher que talvez chamasse roberta entrou no próximo andar.
ele se contorcia sem se mexer
e percebeu que queria trepar.
uma dessas tantas fomes baixas, a atrapalhar sua mediocridade.
saiu em seu andar e não era mais.
comeu debruçado sobre a cidade.
sobre a solidão de uma cidade iluminada.

a comida não descia direito e ele tinha vontade de querer chorar.
não chorava a anos.
não chorava a tempos.
não se lembrava de existir.
ele acabou seu prato e se resfolou na certeza de uma atividade.
terminou de lavar a louça,
preparou-se para dormir demoradamente,
habitualmente.
deitou no quarto escuro e não tinha culpa.

batia três horas da manhã e a leve subversão de ainda estar acordado o mantinha acordado.
eram três da manhã.

esquizo

respirar fundo.
fechar bem os olhos.
afastar-se, lançando mão do ódio,
dessa terra árida.

há uma voz que escuto baixo.
baixo, bem baixinho.
ela me desconcentra e me acalma.
gritos e sussurros.

tento a alcançar.
mas não consigo.
nunca acho uma sala silenciosa o bastante.

a essa voz preciso procurar,
pois se não mais a escutar,
não é ela que perco,
sou eu.

noite adentro

tristeza de apertar o peito e coçar os olhos.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

quero ver irene dar sua risada

acordei porque o vento canta pra mim
conta pra mim da chuva que vem
me manda uma notícia molhada
me dizendo pra não fugir
melhor ficar
melhor na água.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

V

logo ela viria busca-lo, e tudo deveria estar na mais perfeita ordem.

Sônia

ajeitou os óculos já acostumados a ponta do nariz, e virou a segunda a direita.
Hoje o dia estava excepcionalmente quente, e seria adorável gritar Beatles enquanto seguia pro trabalho.
Fechou alguns carros desacostumados com seu jeito brusco de levar a vida, e pensou em beber uísque.
Queria dirigir com os olhos fechados de quem mergulha,
mas de repente se lembrou que era de olhos abertos que se ignoravam as coisas.

Tantas coisas existindo ali diante de seus braços. Tantas coisas.
Coisas que excluíra por distração.
Quem sabe amanhã prestaria atenção naquele mesmo homem, baixo, feio, vendendo produtos escusos sempre no mesmo lugar da mesma estrada.
Quem sabe não te dirá, e na verdade nada disso importa.
não importa o que ignoramos, o que não vimos, o que não digo.
importa o que digo, verdadeiramente,
embora aqui minta.
uma vez que não digo nada.

tiro o cinto de segurança e abro os olhos.

Paulo

no mais triste do dia dele chegava ansiosamente a caixa de correios com sede de notícias. era uma forma de neurose que agia paralelamente ao mundo, fato que se comprovava pela ausência total de cartas nos últimos meses.
Paulo era o nome do sujeito. uns bem vividos 23 anos. uma barba mentirosa sendo cultivada nos maxilares.
tinha mania de dobrar as páginas dos livros que já tinha lido, e de usar a mesma faca para tudo, contrariava os hábitos que vinham da razão, e sobrevivia a seu tédio inventando obstáculos.
por exemplo,
toda manhã tinha que fazer uma xícara e meia exatas de café.
queimar as bordas do pão na torradeira,
e ler os horóscopos do jornal.
Quase nunca tinha bom humor o suficiente pra queimar alguma dessas etapas, economizando tempo e tédio.
Se eu tivesse que reduzir Paulo a uma frase, eu diria que ele é um daqueles sujeitos cuja maior diversão é se irritar com cada dobra mal passada desse mundo.

domingo, fevereiro 15, 2009

IV

deixando o olhar perder-se nas esquinas do quarto, lembrava-se de tudo sem dor.

cantar cantou

dançarás nessa escuridão este teu corpo escasso,
com febre,
e com dor?

tuas dobras tão leves,
macias,
dançarão por amor?

da brisa pouca,
anônima, sem cor,
achará a quem te leve?

me chames, me rogues,
irei sem defeitos,
serei só deleites,
serei teu amor.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

III

olhava o relógio pontualmente. em um paradoxo entre a necessidade e o hábito.

tudo perdido

vestidos sorrisos amarelos.
um corte desonesto,
um palpite.

madrugada

afastando-me do sono,
tudo vai inexistindo no exato momento.

tudo o que me prende a esse corpo surrado,
os latidos dos cachorros noite a fora,
os tantos e tantos insones assistindo inssossos programas de tv.
as luzes que se combinam formando a noite,
os ruídos do silêncio,
as vozes do passado.

lembranças maturadas que enchem a cara de tédio,
agitam as mãos em movimentos involuntários.

noite a fora, essa noite.
não direi palavra alguma.
corpo nenhum ouvira o meu nome.

presa a esse corpo por tais idéias,
perco o sono,
e para o dom,
a palavra.

sábado, fevereiro 07, 2009

II

com a mão esquerda lembrava-se de sua mãe, desenhando estranhos desenhos.

podia ser sábado

alisava com os dedos as dobras incômodas que se formavam quando o tecido enrrugava. um tecido grosso, espesso, rude. passava os dedos e o contato não era muito agradável.

em instantes assim, afundado no mofo do tédio, podia ouvir o latejar discreto da cidade. por trás de cada latido ou cada grunido motorizado. um breve e continuo pulsar, silêncio preenchido da cidade:

as pedras conversavam entre si
incólumes às nossas bobagens.
as plantas crescendo faziam estardalhaço, jurava.
a mãe talvez fosse alcoolatra, não nascesse tão quadrada,
e o pai tinha dor nas costas por causa do peso, além de roncar.
queria um dia conhecer os irmãos romenos que tivera nos seus sonhos infantis,
e falar para a tia o quanto era feia.

talvez só quisesse virar o lado do vinil e começar tudo de novo,
mas agora, deitado no tapete grosso e branco, tinha apenas preguiça.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

dia

as razões me fogem a quisa de justificação.
as coisas acontecem e não há perdão.
há desculpa,
mas não há perdão.
eu peço desculpas.
é tudo o que possa fazer.

peregrinos

eram de todos os lados que vinham aquelas vozes.
chamavam para danças dispersas,
acordavam de sonos antigos.

abriste o meu pulso aquela manhã.
nas horas inaugurais.
as gotas me esvaziam
e não cessam.

naquela manhã me mataste.
pelo resto da vida.

domingo, fevereiro 01, 2009

de chirico

ele vinha com os passos medidos, ecoando os sons fundados na amplitude. as sombras se acumpridando pelo chão, aumentando distantes saudades.
Talvez sentissem falta dele, e escrevessem absurdas cartas aos chefes das sessões. Talvez ainda fingissem lembra-lo, entre os intervalos das cólicas.

À princípio nada.
Ele continuava quieto.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

I

vestia seu colete azul com zelo. com a mão direita tirava o pó depositado por uma noite sem sonhos.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

o vampiro de curitiba

no mundo todo há cegos.
cegos cheios da luxúria do não ver.
mexem-se de prazer,
os vampiros,
pois estão perdidos
e nunca encontrarão
algo para encontrar.

tateiam essas esquinas a procura de seus iguais,
companheiros,
vampiros como eles.

em vão,
acreditando que tem na ausência do olho
dádivas e méritos,
perdem-se uns dos outros.

e mexem-se de prazer..
pois estão perdidos
e nunca encontrarão
algo para encontrar

segunda-feira, janeiro 05, 2009

fazenda

Naquela noite sem começo nem fim.
as únicas luzes que preenchiam a cidade vinham daquela casa de mil portas. E, embora ninguém nunca fosse visto nas sacadas, também a ela pertenciam os passos e sussurros escutados noite a fora.

Adentrando cautelosamente tais umbrais, as coisas do chamado "mundo real" perdem os contornos, como um primordial caos, como um silêncio de suspiros.
Se entrares neste vasto reino das causas perdidas, tu, como coisa real por fora, também perderás o sentido e a forma, e por mais batidas que dês nas portas, por mais vezes rezadas sob a virgem, não serás notado.

As salas desta casa nunca estão vazias.
Os corpos esgueiram-se nus, a procura de algo. Sãos, e de boa índole, por vezes conversam entre si. Perguntam o resultado do jogo, e, inclusive, comentam o tempo, com a nostalgia de outras estações.

Comem o que lhes aprouver, e bebem chás rejuvenescedores.


Há um Porém.

Ouço gritos. Gritos e pancadas intromentendo-se nessa solidão.
Ouço, e entro sem medo por esses corredores.
Duas vezes à direita está o quarto de onde gritam.
Lá, molhadas, duas rasgam-se na malha de um mesmo contratempo. Principalmente por amor juntam as mãos em preces e acertam os móveis mais próximos.
Devaneios de uma casa sem espírito.

cólera

as formigas, incorruptíveis, subiam lentamente a encosta de pedras. em lugar nenhum ouviam-se os silvos de pássaros que lá não estavam. ao redor de tudo o mato crescia fazendo um zum zum zum.
era nesse entremeio que com as pernas cruzadas ela deixara de esperar.
o vento batia na sua garganta, o dia estava nublado.
em vão tudo existia.