terça-feira, janeiro 24, 2012

bromélia

Ela era do tipo que lia três páginas por noite. Incisivamente. Assertivamente. A dislexia regressiva, patologia comum que consiste na repetição de uma linha a cada três, se dispersava ante seu profundo esforço meditativo. Esforço que durava exatamente três páginas.
Quando a última palavra era deglutida, ela deitava-se na cama rodando em libertinagens higiênicas, ligando os nódulos do teto às magníficas constelações dos livros. Pairando entre os cheiros, segurando as torrentes nos dedos, era difícil cair no sono (armadilha). Ao invés disso, tinha o anti-sono, primitiva aventura amparada pela luz amarela do quarto, e por essa torrente estática, o anti-pensamento.
Perscrutava entre os cílios a matéria distante dos sonhos, o difícil barro dos livros, o éter esparso das outras dimensões. Difuso e concentrado, o ponto em que se conjugavam todas as coisas. Depois da primeira curva, somente quando não pudesse mais fixar o tempo, lhe eram então permitidas essas visões, o deslumbre de um tempo sem tempo. Era assim, somente quando acometida da loucura de ver todas as coisas, que o sono a recolhia. Todos os dias havia de viver como Prometeu. Não recordar era o preço pago para voltar, sem que o aleph a fulminasse como o primeiro ser frente ao primeiro sol.

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