domingo, fevereiro 03, 2008

esquizofrenia

"não é possível que essa cidade que se diz metrópole não tenha sequer cigarros...!". não. não era possível. simplesmente porque nada seria possível a tal altura do campeonato, nem o acidente de carro que poderia parecer provável a alguém de fora, nem a relação dos seus cigarros com a organização geopolítica das cidades. porque, afinal, não poderia ser qualquer cigarro, deveria ser o seu, só ele nos serviria (apesar da hora adiantada e da chuva). atravessaríamos desertos por um minister.
eu, com o sorriso calmo fingindo uma segurança inexistente, a seguia por todos os cantos, com a paciência grave de quem morre de fome. eu a desejava de uma fome inventada desde que pussera os pés pela primeira vez na soleira de sua porta. os vincos marcados do rosto, as histórias guardadas na memória ou perdidas no esquecimento de uma vida não mais jovem, e principalmente o alto teor de mentira que impria em tudo. e em todos.
a desejava com minha fome jovem e folgazã, como quem sabe a única chance repousada no acidente.
compramos seu cigarro. que nos custou 6 visitas rudes a botecos tétricos, uma leve batida no parachoques, alguma gasolina, e muitas mentiras. eu, sempre enganado, pensava estar colecionando mentiras que decorariam o relicário do nosso sexo. pensava estar cortando uma por uma as predileções rituais do nosso sexo. a verdade é que independente da ordem dos fatores ou das palavras, eu pensava em sexo. porque, afinal, nessa época eu ainda pensava nisso.
próximo item: ouvir um pouco mais de seus discos, reincidir na constância suicida do alcool, fortalecer a mentira, inflando o ar de sua sala com nosso bafo roto de más vivências.
pois bebemo-nos, e fumamos. fizemos tantos brindes, e principalmente mentimos. ela, quando eu inventava suas histórias. eu, quando fingia acreditar.
éramos novamente adão e eva, éramos também criatura e criador, homem e mulher; acima de tudo, éramos reús reincidentes, e por isso, soube depois, é que deveríamos pagar.
foi duas músicas depois de seus primeiros passos bêbados, que constrangido a acompanhar a dança a agarrei pelos cabelos, e como nos primeiros tempos, a levei para o quarto. como no tempo em que as mulheres compreendiam seus pápeis, e a proximidade da vida com a vida de fato tornava tudo muito justo.
meus dedos duros tocavam seus mamilos excitados. meus dentes afiados os procuravam. eu a amava com meu ódio de ser fraco demais para nosso amor, e ela me odiava me amando, com seus mamilos duros e sua boca seca. ela era vítima da violência de desejar um homem misógino, e por sua vez retribuia-me evitando friamente o seu próprio desejo.
juntos, regurgitavamos a solidão a dois incrustrada em nossos despojos. nossos corpos nus emergindo na violenta febre da morte. nos odiando sem nos amar, do mesmo amor sem ódio que é ser dois que nunca se falam.
enfim, antes derrubados pela exaustão física da impossibilidade, do que pela desistencia em si, engalfinharam-se como mafagotos e dormiram o sono dos justos.

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