domingo, março 27, 2011

julia

por trás dos seus olhos maquinavam os ossos da memória. entre os passos duros no piso de madeira, ouço seus planos. Ela me olha dentro dos olhos e não lembra meu nome. sorri como se me conhecesse. ela sente que deve ter o dever de me conhecer.
Ela finge. sua boca aberta expele generalidades como uma vela que consome o pavio. seus olhos mudos, inertes. através deles vejo a intensa atividade cerebral. Ali, à minha procura. revive cores e cheiros. procura jogando no chão do quarto todos os pápeis inúteis das gavetas, cada festa um cômodo esbranquecido, entre contatos tão efêmeros como esses e bebidas dos gostos mais variados.
sua boca fruta à mostra, aberta, depois de ter caído voluntariamente no chão. sua boca mamão, quanta bobagem caroços esparramados. extiro-me na relva ainda úmida e quase divirto-me preguiça de seu esforço vão. sei que vale a pena que se lembre de pedro, no outono, com seu cachecol vermelho quase vinho. que se lembre de marcinha, de suas tatuagens e quantas besteiras. do dia em que no concerto era quase carnaval e para ela era silencioso como uma manhã cinza de chás cidreira, vitrola e alguma espécie de paz.
Embora ela não olhe no olho de nenhuma dessas salas-casas ela olha para mim Embora ela não olhe para eu. da cozinha gritam alto seu nome. ela ainda nada diz e eu ainda quase nada sei. exceto que ela pensa que me engana e parte satisfeita. Também estou satisfeita. não importa-me que não saiba um nome que sequer é meu. me importa que me empreste seus olhos mudos e suas maquinações, para que eu também possa falar besteiras, bobagens e outras poesias.

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