sexta-feira, março 11, 2011

purgatório

Eram anjos azuis. Eles dançavam zonzos com os olhos tortos, embasados um dentro do outro. Eram anjos tortos. Suas mãos escorriam entre os copos de água forte. Seus pés escorriam. O suor escorria por seus corpos inteiros, limpando, limpando. A cada volta ali corpos branco e moreno rodando contra a escuridão de um chão sem luz algo se deixava. Voltava a volta, a mãe se ia, volta ia volta, ia-se o bairro, volta que dá, o pudor, o sapato. Ali atração e repulsão - ciranda. O braço dele ia e puxava de volta, o olhar fissurava, a perna dele recortando, os cabelos também dançando. Ali imersão de suas juventudes, nada mais haveria de haver, exceto os dois, girando, gostando, cada vez mais. Era por isso possível se entregar, o instante era largo, o imediato cabia exato (dentro do eterno).

A música é que levava os dois. As vezes morria, e eles se entreolhavam assustados, como se também fossem morrer. E então recomeçava, inflando as mesmas cores, os mesmos ares. O corpo deles era forte, e aguentava resistentemente a noite. Lá fora havia mar. Lá fora havia lua, havia maré. A areia também chamava a água salgada, fazendo deles parte de tudo. O rosto deles quase encostava, o pulso pedia distância, a barba roçava, o braço caia. Ia e vinha, com cada vez mais vontade, os corpos fortes, a água, o suor, a praia, o vento sul.

Já não tinha mais ninguém na pista.

O vazio em volta deles se difundindo como os desertos que nunca param de crescer. De fora na varanda, os outros olhavam. Fingiam conversar. Perdidos entre copos de vinho, canapés e banalidades. Eles fingiam não olhar. Fingiam não enxergar dois homens lindos, fingiam não se incomodar. Era belo e perfurava seus olhos, cortava em pedaço suas invejas. Eles dançavam, e eram lindos. Como anjos tortos. Como anjos azuis.

E essa imagem se repetia a cada gole. No copo, azulado, os beijos eram acrescidos de gemidos suaves. As ondas iam e sempre voltavam, sem ritmo, mas com intensidade. Aos poucos, a tentativa de fixar o olhar, o tornava mais embaçado ainda. E, pela tontura, pelo enlevo, pela primeira vez na vida, tomou coragem: agarrou a borboleta que tremulava as asas ao seu redor e foi beijando, devagar, cada pedacinho do corpo. Desde o peito até os pés.

Enquanto isso, um sol malemolente hesitava em aparecer no universo. Por ali, estrelas, astros e um imenso buraco negro acompanhavam os anjos azuis, os casulos se romperam e assim o tempo foi passando sem nada haver, apenas ser.



ana e sílvia c.

Um comentário:

aninha disse...

a la caio fernando de abreu