quarta-feira, agosto 05, 2009

mar

Era uma vez um reino presente. Berço das cidades e dos espaços sem dono, terra de sol e sal e carne. Nele vivia a gente do ouro, a primeira geração dos homens, os primos dos deuses. O ar que respiravam era cheio, e o olhar que distribuíam era inteiro, por isso as terras não tinham nome, e todos eram igualmente ricos.

Certo dia, porém, um estranho forasteiro apareceu na vila das gentes. Ele tinha o andar moribundo e seus olhos outrora pertenceram a esguelhas. Uma noite apenas o forasteiro passou na cidade, e uma noite bastou para que dela ele levasse o reino.

Pois um feiticeiro novo lhe contara, que se ele roubasse a vida do menino mais velho da casa mais afastada da vila de ouro, ele lhe restituíria suas maneiras agéis, os movimentos precisos, e a claridade das idéias, perdidas nos anos em que trabalhara para os senhores daquelas terras escuras.

Quando a manhã nasceu, anunciando com seus fios crepusculares o triste desígnio, os pais levantaram-se e foram até o quarto do seu filho esperando o acordar com o olhar. Ao encontrar a cama nua, ambos saíram ao relento e clamaram aos céus, chamando os nomes de seus parentes.

As nuvens passaram em luto silencioso, o sol iluminou-os sem calor, era um dia sem cor e sem esperança.

Perante o silêncio, o pai sentiu-se cal por todos os seus dentros, e embaixo dos seixos do jardim pos-se a chorar as lágrimas contínuas e fundas do desconsolo. A mãe, entretanto, que sabia do tempo a mudança, calou-se em espera estática, e pos-se a trançar as lágrimas do marido.

Depois de dez mil dias e dez mil e uma noites o choro trançado se transformara enfim em mar, com seus pontos cintilantes sem abraços, com o mover do espaço e a sabedoria do tempo.

O mar muito grato, despos seus braços sobre as outras cidades, encontrando o jovem menino e o trazendo de volta para sua casa.

Ao retornar a vila o menino mais uma vez encontrara as riquezas do olhar inteiro e do peito cheio, e rico da maneira que se encontrava, tornou-se rei, com seu manto enorme e profundo chamado mar.

4 comentários:

Tito disse...

Fantástico.

Anônimo disse...

sim

Anônimo disse...

MARAVILHOSO, ME EMOCIONEI QUANDO LI A PRIMEIRA VEZ. AGORA, A SENSAÇÃO DE BELEZA CONTINUA INTENSA. COMO VOCÊ DESENHA, MENINA! COMO VOCÊ ESCREVE, COMO VOCÊ PODE? SER ASSIM, TÃO... POESIA PURA.

Luciana Ponce disse...

lindo, linda!