sexta-feira, novembro 13, 2009

cronologia do mundo

Primeiro Deus criou o cachorro.
E o pôs logo na entrada do céu, para afugentar aqueles de dura índole, e atrair os outros, moles de coração e rima.
Então Deus criou as borboletas.
Assim ele efemeramente deslumbrava-se, a um só tempo, com as cores e com o movimento.
Deus então abriu a porta,
e dela saiu o rebolado doce de um gato, todo mistério de dissimular o amor que tinha pelas criaturinhas daquele jardim.

O gato e o cachorro passavam o dia brincando de brigar,
aflingindo os dentes e os egos.
Às vezes disputavam a companhia das borboletas,
às vezes as dos homens.

Certo dia, porém, como se ninguém soubesse exatamente da onde veio e porque, uma gata apareceu leve e prosa nas marginálias muradas em trepadeiras e maracujás do quintal divino.
O homem, o cachorro, as borboletas e o gato a acompanharam com o olhar.
Ela andou com seus passos de cetim,
fitou sem olhar,
deixou o orgulho transformar seu pequeno corpo em momento.
A gata atravessou em comprido todo o jardim,
confundiu o silêncio,
atravessou o instante,
foi-se para nunca mais voltar.
Depois mais nada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Caraca, Aninha! Está totalmente maravilhoso. Tem cara da nossa casa, da nossa vida e tudo enfim. Adoro você e cada uma das palavras que cabem nesse espaço infinito que você cria, pra caramba. bjos. Aquela que sempre esquece a senha

aninha disse...

carlos drummond
Cantiga de viúvo

A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra do meu bem
que morreu há tanto tempo.

Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.

Depois riu devagarinho,
me disse adeus apenas com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou.