quinta-feira, abril 28, 2011

instantâneo

quero fugir dentro dessa foto furta-cor.
voar perdida no corredor em correntes de ar,
afundar o pé em lama plástica.

elástica,
menina.

quero esquecer os nomes
que me atormentam a noite,
quero atropelar as ordens do dia.

quando tudo ficar por demais complicado
quero me enquadrar
por onde a luz entra bem.
deitar nas faixas amarelas sob o chão cinza,
nas estrelas acumuladas
em segundos roubados da objetiva.

furta cor,
o tempo num instante,
o teu olhar distante.

elástica,
menina.

quarta-feira, abril 20, 2011

de chirico


quis eu fingir estar sozinha nessa planície imensa.
o maciço das suas coxas voltavam, voltavam.
zuniam sobre minha cabeça.
negava a ti,
com todas minhas coisas a fazer nas mãos.

a criança entrou em sombra e pegou minha mão.
falou macio, como a pele, como os olhos, como os ossos, que eu tencionava ignorar.
- você mente.

quando a verdade me tocou olhei para o horizonte e você havia partido.



(quis eu fingir não estar sozinha nessa planície imensa).

sábado, abril 16, 2011

noves fora zero

se eu pensasse porque gosto de você proporia uma competição incoerente de atributos que em nada elucidariam a verdade. poderia pensar em afinidades, no som das plantas crescendo, na alquimia calorosa do cozinhar.
tantas bobagens.
eu gosto de você porque me sinto nova,
recém nascendo densa e imersa
a cada presente sucedido
como se não houvesse o depois
nem o antes.

quarta-feira, abril 13, 2011

ou não

mal sabe que ao falar
trama as águas salgadas em que irei mergulhar.
conhece o gosto dos morangos, a cica vertical dos kiwis, a doçura, a cor, e o tecido da manga.
já sabe em cima o céu abaixo a terra ou mar.
quase sempre se perde
nas amarras abstratas do pensamento.
suas cores são vermelhas, marrons, brancas e pretas.
ou então azul tão profundo que se olhar muito é de se perder.
fora há um mundo factual, perfeito se ninguém o olha.
entre há todos os sentidos a deformar as coisas dessa terra.
dentro há algo que não se toca, não se sabe, não se vê.
dentro há o fora, há o entre, e há o dentro.
entre agir, cuidar, pensar, sentir,
antes,
me perco
onde termina o corpo
e começa a vida.

segunda-feira, abril 11, 2011

são eles

na porta do hospício nasce uma erva, encruzilhando dúvidas no entrar e sair. as cores utópicas daquele lugar branco bege no máximo marrom se infundem de verde. os internos mascam, os funcionários fazem grandes panelas de sopa. o jardineiro teima em podar.
quanta bobagem, a erva sempre volta a nascer,
e os loquinhos ficam olhando pro lado de fora sabendo que quem está do lado de fora
são eles.

orvalho

Eu quis tanto te dar esse envelope pardo. Ocaso rubro e azul, em cada pelo anoitecido num quarto que se põe. Eu quis te dar esse gosto estranho de dois corpos que passam da ebriedade à exaustão no hiato de um gozo. A sílaba estranha palpitando na boca de um estranho adquirido numa esquina qualquer. Eu quis me inflar de vida como um balão vermelho e te passar o cordão, ansiosa com o que você faria com a minha vida. Depois de aprender tanto o valor da liberdade e da autonomia, quis me perder em você, promessas e bons dias. O gosto da erva, do gim, da manhã e do mar.
Eu quis cozinhar, e quis beber. Quis encher de cores a parede ainda branca de um desencontro. Eu quis tanto e pude tão pouco.
Agora o som dos meus passos chacoalha no asfalto e me lembra, que mesmo depois da parede vazia, ainda resta algo. Simples, ralo. Alguma melodia.

domingo, abril 10, 2011

água doce

agora não lembro mais quem falou que a baleia é corajosa e o tubarão destemido.
o tubarão vai lá com seus dentes, com sua pose, com sua presa. e devora-destrói.
a baleia se vivesse na terra ia ser um problema,
então ela é toda coragem da gentileza de se espalhar no mar.

tigre

melhor do que ter medo do bicho é ser devorado.
e se encontrar sublime,
vivendo como outro
entre sangue e dentes afiados.

begônias

ficou um gosto na boca depois do rei jogado rasteiro. a madeira deslizou ou o tempo. cinzeiro cheio de almas. e o gosto tóxico das flores.

cego

minhas mãos estão tão mudadas desde o começo dessa noite. vejo elas se mexendo a procura de algo que não anoiteço de saber. não servirão os goles ácidos de alguma bebida qualquer. a abundância se escondeu na sombra desse mim. sem horrores ou apegos, minhas mãos estão procurando alguma espécie de verdade. vejo elas saindo dos meus braços. se contorcendo sem dor. se embrenhando na trama úmida da noite. de longe as estrelas parecem afiadas, mas se elas tocam as falanges é como o veludo. o céu é o cobertor desse instante, e se minhas mãos procuram algo nessa escuridão é por também não ter olhos.

quinta-feira, abril 07, 2011

sem fio

a noite lá fora está imensa,
é um berço inverso recolhendo silenciosamente todas as estrelas caídas dos passos de quem passou desapercebido.
você de ponta cabeça,
sem espalhar as cores,
nem perder o equilíbrio.

segunda-feira, abril 04, 2011

de novo não. eu tava em pé. não tava nada. eu tava sentada, mas era melhor. tá tudo preto agora, tá branco. de novo não. a cor é minha. é só a cor da minha visão. não me leva embora. é meu olho. meu peito. minha solidão.

soneto do amor parcial

eu vou pedir.
vou bater na sua porta.
vou mandar flores com um cartão.

hoje eu digo.
hoje eu peço.
mando pro cartório uma intimação.

hoje eu grito,
hoje eu faço.
abro sua porta.
te deparo com(um) gesto de paixão.

hoje eu grito: amor e atas de reunião!
hoje não me aguento.
hoje te desoriento - vinhovozeviolão.
hoje eu como (as flores e deixo o cartão).

sábado, abril 02, 2011

I e II

O dia estava tão silencioso. Como se soubesse. Os pássaros negros sobre-voando sua cabeça. Um ou outro latido. Embora pensasse muito, seus pés seguindo pelas ruínas davam a impressão de certeza e calma. Houvesse bolsos ele procuraria subterfúgios, mensagens involuntárias de apoio do futuro ou do passado.
No fim da longa plataforma haviam quatro passagens de pedra bruta. Os vãos escavados na carne mineral pareciam escuros, profundos, inescrutáveis. Aos pés da primeira havia o começo de uma escada espiral. Ele engoliu o medo sem água, testou seu próprio peso na terra, e começou a subir. Embora a escada se embrenhasse na escuridão, as paredes estavam iluminadas com palavras soltas, zohar, radateh, kulehyin. Palavras cheias de h's, músicas, poemas únicos e originários. A cada letra abraçada por outra ele passava os dedos na pedra e sentia uma espécie de calor lhe subir as vértebras - uma por uma.
Não haveria, ainda, de entender porque, mas sorria pleno de algo, ao se deparar com o próprio deserto de palavras que não significavam nada além do próprio som: limitados universos infinitos. Ele continuava ascendendo os degraus, rumo a luz mais forte, breu. Não sentia os pés. Não sentia os olhos. Não sentia os dedos. Não saberia entender nada além da história contada em si, subindo as escadas, ele também, limitado universo infinito.
Ao chegar no platô superior viu uma luz distante cintilando seu nome. Caminhou passos de madeira. Piscou faíscas. Seu tato de seda.
O sol lá fora cegava. O solo ruína. Em frente a ele, novamente as quatro passagens. A voz vermelha de terra ecoou um apelo em lembrança, olhando fundo nos seus olhos "Agora que você já sabe, vai ter que se acostumar". Entre lições mal compreendidas e uma dor antiga nas juntas se esqueceu do que viera fazer. Mais por disciplina do que por consciência, caminhou em direção a segunda passagem.
Lá dentro estava tudo iluminado. Como se o jogo promovido quisesse se dizer justo, cartas na mesa, ética branda. Dessa vez, ao invés da crueza ancestral, via metais brilhando, azulejos por todas as paredes, terra cota, mostarda. Havia homens inertes sentados em cima de tambores, flores brancas caídas trazidas pelo mar. O cheiro dos peixes entre golpes de vento.
No final do amplo corredor estava ela. Morena e cheia de pulseiras. O olhar era o mesmo de antes, e se sentia novamente frustrado por sua fraqueza. Seguiu firme, entretanto, como se. A cabeça alta, os músculos tesos. Ao chegar no altar ela partiu a seriedade com um estrondoso ataque de riso. Riu batendo as pulseiras em sons agudos. Riu batendo as mãos no colo, levantando areia. Riu de olhos bem abertos, desavença.
Os homens enfileirados no corredor despertaram do seu sono de treva, dançando maracatus muito antigos, brandindo o som da terra. A luminosidade tornou-se leitosa e branca, e ele, viu algo nascendo dentro de si. Algo crescendo, exponencial, espaçoso. Tentou tapar os olhos para que não saísse. Tentou fechar a garganta. Amparou as pernas bambas num último esforço. E algo lhe escapou pela boca. O soluço que deu tão alto distraindo todos do algo de tudo. Abriu as mãos envergonhado e viu um peixe vivo. Azul quase verde, louco como o inferno, convulso.
Sua contumaz estupidez, no entanto, não o cegou para a sabedoria daquele momento. Abaixou a cabeça para mulher, não por ser fraco, mas por sua força ser outra, e entregou o peixe a ela. Ela abraçou o menino que não era homem, e deixou todas as lágrimas dele correrem por seus seios, repetindo num mantra infindável "se a corrente te levar, solte o corpo, e venha me encontrar".


sexta-feira, abril 01, 2011

junio barreto

Consta nos teus manuais com marcas de dedos sujos de lama ou café. Nos anais correntes do ano de 1984. A camisa cheirando a cerveja. Os olhinhos brilhando. Na rua brincando o carnaval. Embaixo do colarinho as bolinhas coloridas de papel. Ô meu nego, não me finja que são estrelas. Não venha com seus beijos estalados nas pontas dos dedos. A concha do mar relincha o barulho das ondas e denúncia a crua diferença entre a lábia e o amor. Ô meu nego, esse seu cheiro grave de touro. Depois do banho vira bicho manso. Eu te gosto sujo, cheio de areia, áspero e inteiro. Grosso. Sua voz cheira bem, seu corpo cheira forte. Não volte mais assim, tão pouco meu, no cheiro desgosto da vida. Mas se chegar, não esquece de me chamar.